Segundo apurou a Folha de São Paulo, as igrejas são os principais clientes desse mercado ilegal.

No rastro das licitações de venda de concessões de rádio e TV surgiu um mercado ilegal de emissoras que o governo, reconhecidamente, não reprime.

Concessões recém-aprovadas pelo governo estão à venda abertamente em sites especializados na internet, contrariando a lei.

A legislação só permite a transferência de controle de emissoras depois de cinco anos em funcionamento, e ainda assim com autorização do governo e do Congresso, que aprova cada concessão.

Antes do prazo, só é permitida a transferência de 50% das cotas. Mas as concessões mudam de mãos por contratos de gaveta.

O secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Genildo Lins de Albuquerque Neto, reconhece que não tem meios para coibir o comércio ilegal.

Segundo ele, os contratos de gaveta devem ser investigados por Polícia Federal e Ministério Público, assim como o uso de laranjas para a compra de concessões.

Como a Folha revelou ontem, os laranjas são usados para camuflar os reais donos de veículos de comunicação -em geral especuladores, políticos e igrejas.

[b]APARÊNCIA LEGAL
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A Folha apurou que igrejas são os principais clientes desse mercado. Elas adquirem principalmente rádios em sites que trazem links do Ministério das Comunicações e da Anatel para dar aparência de legalidade.

O site Radiodifusão & Negócios, por exemplo, anuncia a venda de uma rádio FM “por montar” em São Paulo por R$ 4,8 milhões.

Emissoras educativas e retransmissoras de TV, distribuídas gratuitamente, também estão à venda em outros sites e por corretores autônomos. Os preços variam de acordo com o local.

A venda é feita por meio de um contrato de transferência imediata de 50% do capital da empresa, e de direito de opção sobre os 50% restantes. Assim, o vendedor não pode recuar do compromisso com o comprador.

Simultaneamente, o comprador recebe uma procuração que lhe dá poderes para responder pela empresa junto ao Ministério das Comunicações e à Anatel.

Sem se identificar, a reportagem conversou com um vendedor, pelo celular, sobre o aluguel de rádios a igrejas.

“O contrato é assinado com pagamento adiantado de dois meses de aluguel. A igreja fica com o comando total da rádio. É assim que funciona”, disse o corretor.

A Folha não conseguiu localizar os responsáveis pela página na internet.

[b]Ministério deve ampliar controle, cobra deputado [/b]

Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) afirmou que o Ministério das Comunicações precisa de um “aperfeiçoamento burocrático” para evitar que laranjas apareçam como proprietários de rádio e TV.

“O ministério tem dificuldade [em constatar a prática], mas os instrumentos de aperfeiçoamento burocrático precisam se dar dentro da pasta. No Congresso, [a aprovação] é mais uma chancela política”, disse.

A comissão convidou o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) para audiência pública no início de abril. O objetivo é discutir a legislação do setor e possíveis mudanças na área.

Bernardo defende que políticos sejam proibidos de ter concessão de rádio e TV.

[b]País precisa repensar com urgência a radiodifusão[/b]

VENÍCIO A. DE LIMA , 65, é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações -História, Poder e Direitos (ed. Paulus).

Decretos de 1995 e 1996, estenderam para as concessões de radiodifusão as licitações válidas para a prestação de outros serviços públicos. Acreditava-se que teria fim a utilização das concessões de rádio e TV como moeda de barganha política.

Logo se viu, todavia, que pelo menos duas “brechas” legais permitiriam a continuidade do “coronelismo eletrônico”: as outorgas de radiodifusão educativa e as chamadas “retransmissoras mistas” de rádio e TV estavam dispensadas de licitação. Além disso, uma lei de 1998 também excluiu a radiodifusão comunitária.

Catorze anos depois que as primeiras licitações foram realizadas, a avaliação que se pode fazer é, no mínimo, constrangedora.

Em artigo recente no Observatório da Imprensa, o consultor legislativo Cristiano Lopes mostrou que mais de 93% das licitações concluídas desde 1997 foram vencidas pela empresa que apresentou a melhor oferta.

Os critérios técnicos -tempo destinado na programação a conteúdos jornalísticos, educativos e culturais; e programas produzidos na própria área de prestação do serviço- são sempre incluídos nas propostas.

Mais de 90% das propostas técnicas apresentadas obtiveram nota máxima. Na maior parte das licitações os concorrentes empatam na avaliação técnica e é apenas a proposta de preço que define o vencedor.

Como inexiste a fiscalização do Estado no que se refere ao cumprimento daquilo que é proposto, as empresas vencedoras simplesmente não cumprem a proposta.

A reportagem de ontem da Folha revela agora um outro lado do total fracasso das licitações: não há nenhum controle do Estado em relação a quem de fato se candidata, vence ou coloca em operação uma emissora de rádio e televisão.

A reportagem levanta três hipóteses para explicar o uso de laranjas: lavagem de dinheiro; evitar acusações de exploração política e burlar a regra que impede igrejas de serem concessionárias.

Qualquer delas constitui ilícito e deveria ser objeto de investigação. Ou não?

Confirma-se a necessidade urgente de que a radiodifusão seja repensada e o Estado proponha, finalmente, um marco regulatório para o setor de comunicações.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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