A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiu apoiar a greve de fome do bispo de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, contra as obras de transposição do rio São Francisco.

Em nota, divulgada pela entidade após a reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quarta-feira, 12, a CNBB convoca as comunidades cristãs a “se unirem em jejum e oração” pela vida do bispo, em jejum há 18 dias.

A CNBB também se manifesta contra a transposição: “D. Luiz Cappio traz à luz o embate entre dois modelos opostos de desenvolvimento: de um lado, o modelo participativo e sustentável, que valoriza a agricultura familiar e a preservação da natureza; e de outro, o que privilegia o agro e hidro negócios, com sérios prejuízos ambientais e sociais, pois explora o povo e destrói os rios e as florestas.”

E reitera que a “luta” do bispo tem respaldo em documento da Igreja: “A riqueza natural dos nossos países experimenta hoje uma exploração irracional e vai deixando um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda nossa região. Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza”.

Na reunião da CNBB com Lula, o presidente que o governo não tem condições de ceder às pressões do bispo. Um dos participantes do encontro relatou que o presidente deixou claro para os bispos que a paralisação das obras para atender a uma demanda “individual” abriria um precedente perigoso. O governo, na avaliação de Lula, não pode parar as obras por causa de uma greve de fome, pois corre o risco de não governar mais. Após o encontro, o presidente da CNBB, d.Geraldo Lyrio Rocha avaliou que a atitude de d.Cappio não é uma postura “suicida”, mas admitiu que o protesto arranha a imagem da Igreja, especialmente num momento em que a instituição reforça a campanha contra a eutanásia e o aborto.

Leia abaixo a íntegra da nota:

“Senhor, concede a vida do meu povo pelo qual te peço” (cf. Ester 7, 3).

O jejum e a oração de Dom Luiz Flávio Cappio, ofm, bispo da diocese de Barra-BA são motivados por seu espírito de pastor que ama seu povo. Dom Luiz expressa seu constante compromisso em defesa do Rio São Francisco e da vida das populações ribeirinhas – agricultores, quilombolas, povos indígenas – e de outras áreas. Sua atitude revela respeito à dignidade da pessoa e da criação e sua convicção de que o ser humano é capaz de conviver em harmonia e respeito com o meio-ambiente.

Assim, Dom Luiz Cappio traz à luz o embate entre dois modelos opostos de desenvolvimento: de um lado, o modelo participativo e sustentável, que valoriza a agricultura familiar e a preservação da natureza; e de outro, o que privilegia o agro e hidro negócios, com sérios prejuízos ambientais e sociais, pois explora o povo e destrói os rios e as florestas. Sua luta em defesa do Rio São Francisco é respaldada pelo que diz o documento de Aparecida: “A riqueza natural dos nossos países experimenta hoje uma exploração irracional e vai deixando um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda nossa região. Em todo esse processo, tem enorme responsabilidade o atual modelo econômico, que privilegia o desmedido afã pela riqueza, acima da vida das pessoas e dos povos e do respeito racional pela natureza” (DA 473).

A CNBB tem afirmado, junto ao governo e à sociedade, a necessidade de dar continuidade a um amplo diálogo sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Tem sinalizado também a importância da revitalização do Rio e a garantia de toda população ao acesso à água de boa qualidade como um direito humano e um bem público. O Governo democrático tem a responsabilidade de interpretar as aspirações da sociedade civil, em vista do bem comum, de oferecer aos cidadãos a possibilidade efetiva de participar nas decisões, de acatar e de respeitar as determinações judiciais, em clima pacífico.

Julgamos necessário considerar outras propostas alternativas, socialmente adequadas e eficazes, apresentadas por entidades governamentais, especialistas e movimentos sociais, a custos menores e com possibilidade de atingir maior número de pessoas e municípios. Entre essas, destacamos as apresentadas pela ANA (Agência Nacional das Águas), através do Atlas Nordeste, e pela ASA (Articulação do Semi-Árido brasileiro) com a construção de um milhão de cisternas.

Neste tempo de Advento, vivenciando a esperança, convidamos as comunidades cristãs e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum e oração a Dom Luiz Cappio, por sua vida, sua saúde e em solidariedade à causa por ele defendida. A esperança não decepciona (Rm 5,5).

Brasília, 12 de dezembro de 2007.

Festa de Nossa Senhora de Guadalupe.

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luis Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB

Família de bispo descarta intervir em greve de fome

A família do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 61, descartou ontem, em Sobradinho (540 km de Salvador), a possibilidade de interferir pelo fim da greve de fome do religioso contra a transposição das águas do rio São Francisco. O bispo completa na manhã de hoje 17 dias de jejum.

“Se nossa mãe estivesse viva, ela seria a primeira a pegá-lo no colo e deixá-lo morrer”, afirmou o irmão de d. Luiz, o comerciante aposentado João Franco Cappio, 71. “Quem somos nós para pedir que ele pare?”, perguntou. “Ao contrário, o incentivamos a ir até o fim dos seus propósitos”, disse.

Segundo João, o papel da família no caso é apoiar o bispo. “Se ele precisar descansar o dia inteiro, vai descansar. Se precisar de uma cadeira de rodas, arranjaremos. E se precisarmos transportá-lo em um caixão até a cidade de Barra, onde ele quer ser enterrado, nós o levaremos, porque esse é o seu desejo, e não tem ninguém no mundo que vá dissuadi-lo.”

Se a obra for mantida, o irmão de d. Luiz disse acreditar que apenas o papa Bento 16 poderá determinar o fim do jejum. “Mas o papa não fará isso, porque respeita as decisões de um bispo da Igreja Católica Apostólica Romana.”

O Vaticano já vem acompanhando o caso, segundo disse ontem o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O congressista visitou d. Luiz e lhe disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou anteontem para o Estado-sede da Igreja Católica. O senador não revelou o teor da suposta conversa.

“O Vaticano e a CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil] estão em um esforço de diálogo com o governo”, afirmou. “Tanto é que d. Luiz e eu consideramos muito bem formulada a carta que a direção da CNBB divulgou sobre o encontro com o presidente”, disse.

O bispo reafirmou que manterá o jejum. Nos últimos dias, ele reduziu o tempo de convívio com visitantes e aumentou os períodos de descanso. Diz que sente fraqueza, “cabeça pesada” e “vontade de sentar, deitar e dormir”. Continua lúcido e corado, mas demonstra impaciência.

A família do bispo afirma que, se necessário, passará as festas de fim de ano com o religioso, em vigília com romeiros acampados no local.

“Lula está desejando um feliz Natal a todo o povo brasileiro. Nós vamos ter um feliz Natal, junto com nosso irmão. Só espero que Lula, no Natal, no Ano Novo e pelo resto da sua vida, não tenha que levar na sua consciência a culpa pela morte de um bispo da Igreja Católica”, disse o irmão de d. Luiz.

Fonte: Estadão e Folha Online

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