Dizendo o que não quero dizer

Quando, há muitos anos, li a primeira vez Jeremias dizendo que não queria dizer o que dizia, e que suportava o peso de sua própria mensagem, pois, se dependesse dele, o que gostaria de dizer seria apenas o que ele mesmo cria e sonhava como bem (porém, diz ele, não podia não dizer o que ele mesmo não queria falar) — sinceramente não compreendi.

Eu era recém convertido à consciência do Evangelho, e, para mim, naquele fogo do encontro com o inusitado e até insólito, me parecia que o profeta estava pessimista demais, e que pior do que o que ele profetizava como mal, era ele não enxergar o privilégio de profetizar, fosse o que fosse, pois era algo “da parte do Senhor”.

Mas eu ainda era muito jovem.

Depois daquilo, muitos anos e experiências; muitas circunstâncias e muitos fenômenos; muitos adversários, forças, e interesses — e, sobretudo, a força do Evangelho em minha consciência e a certeza de que Deus punha certas pulsões incontroláveis em meu coração, sempre e apenas relacionadas a não suportar ver, ouvir e ler a perversão da Palavra da Boa Nova, me vi exatamente na mesma situação do profeta.

Por que tenho que clamar “calamidade, calamidade, calamidade”?

Por que Tu não tiras de mim este peso insuportável?

Por que tenho que estar sempre não suportando calar ante a perversão de Tua Palavra?

Sim, porque tem gente que acha que gosto de dizer o que muitas vezes digo. Coisas que antes dizia como um “insider”, e que agora digo como um “outsider”.

Quando você fala “de dentro”, muitos não gostam de ouvir, mas toleram em razão de sua seriedade com Deus. Mas quando você fala “de fora”, então, as mesmas coisas, agora, parecem ser ataques, e até mesmo outras coisas; e não elas mesmas. Especialmente se junto com isto os que se opõem encontram o pretexto para não ouvir, mediante a tentativa diária de ressuscitar os seus (meus) pecados passados e mortos em Cristo; e isto a fim de poderem dizer uns para os outros que a Palavra de Deus não é Dele, mas apenas a de um ser caído, segundo própria maldade deles.

Escrevi outro dia aqui no site que já disse tudo o que tinha a dizer sobre “os evangélicos”. Infelizmente o que tenho dito durante os últimos 30 anos (no inicio como um insider, e depois como um outsider) — não é e nem foi algo que sonhei dizer. Na realidade, quando cri na Palavra, meu único sonho era pregar a Palavra aos “de fora”. Entretanto, depois de cinco anos, já me via carregando o peso de declarações que me pareciam ser inevitáveis — relacionadas aos “de dentro”.

Assim, enquanto gritava pra fora, clamava pra dentro. Milhares e milhares, do lado de fora, creram em Jesus, e estão vivos hoje, em todo o país, e podem declarar que falo a verdade. São multidões de testemunhas as que tenho em Cristo. Também há milhares de pastores que podem dizer o que a Graça de Deus fez em suas vidas mediante o Evangelho de Deus que foi a eles pregado por mim.

Mas foram inúmeras as vezes em que fui tomado por inquietações tão intensas que me consumiam o ser. Era a angustia de ver que todo aquele trabalho seria em vão, isso no que concernia a ver a “igreja” se converter em Igreja, em palavras e obras — o que não acontecia e nem aconteceu até agora.

De 1983 em diante, quase sempre que falava, clamava: “Calamidade!” — e me doía faze-lo.

Hoje, depois de tanta coisa, continuo sofrendo das mesmas inquietações. Algumas ficaram até bem mais intensas. E como não sou mais jovem e nem forte como já fui; e como me cansei física e emocionalmente, conhecendo muitas formas de dor; e como não possuo mais as antigas ilusões — clamo como posso, e com os meios que tenho, ainda que no início desta nova etapa da jornada estivesse quase que completamente só, o que hoje, pela Graça de Deus, não é mais fato.

