Os cientistas e a CNBB não querem transformar o debate de amanhã sobre células-tronco, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma polêmica religiosa. Entenda a votação do STF sobre pesquisas com células-tronco. Participe da nossa enquete.

As duas partes, que lideram a discussão sobre o julgamento no qual os 11 ministros do STF dirão se a pesquisa com células-tronco embrionárias é ou não constitucional, prometem se concentrar nos argumentos científicos e no problema envolvendo o descarte de embriões já coletados.

Luís Roberto Barroso, que representará no julgamento uma das entidades que defendem as pesquisas científicas, centrará seus argumentos nas conseqüências do julgamento, na questão do que deverá ser feito com os embriões hoje congelados caso as pesquisas não sejam liberadas.

“Não está em jogo o debate sobre o direito à vida, porque esses embriões já existem e jamais serão implantados no útero materno. Essa é uma falsa questão”, afirmou. “A questão relevante é determinar o que deve ser feito com embriões congelados. O resto é argumentação retórica, discussão fervorosa”, acrescentou.

De acordo com a Lei de Biossegurança, promulgada em 2005, só podem ser utilizados em pesquisas científicas os embriões inviáveis ou congelados há três anos ou mais – a contar de 2005 –, ou que, congelados na data da publicação da lei, completarem três anos.

Durante a audiência pública no STF para discutir o assunto, no ano passado, o destino dos embriões hoje congelados foi preocupação específica do ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto ainda é dado como incerto entre os demais ministros. De acordo com os cientistas, esses embriões permanecerão congelados eternamente ou serão descartados. Por conta dessa dúvida, inclusive, é unânime o entendimento de que o Congresso precisa votar uma lei que regule a fertilização in vitro e o destino desses embriões.

CNBB

Se os cientistas deixarão em segundo plano a discussão sobre quando começa a vida, os advogados que representam a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) centrarão seus argumentos nessa questão, mas do ponto de vista científico. “É uma evidência biológica já consolidada que o desenvolvimento de um indivíduo humano inicia-se na fertilização”, afirma o memorial feito pelo advogado Ives Gandra Martins, entregue aos ministros do Supremo. “Se transigirmos um pequeno momento com relação à vida, pode-se abrir todo um espaço para a relativização da vida”, observou o advogado.

Os advogados da CNBB argumentarão que a proibição das pesquisas com células-tronco embrionárias pode ter efeito benéfico para a ciência, porque estimulará outras linhas de estudos, com células-tronco adultas.

“Além de acolher a consolidada evidência científica de que o desenvolvimento humano inicia-se na fecundação, terá o efeito de proporcionar um reforço adicional para que as pesquisas nacionais sigam o caminho de utilizar uma metodologia cientificamente de vanguarda, que não sacrifique a dignidade e a vida do ser humano em fase inicial de desenvolvimento”, pondera Gandra no documento entregue aos ministros.

Entenda a votação do STF sobre pesquisas com células-tronco

Na próxima quarta-feira (5), o STF (Superior Tribunal Federal) inicia a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510, que pede a exclusão do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05).

O artigo permite a utilização em pesquisas de células-tronco embrionárias fertilizadas in vitro e não utilizadas. A regulamentação prevê que os embriões usados estejam congelados há três anos ou mais e veta a comercialização do material biológico. Também exige a autorização do casal.

No início de fevereiro, o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, distribuiu o relatório entre os ministros do STF.

A ação foi proposta em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que defende que o embrião pode ser considerado vida humana. Em 20 de abril do ano passado, uma audiência inédita no STF ouviu especialistas e estudiosos favoráveis e contrários ao uso de células-tronco embrionárias.

O julgamento desta quarta-feira terá a presença de todos os 11 ministros do STF. A sessão está prevista para ter início às 14h e, segundo o Supremo, poderá ser acompanhada ao vivo pela televisão.

Polêmica

As células-tronco embrionárias são consideradas esperança de cura para algumas das doenças mais mortais, porque podem se converter em praticamente todos os tecidos do corpo humano. Entretanto, o método de sua obtenção é polêmico, porque a maioria das técnicas implementadas nessa área exigem a destruição do embrião.

A questão divide opiniões entre os diferentes setores da sociedade. A igreja diz que a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana e parte do princípio de que esses direitos são extensivos ao embrião, porque a vida começaria na concepção.

Na sexta-feira (29), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) informou que iria encaminhar ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma carta pedindo aos ministros que votem a favor da inconstitucionalidade do artigo em questão.

Para o presidente arcebispo de Londrina (PR) e presidente da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB, d. Orlando Brandes, não é necessário a utilização de células-tronco de embriões para fazer pesquisas. A ciência, segundo ele, já provou que as células-tronco retiradas de adultos são mais eficazes nos tratamentos.

