A Igreja Católica no Brasil irá receber o papa Bento 16 com mais entusiasmo -ou, ao menos, com mais boa vontade- do que acolheu o anúncio da escolha do cardeal Joseph Ratzinger como substituto de João Paulo 2º.

Quando o cardeal chileno Jorge Arturo Medina Estévez pronunciou as palavras “habemus papam”, pouco depois das 13h do dia 19 de abril de 2005, religiosos e alunos do Seminário Santo Antônio, na cidade de Juiz de Fora (MG), receberam o anúncio com gritaria.

O clima na espécie de auditório -com carteiras enfileiradas e uma grande televisão ao fundo- já era de euforia desde que a fumacinha branca começou a ser despejada no céu pela chaminé da Capela Sistina.

Apenas o primeiro nome do novo papa, e dito em latim -Iosephus-, bastou para a mudança de ânimo. Alguém, em meio às vozes que se abaixavam, completou: “Ratzinger”. “Ninguém vibrou”, disse à Folha o seminarista Sebastião Joaquim Filho. “Achei muito estranha a reação do pessoal”, completou, admitindo receber com “tristeza” a escolha.

O desapontamento era coletivo, ao menos para uma parte significativa da igreja brasileira, que fez do compromisso social e do engajamento na luta política por uma sociedade mais justa sua face pública. Um de seus ícones intelectuais, Leonardo Boff, havia sido duramente combatido nos anos 80 -e, em última instância, derrotado- pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, agora papa.

O temor era que o guardião da doutrina, o “Panzerkardinal” que atacara com dureza o uso da teoria marxista para a compreensão do mundo e da igreja, voltasse agora suas baterias contra essa experiência de igreja na América Latina.

Os sinais recentes -percebidos por bispos, padres e leigos no país- são não só de tolerância como de incentivo ao papel social da igreja na região.

Em encontro em fevereiro último com os núncios apostólicos (embaixadores do Vaticano) na América Latina, o papa Bento 16 reafirmou princípios que fariam a alegria de muitos antigos seguidores da Teologia da Libertação.

Após chamar a região de “continente da esperança”, retomando uma expressão de João Paulo 2º, anunciou que “a assistência aos pobres e a luta contra a pobreza são e permanecem uma prioridade fundamental na vida das igrejas na América Latina”.

“A meu ver, isso é uma espécie de aperitivo do que ele vai dizer no Brasil”, afirma o padre José Oscar Beozzo, teólogo e historiador ligado a essa tradição de igreja no país.

Bispos alinhados com o compromisso social do catolicismo dizem não esperar dele gestos de recriminação ou de desincentivo durante sua visita. Muitos falam que Bento 16 está “surpreendendo positivamente”, embora ainda haja críticas e apreensões por parte do clero mais à “esquerda”.

A advertência pública do Vaticano ao padre salvadorenho Jon Sobrino, jesuíta e um dos pioneiros da Teologia da Libertação, anunciada em março, por exemplo, foi recebida como um reendurecimento de Roma e abertamente criticada por alguns religiosos e leigos.

Um bispo ouvido pela Folha declarou ter ficado “apreensivo”, mas afirma que, a essa altura, o “baque” já foi “absorvido”. D. Moacyr Grechi, arcebispo de Porto Velho, declara ter certeza de que o papa, durante a visita, falará sobre os problemas sociais da região.

Bispos também elogiam a iniciativa de diálogo inter-religioso, tema caro a essa corrente da igreja, já que o papa se encontrará no país com representantes do islamismo, do judaísmo e de denominações protestantes não pentecostais.

Fonte: Folha de São Paulo

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