Por anos, o grão-aiatolá Hossein Ali Montazeri criticou o líder supremo do Irã e argumentou que o país não era a democracia islâmica que alegava ser, mas suas palavras pareciam cair em vão. Agora, muitos iranianos, incluindo alguns ex-líderes do governo, estão escutando.

Montazeri despontou como líder espiritual da oposição, um adversário que o Estado não consegue silenciar ou prender por causa de suas credenciais religiosas e papel seminal na fundação da república.

Ele é amplamente considerado como o maior sábio religioso no Irã e a certa altura era esperado que ele se tornasse o líder supremo do país, antes de se desentender com o aiatolá Ruhollah Khomeini, o comandante da revolução de 1979 e líder supremo do Irã até sua morte, em 1989.

Agora, enquanto o governo iraniano reprime brutalmente os protestos iniciados após a eleição presidencial do Irã, em junho, Montazeri está usando a religião para atacar a legitimidade do governo.

“Nós temos muitos intelectuais que criticam o regime do ponto de vista democrático”, disse Mehdi Khaliji, um ex-seminarista em Qom e atualmente membro do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo. “Ele critica o regime puramente do ponto de vista religioso, e isso dói muito. O regime gosta de dizer, ‘Se não sou democrático o bastante, não importa, pois ao menos sou islâmico'”, afirmou. “Ele diz que aquele não é um governo islâmico.”

Atualmente octogenário, frágil e doente, Montazeri permanece em sua casa em Qom, o centro do aprendizado religioso no Irã, emitindo um edital religioso politicamente carregado atrás do outro, ajudando a manter vivo um movimento de oposição hesitante. O homem a quem Khomeini já chamou de “o fruto da minha vida” condena o Estado que ajudou a criar.

“Um sistema político baseado na força, opressão, na mudança dos votos das pessoas, em mortes, prisões e uso de tortura stalinista e medieval, que cria repressão, censura a jornais, interrupção dos meios de comunicação de massa, que prende a elite esclarecida da sociedade por falsos motivos e a força a fazer falsas confissões na prisão, é condenável e ilegítimo”, disse em uma enxurrada de comentários por escrito postados em seu site e nos sites da oposição desde a eleição.

Enquanto o atual líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, não possui nenhuma credencial religiosa especial, Montazeri é um marja, ou fonte de emulação, a mais alta posição que um clérigo pode atingir no Islã xiita. Não apenas isso, ele é o arquiteto da Velayat-e Faqih, ou guardiania do jurista, as fundações da teocracia do Irã e a fonte da legitimidade do líder supremo. De fato, quando Khamenei era um estudante, Montazeri foi um de seus professores.

“Ele é capaz de remover a legitimidade de Khamenei mais do que qualquer outra pessoa na Terra”, disse Khaliji.

Alguns especialistas em Irã argumentam que o envolvimento de Montazeri na política minou sua credibilidade religiosa, e que ele não possui um número tão grande de seguidores quanto outros aiatolás. Mas há evidência, dizem outros especialistas em Irã, que o recente conflito aumentou sua popularidade entre uma geração mais jovem que sabia pouco sobre ele, e que seus editais religiosos têm repercussão junto às massas piedosas do país.

Apesar das prisões de milhares de manifestantes e reformistas, muitos dos quais se queixando de tortura e até mesmo estupro, o governo fracassou em silenciar a oposição, liderada principalmente por clérigos que construíram a República Islâmica em seus primórdios: um ex-primeiro-ministro e candidato presidencial, Mir Hossein Mousavi; um ex-presidente do Parlamento e candidato presidencial, Mehdi Karroubi; e um ex-presidente, Mohammad Khatami.

Esses homens agora adotaram posições que Montazeri defende há anos, a de que, mesmo em um Estado religioso, a legitimidade vem do povo. “O governo não conseguirá legitimidade sem o apoio da população, e como condição necessária e obrigatória para a legitimidade do governante é a sua popularidade e a satisfação da população com ele”, disse no mês passado, em resposta a perguntas enviadas pela “BBC” para ele.

Nos primeiros anos da revolução, Montazeri não atraiu um grande número de seguidores, em parte porque era franco. Ele zombava da elite e da classe média.

Apesar do conhecimento religioso de Montazeri, ele tinha uma imagem de caipira rude. Em uma piada que circulava após a revolução, ele visitava uma escola de medicina onde os estudantes estudavam para se tornarem pediatras. Montazeri, segundo a piada, disse que se eles estudassem com afinco, poderiam se tornar médicos para adultos.

Ele foi abraçado por Khomeini porque promovia o conceito da Velayat-e Faqih, que pedia para que um líder religioso reinasse supremo acima do governo. O conceito acabou sendo gravado nas fundações da República Islâmica. Mas Montazeri também dizia repetidamente que o faqih, ou líder, deveria servir como um consultor, não como o árbitro final de todos os assuntos do Estado e da religião.

A desilusão de Montazeri e sua alienação do Estado ocorreram após uma década de revolução. Ele zombava de decisão de Khomeini de emitir uma fatwa pedindo o assassinato de Salman Rushdie, autor de “Os Versos Satânicos”, dizendo: “As pessoas no mundo ficam com a ideia de os negócios no Irã envolvem apenas assassinar pessoas”.

O rompimento com Khomeini se tornou irreparável em janeiro de 1988, quando Montazeri fez objeção a uma onda de execuções de presos políticos e desafiou a liderança a exportar a revolução pelo exemplo, não pela violência.

“Ele não estava disposto a vender sua alma para permanecer no poder”, disse Muhammad Sahimi, um professor da Universidade do Sul da Califórnia. No mês seguinte, Khomeini criticou Montazeri em uma carta e então o forçou a renunciar do cargo de seu vice e aparente sucessor.

Ele voltou para casa para Qom, onde permaneceu relativamente quieto até a ascensão do movimento reformista, que abraçou. Em 1997, Khamenei o colocou sob prisão domiciliar, que foi suspensa em 2003 sob crescente pressão política.

“Não há mais ninguém na atual liderança do Movimento Verde que correu mais risco, tão publicamente, tão cedo e de forma tão consistente quanto ele, e que tenha perdido tanto”, afirmou Abbas Milani, um professor de estudos iranianos na Universidade de Stanford, que na juventude dividiu uma cela com Montazeri durante o regime do xá.

Recentemente, Montazeri tem mantido a pressão, até mesmo agindo de forma sem precedente ao pedir desculpas pelo seu apoio à tomada da embaixada norte-americana, em 1979.

“Independência”, ele disse em um recente discurso sobre ética, “é ser livre de intervenção estrangeira, e liberdade é dar ao povo a liberdade de expressar suas opiniões. Não ser colocado na prisão por cada protesto proferido”.

Fonte: The New York Times

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