Para se contrapor a essa tese, a comunidade científica afirma que milhões de pessoas portadoras de doenças diversas dependem da pesquisa com células-tronco para a cura e que as células de embriões são mais promissoras que as adultas (às quais os religiosos não objetam), já que, diferentemente destas, têm a capacidade de se diferenciar em qualquer tipo de tecido no organismo. Para eles, os ministros deveriam se preocupar com a vida dessas pessoas, não a de embriões já descartados para a reprodução.

Cientistas contrários ao uso de embriões também pretendem entregar um documento aos ministros. Alguns estiveram no STF na semana passada em audiências com os ministros para tirar dúvidas como em que estágio se congela um embrião.

Descoberta

No ano passado, dois grupos de cientistas de Japão e Estados Unidos conseguiram criar células-tronco por meio de células da pele.

A técnica consiste em fazer com que células humanas adultas da pele “voltem no tempo” e passem a agir como se fossem as versáteis células-tronco embrionárias, conseguindo posteriormente se diferenciar em outros tecidos do corpo.

A descoberta abre um caminho potencialmente ilimitado para a substituição de tecidos ou órgãos defeituosos e representa um avanço na utilização de pesquisas com células-tronco sem esbarrar em questões éticas.

Células-tronco obtidas a partir da pele acirram debate ético

A cura para as doenças que ameaçam a humanidade no século 21, como câncer, Alzheimer e diabetes, deverá sair da medicina regenerativa. Apontada como uma das maiores descobertas do ano, a descoberta de que a pele humana pode servir de fonte de células-tronco embrionárias deu novo fôlego a esse tipo de pesquisa –e ao debate sobre esse uso.

Defensores e críticos da clonagem terapêutica pela primeira vez entraram em acordo. Os dois lados consideraram um fato histórico o avanço obtido por uma equipe japonesa, dirigida por Shinya Yamanaka, e outra americana, liderada por Junying Yu e James Thomson. Elas reprogramaram células da pele, que passaram a atuar como se fossem células-tronco embrionárias.

“O presidente está muito feliz”, disse uma porta-voz da Casa Branca, horas depois de as revistas “Science” e “Cell” publicarem os resultados das pesquisas, no dia 20 de novembro.

Enquanto George W. Bush acreditava ter vencido a sua cruzada contra o sacrifício de embriões, no Vaticano o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Elio Sgreccia, comemorava o fato de que “não será mais necessária a clonagem terapêutica dos embriões”.

“Já se sabia que do estudo das células adultas se obtinham resultados, enquanto das embrionárias não se obteve nada”, disse Sgreccia. Ele pediu que todos aqueles que “investiram dinheiro e aprovaram leis sobre as pesquisas com células embrionárias sejam capazes de reconhecer erros e voltar atrás”.

Duas vias

Mas a resposta ao Vaticano veio dos próprios Thomson e Yu. Apesar dos resultados alcançados, eles alertaram para o perigo de abandonar outras vias de produção de células-tronco.

“Pessoalmente, não acho que seja uma boa idéia abandonar as pesquisas em células-tronco embrionárias. Isto é só o início e devemos entender bem a semelhança destas células com as embrionárias”, disse Yu ao apresentar seu trabalho.

E Thomson foi igualmente categórico. “Não gosto da idéia de encerrar as pesquisas sobre células-tronco embrionárias. Acho que as duas linhas devem competir no universo científico e pouco a pouco os cientistas, de forma natural, decidirão por uma ou outra”, opinou.

Cautela

O presidente da Sociedade Internacional de Bioética (Sibi), o médico espanhol Marcelo Palacios, se mostrou também muito cauteloso. Ele observou que o uso clínico das descobertas ainda está muito distante e é preciso eliminar riscos. “Numa linha celular foram encontrados restos de retrovírus, e em outra, um oncogene [gene que transforma uma célula sadia em cancerosa]”, apontou.

Para Palacios, é positivo que os críticos da clonagem terapêutica vejam “satisfeitas suas reservas éticas” com o caminho aberto em Kyoto e Wisconsin. Mas a pesquisa com células embrionárias não vai parar.

A Igreja Católica, porém, defende a pesquisa apenas com células-tronco adultas. Ela considera a destruição de embriões humanos um “grave transtorno moral” que significa “suprimir deliberadamente um ser humano inocente”.

Já em 2003 o Vaticano advertia que “ninguém pode fazer jamais o mal para conseguir um bem” e alertava para um novo perigo: a partenogênese [reprodução a partir de óvulos não fecundados] e a criação de embriões quiméricos, misturando humanos e animais por meio de técnicas de transferência nuclear.

A possibilidade, assim como a eventual criação de seres humanos clonados ou robotizados, tem sido usada para denunciar toda pesquisa com embriões humanos. No entanto, Palacios acredita que os alertas estão mais relacionados com a literatura do que com a realidade.

“Uma pesquisa deste tipo não é coisa de um Frankenstein, de um cientista louco em seu laboratório. São necessárias grandes equipes, com dotação adequada, respeito aos direitos de patentes. Não é possível desenvolver experimentos com uma lâmpada de 40 watts e numa taberna”, brincou.

Fonte: JC Online e Folha Online

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