Encravada em paredões de rocha e um dos únicos lugares no mundo onde o aramaico – a língua de Cristo – permanece vivo, a vila síria de Maaloula viu as palavras guerra e caos se incorporarem ao seu cotidiano desde setembro, quando virou palco de disputa entre rebeldes e forças do regime de Bashar al-Assad.

A violência em uma das cidades mais cinematográficas da Síria e símbolo do cristianismo aumentou o temor dos fiéis pelo fim da religião no país, onde cerca de 10% da população é cristã. A dispersão dos moradores coloca em risco um idioma considerado pela Unesco ameaçado de extinção.

“A língua é falada em Maaloula. Não é escrita. O governo havia criado um programa em parceria com a Unesco para preservar o idioma por meio de aulas e estudos. Agora não sei o que vai acontecer”, lamentou a síria Najwa Safar Seif, residente no Brasil.

Os cristãos na Síria veem com preocupação o aumento da presença de extremistas islâmicos no front, em uma guerra que entrou em seu terceiro ano sem dar sinais de trégua. O jornalista libanês em Damasco, Wissam Abdallah, cujo avô vivia em Maaloula e se refugiou na capital síria, não sabe se a casa de sua família ainda pode ser chamada de lar. “A situação é um muito triste. A nossa casa pode ter sido queimada ou saqueada”, disse ele.

O medo está na radicalização de uma guerra que atinge famílias inteiras sem distinção. Os cristãos não temem cidadãos muçulmanos, mas extremistas de vários países que se uniram aos rebeldes na luta contra o governo. “Muçulmanos de aldeias vizinhas abriram as portas de suas casas para proteger cristãos que fugiram de Maaloula”, contou Abdallah, que trabalha para o jornal Alakhbar, do Líbano.

Segundo Najwa, há relatos de que três jovens cristãos foram assassinados durante a primeira invasão de insurgentes do Exército Livre da Síria e do grupo Frente al-Nursa – ligado à rede terrorista al-Qaeda – , em 5 de setembro. Após dias de combate contra as forças leais ao regime, os rebeldes tomaram o controle da cidade na segunda-feira (02/12), sequestrando 12 freiras do Mosteiro Ortodoxo Santa Takla.

“A cidade é cercada por rochas e possui apenas duas entradas. Uma delas estava bloqueada pelo Exército sírio. Um insurgente explodiu a barreira com um carro-bomba, e dezenas de militantes entraram na vila, atacando, saqueando e incendiando casas e igrejas”, disse Najwa.

Maaloula é parte de uma luta mais ampla entre rebeldes e forças do presidente para o controle da estratégica rodovia central da Síria. Situada a uma altitude de mais de 1.500 metros, se assemelha a Petra, na Jordânia, e significa “entrada” em aramaico.

Apesar do nome que leva na língua de Jesus, a aldeia virou porta de saída para os cristãos. Em Damasco, eles buscaram abrigo no bairro Bab Touma. Outros recorreram a parentes no Líbano. Em Maaloula, só ficaram muçulmanos.

Moeda de troca
O jornal do governo sírio “al-Watan” acusou os rebeldes de sequestro e de usar as religiosas como moeda de troca, o que foi negado pelo Exército Livre da Síria. O grupo assegurou que as freiras estão seguras e se encontram na cidade de Yabrood, a cerca de 80 quilômetros ao norte de Damasco, sob a guarda de membros da milícia, e não de extremistas.

O sequestro ganhou destaque na mídia internacional, levando o Papa Francisco a fazer um apelo pela libertação das freiras na última quarta-feira. O arcebispo Atallah Hanna, de Sebastia Ortodoxa, na Cisjordânia, condenou o sequestro no que ele chamou de um “ato desumano por motivo de ódio”.

[b]Fonte: O Globo[/b]

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