O ex-interno da antiga Febem Anderson Marcos Batista, 25, acusado de extorquir dinheiro do padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, comprou cinco carros de luxo desde 2004. Ele também é dono de uma pequena pensão e de um sobrado na zona leste de São Paulo.

Com pagamentos à vista ou financiamentos, Batista, que é autônomo, movimentou no período mais de R$ 200 mil só com esses veículos e imóveis.

Batista, a mulher dele, Conceição Eletério, 44, e os irmãos Everson e Evandro dos Santos Guimarães tiveram a prisão decretada sob acusação de extorquir cerca de R$ 50 mil do religioso nos últimos três anos. Só Everson foi capturado.

Segundo o padre, o ex-interno alegava dificuldades financeiras e ameaçava procurar a imprensa para denunciá-lo por pedofilia -o alvo do abuso seria o enteado de Batista, de oito anos. O padre também diz ter recebido ameaças de agressão.

Foi o religioso quem gravou conversas nas quais era chantageado e as entregou à polícia. O padre Júlio afirma que pagou por medo de ser agredido e por acreditar que “poderia mudar as pessoas que o extorquiam”.

A polícia paulista diz acreditar que o grupo de Batista possa ter extorquido mais pessoas. O ex-interno era investigado desde o ano passado por suposto enriquecimento ilícito em outro inquérito policial.

Na extorsão ao padre Júlio, Batista conseguiu que ele pagasse prestações de um financiamento de uma Mitsubishi Pajero ano 2004.

Mas o inquérito sobre enriquecimento ilícito mostra que o ex-interno comprou vários outros carros de luxo. Desde 2004, Batista e sua mulher tiveram em seu nome uma picape Nissan 2003 (R$ 65 mil), um Astra (R$ 35 mil), um Audi/A3 (trocou pelo Astra mais R$ 20 mil), um Meriva (R$ 35 mil) e a Pajero (R$ 65 mil).

O próprio ex-interno falou sobre os bens em depoimento à polícia em janeiro, antes que a extorsão ao padre fosse descoberta. Ele disse que era dono de uma pequena pensão no Belém (zona leste). Afirmou que arrendava o local por R$ 2.000. O aluguel dos quartos rende, por mês, cerca de R$ 3.600, segundo Antonio Bonfim, designado por Batista para cuidar do local.

O ex-interno também declarou que comprou um imóvel de R$ 35 mil e investiu outros R$ 15 mil em reformas. Para justificar os gastos, o ex-interno citou apenas que trabalhou em uma frente de trabalho quando saiu da antiga Febem. Recebia R$ 200 por mês.

O patrimônio sem explicação passou a ser investigado no ano passado pela DDM (Delegacia da Defesa da Mulher) depois que Conceição o denunciou por agressões -as brigas entre o casal seriam freqüentes. Conceição desistiu da denúncia e disse que mentiu porque o marido tinha uma amante.

A polícia, porém, descobriu o patrimônio de Batista. Uma busca e apreensão foi feita na casa dele. Na época, a polícia justificou o pedido à Justiça afirmando que ele era suspeito de ligação com o tráfico de drogas e de pertencer ao PCC (Primeiro Comando da Capital).

A polícia espera do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, dados sobre movimentações bancárias do ex-interno.

Batista deixou a Febem em 2001, onde estava internado por roubo. Foi na instituição que ele conheceu o padre Júlio e o procurou, após a desinternação, para pedir ajuda para conseguir emprego e moradia.

Pessoas próximas do ex-interno o descrevem como educado e mão-aberta. Em um bar próximo à sua pensão, ele costumava pagar cerveja para os freqüentadores.

Religioso nega ter errado e afirma que “a vida é um risco”

Após denunciar ter sido vítima de extorsão por parte de um ex-interno da antiga Febem por três anos, o padre Júlio Lancelotti disse ontem não achar que errou. “Se Jesus tivesse tomado muito cuidado, não teria morrido na cruz, né?

Teria morrido idoso numa cama”, disse. “Eu acho que a gente deve ser prudente, mas a vida é um risco, o amor é um risco.” Sobre as lições que tirou do caso, ele diz ter aprendido que “a gente tem que ser sempre humilde, e saber que somos vulneráveis, e saber que não há amor sem dor e que o sofrimento faz parte da nossa vida”. E completou: “E que as pessoas não são como nós queremos”.

Ele disse que não sabia que o ex-interno Anderson Marcos Batista tinha ficha na polícia. Questionado se sabia que o ex-interno agredia a mulher, respondeu: “Isso eu sabia. Há muitos boletins de ocorrência, mas ela retirava a queixa”. Sobre os bens de Batista, o religioso disse, inicialmente, não saber se ele era rico. Quando questionado mais uma vez, ele disse que “para isso existe um inquérito na polícia. Eu não sou o juiz”.

A Folha entrevistou o padre Júlio no final da tarde de ontem, na catedral da Sé, depois da missa em que o arcebispo de São Paulo dom Odilo Scherer comunicou que o papa Bento 16 irá nomeá-lo cardeal. Mais tarde, por telefone, o pároco afirmou que vai aceitar a oferta de proteção policial. Serão deslocados policiais para fazer ronda em sua casa e acompanhá-lo em alguns eventos. O padre Júlio comprou recentemente um imóvel vizinho à Casa Vida 2, na Mooca (zona leste), entidade que acolhe crianças portadoras de HIV.

No novo espaço, ele quer fundar uma república para acolher jovens de 18 e 19 anos.

Segundo advogado, ex-interno nega extorsão e afirma que denúncia contra ele é vingança

O ex-interno da antiga Febem Anderson Marcos Batista, foragido da Justiça, nega o crime de extorsão e se diz vítima de vingança por parte do padre Júlio Lancelotti. A afirmação é do advogado do ex-interno, Nelson Bernardo da Costa.

O advogado diz que falou com seu cliente anteontem, por telefone. “Quando a versão dele [de Batista] for apresentada, entre os demais acusados, virá à tona toda a verdade. Isso, com certeza, causará um grande choque, até uma comoção social”, afirma Costa.

O advogado, no entanto, diz que seu cliente não informou a ele qual seria o motivo da vingança. “Ele disse que está surpreso com tudo porque ele tecia uma grande amizade [pelo padre]. Segundo ele, até uma amizade íntima”, diz.

Costa afirma que o ex-interno tem provas de que não fez nenhuma extorsão. “Até é difícil falar isso, uma pessoa respeitosa [referindo-se ao padre], que até ajudava as pessoas, que comparecia na casa dele [de Batista], que ligava constantemente procurando. Ele tem prova nesse sentido.”

O advogado, porém, afirmou que não tinha condições de detalhar tais provas. Também segundo Costa, Batista não citou nenhuma denúncia de abuso sexual contra seu enteado. O advogado diz não saber se o seu cliente pretende se apresentar à polícia nos próximos dias.

Sobre o patrimônio do ex-interno, Costa afirma não saber qual era o seu rendimento nem suas últimas ocupações.

Fonte: Folha São Paulo

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