Os religiosos e a pregação em veículos públicos

Em entrevista concedida ao Jornal “O Dia”, “O advogado especialista em Direito Religioso e assessor de igrejas evangélicas, Gilberto Garcia, disse que a decisão da Justiça fere artigos da Constituição Federal, como o que diz que o Estado é laico, ou seja, não tem religião, o que garante a todos o livre exercício da fé.

“Proibir este tipo de manifestação é cerceamento religioso, porque o trem é um ambiente de uso público. Também me incomoda quando um time de futebol ou uma escola se samba ganham algum campeonato e as pessoas voltam gritando nos trens, mas nem por isso posso impedi-los, assim como tenho o direito de pregar minha fé. O que não pode é ofender as outras pessoas”, disse Garcia. (…)”.

A assessoria da SuperVia informou que já vem colocando os cartazes informativos sobre barulho nos trens desde 2009, mas por que só agora a proibição se tornou oficial?

Esse processo foi movido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, segundo o promotor, em função de inúmeras denúncias de usuários dos trens da Supervia que reclamam não só a intranquilidade provocada durante as viagens, impedindo o sossego ou o descanso dos passageiros, mais principalmente do incomodo do denominado “evangelismo agressivo” dos pregadores religiosos, numa dificuldade de convivência com os diferentes credos.

Entretanto, também segundo os Promotores de Justiça/RJ, apesar da Decisão Judicial determinando a cessação das pregações, desde 2009, passageiros descontentes permanecem apontando queixas de desrespeito por parte dos evangélicos, agindo estes dentro dos vagões, geralmente lotados, em horários de “rush”, “forçando” todos a ouvi-los diante das desconfortáveis condições das viagens.

Por isso, a Promotoria alegar que a Decisão Judicial não vinha sendo fiscalizada, e consequentemente descumprida pelos pregadores, pois já era oficial, sendo agora, reiterada, seja pela fixação dos avisos de proibição, seja por uma efetiva fiscalização, seja pela majoração do valor da multa a empresa de trens urbanos carioca, inclusive, incentivando, desta forma, a denunciação por parte dos usuários, tendo em função disto reaparecido na mídia nacional.

Sabendo que “o direito de um termina onde começa o do outro”, qual foi o fator primordial para essa proibição? A mesma se aplica a qualquer manifestação religiosa?

A principal alegação do processo é que em razão de ser um espaço físico limitado, destinado exclusivamente ao transporte de pessoas, o trem seria um local inadequado para as pregações das mensagens religiosas diante da impossibilidade os ouvintes terem a opção de não ouvi-las se não quisessem ou tivessem uma opção religiosa diferenciada; na medida em que, no Rio de Janeiro, tanto nas barcas como no metrô são proibidas todas e quaisquer manifestações num tratamento igualitário, sem discriminação aos cidadãos.

Um dos pontos fundamentais que motivaram da Ação Judicial, segundo os representantes do Ministério Público Estadual/RJ, foi exatamente a alegação de afronta à liberdade religiosa dos passageiros que, segundo a promotoria, eram obrigados a ficar expostos a ouvir uma mensagem religiosa, num “proselitismo invasivo”, de uma determinada crença, à qual não tem interesse pessoal, especialmente em função do local desapropriado, que é um vagão de trem.

Destaque-se que na Decisão Judicial, em 1ª instância, foi determinada especificamente a proibição da atuação de pregadores evangélicos, e após, em 2ª instância, esta foi ampliada, com a proibição sendo aplicada a todo tipo de manifestação espiritual nos trens, de todas as confissões religiosas, seja de budistas, católicos, candomblecistas, evangélicos, judeus, matriz africana, mulçumanos, orientais, umbandistas etc, com a colocação de advertências aos usuários, sob pena de expulsão dos vagões pelos seguranças da Supervia.

E o que acha quanto aos ambulantes que também promovem barulho e alguns até mesmo colocam músicas para tocar em volume alto nos vagões?

Esta é uma das grandes questões que necessitam ser enfatizadas, eis que, todos nós somos diariamente submetidos a situações de incômodos ou pequenos constrangimentos, que o próprio Judiciário tem denominado de “aborrecimentos da vida moderna”, os quais não concedem direitos de reivindicação, seja do outro cessar o que esta fazendo, seja de indenização pecuniária, por algum tipo de atuação ou posicionamento pessoal que não seja ofensiva, discriminatória, não faça apologia da prática de atos ilícitos etc.

É de se destacar que o trem é um espaço privado, considerado público no momento de sua utilização, sendo, portanto, um local aberto livremente a todos as espécies de manifestação, inclusive dos religiosos, dos torcedores dos times de futebol, dos artistas, dos musicistas, dos sambistas, dos ambulantes, dos ouvintes do funk, do rock, do jogo do carteado, das discussões acaloradas entre casais, das conversas comunitárias em tom alto no celular etc, no famoso “empurra-empurra” na disputa de espaços para ficar em pé, e os usuários são “obrigados” a conviver com todos estes durante o período de viagem.

Assim esta Decisão Judicial fruto da iniciativa do Ministério Público Estatual/RJ, efetivamente caracteriza um cerceamento ao direito constitucional de liberdade de expressão, especialmente por ser num espaço considerado público, sendo verdadeiramente uma afronta à liberdade religiosa dos cidadãos brasileiros, sendo discriminatória para com os que professam a religião evangélica, pois são os que se utilizam da evangelização propositiva como estratégia de propagação de sua fé, pelo que, é vital a provocação ao Supremo Tribunal Federal para que restabeleça o direito constitucional a livre expressão de crença pelos cidadãos em qualquer espaço privado ou público de nosso país.

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Gilberto Garcia
DIREITO NOSSO: Gilberto Garcia é Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito, Especialista em Direito Religioso. Presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB/Nacional (Instituto dos Advogados Brasileiros), Membro da Comissão Especial de Advogados Cristãos, OAB/RJ, Integrante da Comissão de Juristas Inter-religiosos pelo 'Diálogo e pela Paz', Instituída pela Arquidiocese Católica do Rio de Janeiro, e, Membro Titular da Academia Evangélica de Letras do Brasil - AELB. Autor dos Livros: “O Novo Código Civil e as Igrejas” e “O Direito Nosso de Cada Dia”, Editora Vida, e, “Novo Direito Associativo”, Editora Método/Grupo GEN, e Coautor nas Obras Coletivas: “In Solidum - Revista da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas da UNIG”, Ed. Gráfica Universitária/RJ; bem como, “Questões Controvertidas - Parte Geral Código Civil”, Grupo GEN, e, “Direito e Cristianismo”, Volumes 1 e 2, Editora Betel, e, “Aprendendo Uma Nova Realidade: 2020 - O Ano em que o Mundo Parou!”, “Os Reflexos da Covid-19 no Meio Cristão-Evangélico Brasileiro”, “O Que Pensam os Líderes Batistas?”, “O Esperançar em Um Pais Repleto de Pandemias”, “Princípios Batistas, Discurso Relativização, Coerência e Vivência”, e, “Igreja e Política - Um Hiato Dolorido”, "Antologia de Verão/2023", "Antologia de Outono/2023', Vital Publicações; e, ainda, “A Cidadania Religiosa num Estado Laico: a separação Igreja-Estado e o Exercício da fé”, IAB/Editora PoD, e, “Desafios do Exercício da Fé no Ordenamento Jurídico Nacional”, IAB/Editora Essenzia; além do DVD - “Implicações Tributárias das Igrejas”, CPAD/CGADB; Instagram:@prof.gilbertogarcia; Editor do Site: www.direitonosso.com.br
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