No momento em que cristãos no mundo se preparam para comemorar a Ressurreição de Jesus, é surpreendente constatar que três estudiosos, conhecidos pela atenção dada à tradição teológica e às fontes bíblicas, concordam que a idéia da ressurreição é muito mal compreendida por um grande número de pessoas.

É mal compreendida não apenas por aqueles cujas sensibilidades contemporâneas os restringem a afirmar apenas que a ressurreição simboliza uma espécie de vitória vaga (e provavelmente temporária) da vida sobre a morte. Mas também por muitos crentes devotos que se consideram extremamente fiéis aos ensinamentos religiosos tradicionais.

Kevin J. Madigan é um católico que leciona História Cristã na Divinity School da Universidade Harvard. Jon D. Levenson, um colega de Harvard, é um judeu que leciona Estudos Judaicos. Juntos eles escreveram o livro “Resurrection: The Power of God for Christians and Jews” (“Ressurreição: O Poder de Deus para Cristãos e Judeus”). O livro, que será publicado no mês que vem pela editora Yale University Press, argumenta que a idéia de que Deus trará os mortos à vida no fim dos tempos é central tanto para as tradições judaicas quanto cristãs.

N.T. Wright é um conhecido estudioso do Novo Testamento que produziu muitos trabalhos acadêmicos e populares, mesmo após ter saído da Universidade Oxford, em 2003, para tornar-se o bispo anglicano de Durham. No mês passado ele publicou o livro “Surprised by Hope: Rethinking Heaven, the Resurrection, and the Mission of the Church” (“Surpreendido pela Esperança: Repensando o Céu, a Ressurreição e a Missão da Igreja”), pela editora HarperOne.

Esses dois livros são diferentes no tom e no objetivo. Madigan e Levenson estão particularmente interessados em refutar a idéia de que a ressurreição é uma crença exclusivamente cristã, que não estaria profundamente enraizada no judaísmo, do qual Jesus emergiu. Wright redigiu um livro mais popular e pastoral, com propostas práticas para a renovação da igreja.

Os livros convergem no desafio a várias idéias generalizadas. Eles sustentam que a ressurreição não significa simplesmente ir para o céu para uma vida após a morte.

A ressurreição não é uma crença que separa um cristianismo de além-mundo do judaísmo mundano.

E tampouco é algo que se refere apenas – ou mesmo principalmente – à sobrevivência dos indivíduos após a morte.

Em vez disso, ambos os livros enfatizam que nos ensinamentos clássicos judaicos e cristãos o conceito refere-se à ressurreição coletiva de pessoas e à renovação de toda a criação no fim dos tempos.

A ressurreição estava vinculada à expectativa de julgamento e de um triunfo final da justiça. Foi esta a idéia de ressurreição que se desenvolveu quando os judeus retornaram do exílio e lutaram contra a dominação estrangeira no período anterior a Jesus. Foi essa idéia de ressurreição que os cristãos tinham em mente quando declararam que aquilo que ocorreu na Páscoa foram os “primeiros frutos” do que estava por vir.

Os autores insistem no aspecto corporal e comunal da ressurreição, uma visão que compete há muito tempo com um dualismo helenístico filosófico e especialmente platônico, segundo o qual um intelecto ou espírito individual desencarnado poderia ser salvo do seu corpo corruptível e corruptor. Até mesmo um grande sábio judeu como Maimonides parece ser tentado por essa direção, e Wright enxerga o legado desse dualismo no conjunto de imagens cristãs, de Dante aos hinos clássicos, nas quais almas destituídas de corpos encontram o seu destino final em uma região celeste.

Esse dualismo helenístico atingiu o seu apogeu no gnosticismo, que quase que invariavelmente afirmou a incompatibilidade entre espírito e matéria, e procurou a salvação na remoção do corpo material. Madigan, Levenson e Wright vêem as posições antignósticas dos fundadores da igreja e sábios rabínicos como uma defesa apropriada das crenças centrais das suas tradições e não, conforme se argumentou recentemente, como uma tática de política religiosa.

Ao contrário do gnosticismo, o judaísmo e o cristianismo, de maneiras diferentes, pregam o caráter positivo da criação e a natureza imperfeita dos seres humanos. Segundo a opinião desses autores, isso permite que ambas as tradições religiosas evitem a ilusão de que a humanidade é capaz de construir um mundo perfeito por conta própria, e ao mesmo tempo instilam nos seres humanos a confiança em que o bem que estes farão será finalmente reconhecido e completado pelo Deus da Ressurreição.

Ambos os livros baseiam-se em trabalhos anteriores dos seus autores. Em “Resurrection and the Restoration of Israel” (Ressurreição e a Restauração de Israel”), publicado pela editora Yale University Press em 2006, Levenson argumenta que a crença na ressurreição estaria bem mais profundamente enraizada nas escrituras hebraicas e tradições judaicas do que muitos judeus de hoje se dão conta.

Cinco anos atrás, Wright, cujas contribuições importantes para o debate acadêmico sobre o Jesus histórico enfatizaram o lugar ocupado por Jesus dentro das expectativas do judaísmo de uma restauração divina de Israel, publicou o livro “The Resurrection of the Son of God” (“A Ressurreição do Filho de Deus”) pela editora Fortress. Embora os dois livros enfatizem a ressurreição como a expressão final do poder divino, dando razão àqueles que têm fé nas promessas de Deus e na regeneração de toda a criação, nenhum deles mostra-se indiferente à questão do destino imediato dos mortos.

Madigan e Levenson não acreditam que as suas explicações sobre a ressurreição impliquem em “uma descrença na imortalidade de alguns aspectos do indivíduo ou na idéia de que os mortos íntegros mesmo agora desfrutem de uma abençoada comunhão com Deus”. E embora Wright possa mostrar-se bastante impaciente em relação a grande parte da discussão sobre “almas”, “imortalidade” e “céu” bastante inserida no ritual e na liturgia do cristianismo, ele não vê problemas quando o céu, no sentido de “destinação post-mortem”, é encarado como um “estágio temporário no caminho para a ressurreição final do corpo”.

Essa ressurreição final, diz ele, é menos uma “vida após a morte” do que “vida após a vida depois da morte”.

Fonte: The New York Times

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