Representante da ONU afirmou que a decisão do STJ contradiz tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Após as polêmicas em torno da decisão que inocentou um acusado de estuprar três meninas de 12 anos, o Superior Tribunal de Justiça publicou ontem uma nota em que nega incentivar a prostituição infantil e a pedofilia.

Na decisão publicada na semana passada, os ministros do STJ levaram em conta o fato de as meninas se prostituírem para considerar que elas tinham condições de consentir com o sexo.

“A exploração sexual de crianças e adolescentes não foi discutida no caso submetido ao STJ, nem mesmo contra o réu na condição de ‘cliente'”, afirma a nota.

O tribunal afirmou também que o entendimento sobre a questão pode mudar em julgamentos futuros. Negou, contudo, que o presidente do tribunal, Ari Pargendler, tenha admitido a possibilidade de rever a decisão.

Conforme a Folha mostrou ontem, já existe um recurso contra a decisão.

O STJ negou ainda que a decisão tomada infrinja a Constituição ou que estimule a impunidade. “Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”.

Ao final, a nota afirma que o tribunal não aceita as críticas que “atacam, de forma leviana, a instituição”.

[b]ONU chama de ‘deplorável’ decisão de STJ sobre estupro[/b]

A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de inocentar um homem da acusação de estupro contra três meninas de 12 anos foi repudiada pelos representantes de direitos humanos da Nações Unidas. A instituição classificou ontem como “deplorável” a decisão dos ministros.

O Representante da ACNUDH (Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos), Amerigo Incalterra, afirmou que “é impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”. Segundo ele, a decisão abre precedente perigoso e discrimina as vítimas com base na idade e gênero.

A decisão tem sido alvo de críticas da ministra Maria do Rosário (Secretaria de Direitos Humanos), da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), de congressistas e militantes.

O representante da ONU afirmou que a decisão contradiz tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e enfatizou que todos os tribunais têm a “obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados”.

O caso ocorreu antes de 2009, quando a lei passou a considerar relações sexuais ou ato libidinoso com menor de 14 anos como “estupro de vulnerável”, independente do uso de violência.

A corte fez o julgamento com base na lei anterior (que já considerava estupro manter relações sexuais com menores, inclusive consensuais), por causa da chamada “presunção de violência”.

Os tribunais discutiam se era necessário ou não provar que houve violência de fato.

No caso das meninas, o tribunal decidiu por maioria que, por serem prostitutas, seu consentimento com a relação sexual era válido.

O STJ negou anteontem incentivar a prostituição infantil e a pedofilia. Em nota, negou também que o presidente do tribunal, Ari Pargendler, tenha admitido a possibilidade de rever a decisão. Pagendler teria se referido, em abstrato, à hipótese de um recurso alterar o julgado. O STJ afirmou que o entendimento sobre a questão pode mudar em julgamentos futuros.

[b]Superior Tribunal de Justiça: Esclarecimentos à sociedade[/b]

Em relação à decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, objeto da notícia Presunção de violência contra menor de 14 anos em estupro é relativa, esclarecemos que:

1. O STJ não institucionalizou a prostituição infantil.

A decisão não diz respeito à criminalização da prática de prostituição infantil, como prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal após 2009.

A decisão trata, de forma restrita e específica, da acusação de estupro ficto, em vista unicamente da ausência de violência real no ato.

A exploração sexual de crianças e adolescentes não foi discutida no caso submetido ao STJ, nem mesmo contra o réu na condição de “cliente”. Também não se trata do tipo penal “estupro de vulnerável”, que não existia à época dos fatos, assim como por cerca de 70 anos antes da mudança legislativa de 2009.

2. Não é verdade que o STJ negue que prostitutas possam ser estupradas.

A prática de estupro com violência real, contra vítima em qualquer condição, não foi discutida.

A decisão trata apenas da existência ou não, na lei, de violência imposta por ficção normativa, isto é, se a violência sempre deve ser presumida ou se há hipóteses em que menor de 14 anos possa praticar sexo sem que isso seja estupro.

3. A decisão do STJ não viola a Constituição Federal .

O STJ decidiu sobre a previsão infraconstitucional, do Código Penal, que teve vigência por cerca de 70 anos, e está sujeita a eventual revisão pelo STF. Até que o STF decida sobre a questão, presume-se que a decisão do STJ seja conforme o ordenamento constitucional. Entre os princípios constitucionais aplicados, estão o contraditório e a legalidade estrita.

Há precedentes do STF, sem força vinculante, mas que afirmam a relatividade da presunção de violência no estupro contra menores de 14 anos. Um dos precedentes data de 1996.

O próprio STJ tinha entendimentos anteriores contraditórios, e foi exatamente essa divisão da jurisprudência interna que levou a questão a ser decidida em embargos de divergência em recurso especial.

4. O STJ não incentiva a pedofilia.

As práticas de pedofilia, previstas em outras normas, não foram discutidas. A única questão submetida ao STJ foi o estupro – conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça – sem ocorrência de violência real.

A decisão também não alcança práticas posteriores à mudança do Código Penal em 2009, que criou o crime de “estupro de vulnerável” e revogou o artigo interpretado pelo STJ nessa decisão.

5. O STJ não promove a impunidade.

Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima.

6. O presidente do STJ não admitiu rever a decisão.

O presidente do STJ admitiu que o tribunal pode rever seu entendimento, não exatamente a decisão do caso concreto, como se em razão da má repercussão.

A hipótese, não tendo a decisão transitado em julgado, é normal e prevista no sistema. O recurso de embargos de declaração, já interposto contra decisão, porém, não se presta, em regra, à mudança de interpretação.

Nada impede, porém, que o STJ, no futuro, volte a interpretar a norma, e decida de modo diverso. É exatamente em vista dessa possível revisão de entendimentos que o posicionamento anterior, pelo caráter absoluto da presunção de violência, foi revisto.

7. O STJ não atenta contra a cidadania .

O STJ, em vista dos princípios de transparência que são essenciais à prática da cidadania esclarecida, divulgou, por si mesmo, a decisão, cumprindo seu dever estatal.

Tomada em dezembro de 2011, a decisão do STJ foi divulgada no dia seguinte à sua publicação oficial. Nenhum órgão do Executivo, Legislativo ou Ministério Público tomou conhecimento ou levou o caso a público antes da veiculação pelo STJ, por seus canais oficiais e de comunicação social.

A polêmica e a contrariedade à decisão fazem parte do processo democrático. Compete a cada Poder e instituição cumprir seu papel e tomar as medidas que, dentro de suas capacidades e possibilidades constitucionais e legais, considere adequadas.

O Tribunal da Cidadania, porém, não aceita as críticas que avançam para além do debate esclarecido sobre questões públicas, atacam, de forma leviana, a instituição, seus membros ou sua atuação jurisdicional, e apelam para sentimentos que, ainda que eventualmente majoritários entre a opinião pública, contrariem princípios jurídicos legítimos.

[b]Fonte: Folha de São Paulo, JusBrasil e STJ[/b]

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