As razões para a descrença em Deus são muito mais complexas do que as razões legais e racionais que os ateus tentam demonstrar.

A recente publicação do livro do gênio da física Stephen Hawking em coautoria com Leonard Mlodinow Uma nova história do tempo (Ediouro) reiniciou o recorrente debate acerca da existência de Deus. Ao sugerir que o cosmos pode ter sido originado espontaneamente, “do nada” – contrariando parte do que disse em seu bestseller anterior, Uma breve história do tempo, em que admitiu a possibilidade física da Criação –, o cientista britânico deu vigor ao neoateímo, movimento que cresce em todo o mundo e tem um de seus epicentros justamente no Reino Unido. Ateus e agnósticos celebram a obra como fonte de novos argumentos para dispensar as crenças religiosas acerca do tema origens e decretar, à semelhança do que o filósofo alemão Nietzsche fez no século 19, a morte de Deus. Ou, mais modernamente, como o pensador americano Thomas Nagel, que disse esperar que ele não exista. “Eu quero que o ateísmo seja verdade. Não quero que exista Deus, não quero que o universo seja assim.”

A atitude de Nagel, ainda que sutil de alguma maneira, não pode ser considerada comum entre os ateus. A maioria dos céticos demonstra ter chegado a este ponto de vista através de questionamentos legais e racionais. Mas, será que existem outros fatores envolvidos? Cristãos defensores da fé têm respondido aos argumentos dos novos ateus – que geralmente só refazem objeções tradicionais – com argumentos próprios. Como já é de costume, não falam muito sobre as causas irracionais para a descrença. Mas, como seres humanos, não somos feitos apenas de razão; temos também emoções, desejos, livre arbítrio – e tudo isso tem sua influência sobre o conjunto de crenças de todo ser humano. Por mais importante que seja relembrar aos ateus das evidências racionais para a existência de Deus, o problema real em muitos casos tem natureza moral e psicológica.

Esta sugestão é potencialmente ofensiva para os descrentes; mas, ainda precisamos nos perguntar se é verdadeira. De acordo com as Escrituras, a evidências para a existência de Deus são irresistíveis. O apóstolo Paulo diz que o que se pode conhecer de Deus é manifesto. Segundo ele diz em sua Epístola aos Romanos, 1.19-20, os atributos divinos, conquanto invisíveis fisicamente, podem ser claramente compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que aquele que não crê é indesculpável. Já o salmista descreve, com lirismo: “Os céus declaram a glória de Deus; e o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19.1). Isso naturalmente leva ao questionamento de que, se as evidências da existência de Deus são tão abundantes, por que existem ateus? Novamente, Paulo fornece parte da resposta no mesmo texto da carta à Igreja em Roma, observando que algumas pessoas “suprimem a verdade pela injustiça.”

A verdade é que todos nós sofremos de espaços de cegueira intelectual criados por nossos vícios pessoais e desejos imorais. Dependendo da dimensão à qual sucumbimos a tal estado, somos tentados a adotar perspectivas que nos fazem racionalizar um comportamento perverso. Quanto a isso, estudiosos não são diferentes de outras pessoas. O filósofo e educador novaiorquino Mortimer Adler (1902-2001) confessou rejeitar um compromisso religioso durante a maior parte de sua vida, pois acreditava que tal confissão interferiria demais no seu jeito de viver, nas escolhas do dia a dia e nos seus objetivos. “A simples verdade desta questão é que eu não queria viver para ser uma pessoa genuinamente crente”, escreveu. Tanto, que preferiu ser batizado anonimamente, aos 81 anos de idade.

CRENÇA E COMPORTAMENTO

O historiador Paul Johnson, em seu fascinante e perturbador livro Intelectuais, expôs este padrão de vida em célebres pensadores do período moderno, como Rousseau, Shelley, Marx, Ibsen, Hemingway, Russell e Sartre. Em suas vidas privadas (e muitas vezes públicas), estes gênios intelectuais do Ocidente eram moralmente arruinados. Será que sua rejeição a Deus – e, em particular, ao cristianismo, com seus padrões morais – era totalmente intelectual e imparcial? Ou será que os mesmos desejos confessados por Nagel e Adler tinha parte em seu ateísmo?

