Ação de “Três Histórias, Um Destino”, que superou média de público de novo 007 na estreia, pede para fiel orar por mudanças culturais no Brasil, diz jornal.

Os estúdios hollywoodianos gastam bilhões por ano à cata de novas formas de divulgação de suas produções.

Mas o primeiro longa da Graça Filmes, braço do império evangélico do missionário da Igreja da Graça de Deus R.R. Soares -que possui a Graça Editoral e Graça Music-, inventou uma nova ferramenta de marketing: a oração.

O drama “Três Histórias, Um Destino”, baseado no livro homônimo de Soares, estreou na semana passada apoiado por uma campanha chamada “1 + 2 = 150 mil vidas”, que pedia a cada fiel que chamasse dois amigos não cristãos para “levar a mensagem de salvação”.

Em três dias e em apenas 52 salas, o filme rendeu R$ 530 mil e logo deve se pagar: foi feito por US$ 1 milhão (R$ 2 milhões).

A média de espectadores no fim de semana de estreia foi de 1.070 pessoas por sala, batendo até os números do campeão de bilheteria “007 – Operação Skyfall”, que teve média de ocupação de 861 pessoas nas 366 salas em que está em cartaz.

A estratégia é similar à adotada por produções de cunho religioso, como a católica “A Paixão de Cristo” (2004) e a espírita “Nosso Lar” (2010). Ambas apelaram para a fé e foram divulgadas em igrejas e templos.

Mas nenhuma foi tão explícita na convocação de seguidores a ponto de estampar frases como “chegou nossa vez!” e “vamos impactar a nação”.

A ação vai além. Quem quiser participar precisa orar “pelos dirigentes de cinemas do país, para que as portas sejam abertas”.

[b]OFERTA E PROCURA
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“Os exibidores não queriam o filme”, explica à Folha R.R. Soares. “Diziam que não ia levar ninguém às salas por ser evangélico. Agora, já começaram a telefonar pedindo para ter o longa.”

Mais inflamadas, outras rezas incluídas no esforço de divulgação clamam “ao Pai por uma mudança cultural em nossa nação” e pedem “perdão ao Senhor por toda a iniquidade propagada através do cinema até hoje”.

“Acho que isso foi mal colocado. Estamos nos referindo à imoralidade e às mensagens que não edificam”, justifica Ygor Siqueira, diretor da Graça Filmes. “Há uma visão de que o cristão não vai ao cinema, mas não é verdade.”

Por temer preconceitos, a produtora tomou duas decisões. A primeira foi a de não pedir recursos em leis de incentivo. “O poder público ainda discrimina muito os evangélicos”, avalia Soares.

A segunda foi levar o projeto para os EUA, onde a Uptone Pictures virou coprodutora. O longa foi rodado na Carolina do Norte -no “cinturão bíblico”, dominado por protestantes. “Pensamos em atingir o mercado mundial, e eles [os americanos] têm a distribuição mais aceita no mundo”, explica Siqueira.

A produção escalou atores americanos desconhecidos e um diretor de primeira viagem (Robert C. Treveiler).

O filme é cinematograficamente amador e descaradamente catequizador.

As três histórias de redenção (um pastor ganancioso, um casal sofrendo com uma tragédia e um menino que cai na marginalidade) receberam dublagem grosseira no Brasil e são vividas por tipos de feições uniformes -não há negros no elenco principal.

“Não foi intencional”, diz Michael Davis, da Uptone, brasileiro radicado nos EUA há 20 anos. “Os atores se encaixaram tão bem nos papéis que tínhamos certeza de que o público se identificaria.”

[b]Tática envolve pastores e salas perto de igrejas
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A maioria dos frequentadores das primeiras sessões de “Três Histórias, Um Destino” foi recrutada por pastores de diferentes igrejas evangélicas.

“Foram cinco meses de reuniões com líderes de igrejas. Mostramos o longa e pedimos para eles falarem sobre o primeiro fim de semana”, diz Ygor Siqueira, da Graça Filmes.

Além disso, as salas que exibem a produção foram escolhidas a dedo: estão em áreas de classe média que têm igrejas evangélicas. “Nos lugares mais distantes, realmente pensamos nas igrejas”, confirma Siqueira.

A fórmula parece funcionar. “O pastor Marlon nos falou para ver o filme. Agora vou fazer propaganda”, conta a cozinheira Antônia de Jesus Azevedo, que foi com uma amiga a uma sala na zona norte de São Paulo.

As duas frequentam a Igreja da Graça de Deus da Vila Nova Cachoeirinha, distante 2,5 km do cinema.

Já na sede da igreja, no centro, há exemplares da revista “Show da Fé” com o filme na capa, banners de divulgação com os dizeres “compre seu ingresso aqui” (a troca é feita no cinema) e panfletos com detalhes da ação evangélica. “Alguns líderes fecharam sessões ou compraram ingressos antecipadamente”, explica Siqueira.

Apesar de grupos de fiéis trocarem ingressos para o filme, como testemunhou a reportagem, as atendentes não receberam orientação para avisar o público do conteúdo religioso.

A decisão pode ser polêmica. Dois amigos, no mesmo UCI, ficaram indecisos entre ver “Atividade Paranormal 4” e “Três Histórias, Um Destino”.

A funcionária disse apenas que o segundo era um “drama”, esticando a palavra -como um alerta. A dupla optou pelo filme evangélico. Saiu com dez minutos de projeção. “Vou tentar ver o outro filme”, respondeu um deles, na pressa, sem querer identificar-se.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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