A julgar pelo que dizem de si os brasileiros, este é um país de gente feliz. Nada menos do que 76% (três em cada quatro) dos 7.724 entrevistados pelo Datafolha nos últimos dias 4 e 5, em 349 municípios, consideram-se “felizes”. A taxa é 11 pontos percentuais maior do que a registrada em um estudo de 1996, quando 65% disseram-se felizes.

O Datafolha também perguntou a cada entrevistado: “E os brasileiros, de um modo geral, na sua opinião, são pessoas felizes, mais ou menos felizes ou infelizes?”. Nesse caso, apenas 28% declararam que os brasileiros são “felizes”.

Bem menor (48 pontos percentuais a menos) que o índice de felicidade referente ao próprio entrevistado, mesmo assim a taxa dos que consideram os brasileiros “felizes” é cinco pontos percentuais maior do que a verificada em 1996, quando 23% escolheram essa alternativa. Do outro lado do espectro, a taxa dos que avaliam os brasileiros como “infelizes” caiu de 18% para 13%.

O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, autor de “Felicidade” (Cia. das Letras), livro de 2002, não vê contradição. “Quando a pergunta se refere à pessoa do entrevistado, o que ele faz é olhar para para o seu estado de ânimo. Quando a pergunta se refere aos brasileiros em geral, o entrevistado pensa em condições de moradia, renda, segurança, emprego.”

Em 1996, o governo era de Fernando Henrique Cardoso. A facção criminosa Primeiro Comando da Capital ainda engatinhava nas cadeias. O desemprego atingiu 6% dos trabalhadores. Em 2006, o taxa de desemprego ficou em 10,1%, o governo é Lula e o PCC…

Giannetti arrisca uma explicação para o aumento do “coro dos contentes”. “Talvez o brasileiro esteja mais resignado.” Ele cita o padre Antônio Vieira: “Quereis só o que podeis e sereis onipotentes”, dizia o jesuíta há mais de 300 anos. Pode ser. Há outras hipóteses.

Mulher se iguala ao homem na felicidade

Se, há dez anos, a taxa dos homens que se diziam “felizes” era de 69%, sete pontos percentuais a mais do que a das mulheres (62%), hoje, 75% das brasileiras se dizem “felizes”, contra 78% no caso dos brasileiros. É uma situação de empate técnico, já que a margem de erro para o total da amostra é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

“Gosto da vida, dos meus amigos. Fazer compras também deixa a gente feliz. É uma terapia”, diz a vendedora Juliana Aparecida Teixeira, 21. “Me considero feliz. Sou independente, trabalho e pratico esportes”, diz Rosane Oliveira, 37, engenheira química. “Sou feliz. Vivo bons momentos, tenho uma família, saúde, amo meu cachorro, gosto de rir, tomar chope”, diz Letícia Bonacorso, 25, comerciante.

Emancipação feminina?

Segundo a psicóloga Rosely Sayão, é preciso “cuidado” na interpretação da pesquisa e das respostas das mulheres. “Existe atualmente uma cultura que praticamente tornou compulsório ser feliz”.

Rosely cita o sem-número de receitas da felicidade que podem ser lidas nas páginas de revistas femininas e em livros de auto-ajuda (também com foco no mulherio). “Parece que felicidade só depende de querer.”

“E, no entanto, o que mais vejo são mulheres que trabalham sentindo-se culpadas por não conseguir acompanhar 100% da vida dos filhos; ou que estão infelizes com o corpo ou com a idade; ou ainda mulheres que só se sentem realizadas na condição de consumidoras”, lembra Rosely. “É difícil acreditar na sinceridade de tantas declarações de felicidade”, diz ela, que se diz “mais ou menos feliz”: “Algumas vezes ao dia sou feliz, outras não.”

Entre a pesquisa de 1996 e a de 2006, há o fenômeno da massificação do uso das chamadas “drogas do bem-estar”, entre as quais se contam antidepressivos como o Prozac.

Segundo a psiquiatra Helena Maria Calil, da Universidade Federal de São Paulo, que se declara “mais ou menos feliz” (“Às vezes sou feliz, às vezes, não”), vende-se a ilusão de que antidepressivos como o Prozac sejam “drogas da felicidade”.

Embora usadas por homens e mulheres, sabe-se que são as últimas as maiores consumidoras de antidepressivos, hoje receitados tanto por médicos “de regime” -nutrólogos e endocrinologistas, entre outros- quanto por ginecologistas, além, é claro, dos próprios psiquiatras. Como sintoma da explosão medicamentosa, em 2001, foram vendidos no Brasil, 16 milhões de caixas do Prozac, 34% a mais do que em 1995.

Evangélicos

Uma outra explosão aconteceu nesse período. “A explosão do Evangelho no Brasil é certamente uma explicação para o crescimento do índice de pessoas felizes” -neste caso, homens e mulheres. O diagnóstico é do pastor Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, 34, da Igreja Bola de Neve, uma dentre as centenas de denominações evangélicas existentes no país.

Entre o povo de Deus (como gostam de ser identificados os evangélicos pentecostais), o índice dos que se dizem “felizes” é de 83%. São sete pontos percentuais a mais do que o índice de “felizes” existente entre os católicos, os evangélicos não-pentecostais ou os espíritas, cada um com 76% de “felizes”. O povo sem-religião é o com menor índice de “felizes”: 67%, ou 16 pontos menos do que os evangélicos pentecostais.

“Se Deus é por nós, quem será contra nós?”, diz um adesivo de carro muito popular entre os evangélicos. Segundo o pastor Rinaldo, o conceito de felicidade dos evangélicos é diferente -“é menos materialista”.

“Para nós, mais importante do que multas de trânsito, problemas conjugais ou desemprego, é estar em contato com Deus. Isso é a felicidade.” Essa felicidade viceja principalmente nas periferias das grandes cidades, onde 20% dos moradores já são evangélicos.

Fonte: Folha de São Paulo

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