Como filhos do Iluminismo, temos a tendência de dar forte ênfase ao impacto da crença no comportamento humano. Contudo, ocorre o contrário – nossa conduta afeta a maneira como pensamos. De um lado positivo, a sabedoria das Escrituras nos diz que a humildade e a obediência nos dirigem para a compreensão e o discernimento; numa abordagem negativa, basta dizer que, quando cedemos ao comportamento imoral, nosso julgamento é distorcido. Ou, conforme Paulo descreve, a desobediência endurece o coração, que abre caminho para pensamentos fúteis, escurecimento da compreensão e ignorância (Efésios 4.18-19). Em outras palavras, o pecado tem consequências cognitivas.

O filósofo Alvin Plantinga, da Universidade de Notre Dame, desenvolveu tal ideia em profundidade. Ele observa que, como todas as outras coisas da vida, nossas faculdades mentais na formação das crenças foram desenhadas para funcionar de uma maneira. E, nas condições apropriadas, a tendência é formarmos crenças verdadeiras acerca do que percebemos ou raciocinamos. Mas algumas coisas podem impedir o funcionamento cognitivo – e o pecado é uma dessas coisas. Quanto mais desobedecemos e nos entregamos aos nossos vícios, menos confiável será nossa formação de crença no que diz respeito a questões morais e espirituais.

Apoiando-se em grandes teólogos cristãos como Tomás de Aquino e João Calvino, Plantinga propõe que todos os seres humanos têm o chamado sensus divinitatis, uma percepção inata do divino. Semelhante consciência natural de Deus nos leva a refletir nele conforme experimentamos a vida. Mas o sensus divinitatis, diz Plantinga, pode ser “corrompido e ferido pelo pecado”, ao ponto de levar o ser humano a negar a existência de Deus. De acordo com esse modelo, os ateus sofreriam de uma forma de disfunção cognitiva ou enfermidade. Assim, fatores externos poderiam influenciar nossa consciência natural de Deus, contribuindo para uma caminhada em direção ao ateísmo.
Em seu livro A fé dos órfãos: A psicologia do ateísmo, título em tradução livre, Paul Vitz, da Universidade de Nova Iorque – ele mesmo, um ex-ateu – examina a vida da maior parte dos ateus do modernos, incluindo ícones como Hobbes,Hume, Voltaire, Feuerbach, Nietzsche, Sartre, Camus e Freud. Ele observou que todos eles tinham algo em comum: uma relação distante e conturbada com seu pai. Por diversos fatores, como morte, abandono, abuso ou outros, a relação daqueles conhecidos ateus com seus pais foi imperfeita.

Por outro lado, Vitz também examinou a vida de teístas proeminentes durante o mesmo período: Pascal, Reid, Berkeley, Wilberforce, Kierkegaard, Schleiermacher, Newman, Chesterton e Bonhoeffer, entre outros. Em cada caso, encontrou biografias que registravam bons relacionamentos com os pais, ou, ao menos, uma figura forte de pai. Naturalmente, a vida é muito complexa para colocar uma regra rápida e imutável sobre tais questões; mas, ao menos, essa realidade histórica demonstra que existem dimensões morais e psicológicas no ateísmo, instâncias que não podem ser ignoradas. Ao menos isso sugere que ateus podem ser desmotivados a descrer em Deus. O evolucionista Richard Dawkins britânico (autor de Deus, um delírio, lançado no Brasil pela Companhia das Letras), é famoso por declarar que os teístas são iludidos. Mas se Adler, Plantinga e o apóstolo Paulo estão certos, então o ateu Dawkins necessariamente está equivocado.

Como cristão, geralmente sou questionado sobre as implicações da defesa da fé para os ateus. Minha resposta é que precisamos analisar caso a caso. Converso com muitos ateus para os quais se aplica o alerta de Jesus de não se atirar pérolas aos porcos. Mas sei que outros estão interessados em um diálogo genuíno, ainda que sejam dogmáticos em sua descrença. Para estes, estou sempre disposto a conversar sobre suas evidências racionais. Em muitos casos, os ateus se convertem após rever as boas razões para a fé. Antony Flew, estudioso e líder ateu por meio século, tornou-se cristão após evidências que considerou indiscutíveis. E alguns cristãos apologistas, como Lee Strobel e C.S.Lewis, foram ateus anteriormente. O que não se sabe é como e quando o Espírito Santo pode se mover na vida de alguém, iluminando sua mente uma vez obscurecida por um coração endurecido e concedendo a fé a alguém que genuinamente espera que Deus não exista.

[b]Fonte: Cristianismo Hoje[/b]

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