Entretanto, há aqueles que julgam que o que digo, o digo com amargura. Não podiam estar mais enganados. Sim, porque quando o faço, o faço exclusivamente porque creio no Evangelho; e, sendo assim, não me é possível ficar calado diante do seu estelionato.

Cada um carrega diante de Deus seu próprio fardo e privilégio. Sim, leva o privilégio do fardo e o fardo do privilégio inerentes ao chamado.

Mas como dizia no início, não gosto que seja assim. Portanto, sendo este um veículo estável e acessível a todos (o site) — julgo que minha contribuição está dada. Afinal, qualquer um que deseje pode simplesmente entrar aqui no site com toda vontade e ler tudo o que nele postei nos últimos quatro anos; e que forma um acervo de informação histórica esclarecedora.

Portanto, que ninguém me pergunte mais o que acho da “igreja evangélica”, conforme ela se tornou; e nem tampouco me pergunte mais o que acho de fulano, beltrano; ou coisa que o valha; pois, o que tinha a dizer, já disse, e aqui no site está disponível a quem se interessar.

E por que estou fazendo assim?

É que sinto que estou livre dessa responsabilidade. Quem teve ouvidos, ouviu. Quem teve olhos, viu. Quem teve coração, sentiu. E quem ainda desejar ouvir, ver, e sentir, está tudo aqui, neste site, bem como em todo o material que produzi antes, incluindo meu livro “Confissões de Um Pastor”–e como é óbvio, isto apenas diz respeito a mim, posto que o Pai segue usando a quem quer para a obra que Ele designa.

Sei que até mesmo o que aqui digo, e como digo, é, em si, um agravo para as almas de muitos. Sim, porque me comparei a Jeremias, o que, para eles, é uma blasafemia; pois, Jeremias, e os demais homens da Bíblia, são por tais pessoas vistos como seres de outra natureza ou dimensão. O que, de acordo com Tiago, é estultícia, posto que Elias era semelhante a nós; e, portanto, semelhante a mim, assim ele como Jeremias e todos os demais. Cada um, todavia, fale conforme a fé que lhe foi dada, e de acordo com a convicção que o Espírito de Deus lhe concedeu. Afinal, tudo provém de Deus. Pois tudo vem de Sua Graça. Ou não está escrito que não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus de misericórdia para conosco?

Assim, quem se queixar de minha vida e dos dons que exerço, queixe-se a Deus por mos haver dado. Pois, eu sei que tudo vem Dele, e que qualquer coisa boa que em mim tenha operado e opere, é misericórdia Dele sobre mim.

Ou quem tem qualquer coisa que não lhe tenha sido dada pela Graça?

Me sinto liberado de muitas coisas. Quero apenas viver para o que for essencial. E tenho muito a buscar ser, e, ainda, se essa for a vontade de Deus para a minha vida na Terra, também muitas coisas a fazer. Sobretudo, preciso poupar minhas energias para pregar para os que desejarem crescer na Graça e no Conhecimento de Cristo Jesus. Ao invés de gastá-las com estultos. Eles têm a Palavra na Escritura, e têm muitos testemunhos, de Deus e de homens — a fim de se converterem no entendimento.

Portanto, escrevam-me sobre qualquer necessidade humana, qualquer dúvida, de qualquer natureza, exceto questões sobre personagens evangélicos. Deus cuida de todos.

Significa dizer que se Deus me falar nada direi?

De modo nenhum. O que digo é apenas que me sinto livre para nada falar, e isto apenas quando o que viesse a dizer fosse algo sacado do banco de minhas memórias ou informações. Se ainda disser qualquer coisa não será porque tenho o que dizer, mas porque não pude evitar uma ordem interior.

E que o Pai nos abra a todos o entendimento de Sua Palavra e de Sua Vontade já revelada no Evangelho; e que com o entendimento Ele também nos conceda Decisão Interior, a fim de que a Palavra não se torne vã em nossa vida.

Nele, que nos fala e usa,

Caio

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