O Dia Universal da Declaração dos Direitos Humanos comemorado no dia 10 de dezembro emergiu no século passado e conseguiu estabelecer e codificar um amplo espectro de direitos políticos, econômicos e sociais, deixando a este século a tarefa de zelar por sua completa aplicação.

A linguagem dos direitos humanos passou a fazer parte da agenda política diária: os governos julgam-se mutuamente e os programas de fornecimento de ajuda levam em conta os comportamentos nesse campo; as Nações Unidas decidem arriscadas operações em seu nome e as organizações que fazem sua defesa se multiplicam em todo o mundo.

No entanto, basta um olhar aos jornais para se comprovar que há poucos motivos para ilusões sobre a possibilidade de o homem se mostrar algum dia mais humano com seus semelhantes.

Guerra, fossas comuns em Kosovo, repressão política brutal na Birmânia, selvagens guerras civis na Colômbia e na Argélia, escravidão de dezenas de milhões de crianças no mundo e a morte, ano após ano, por fome e doenças, de milhões de pessoas de todas as idades.

Segundo a Anistia Internacional, um em cada três governos empregam a tortura para silenciar a oposição política fazendo com que os direitos estabelecidos na Declaração Universal sejam mera promessa de papel.

Nessa situação, a Declaração poderia ser descrita como uma lista de boas intenções, sustentada por uma série de convênios, respaldada apenas por sanções morais e “carente de poder efetivo”.

A Declaração deu lugar a uma quantidade de protocolos, convenções, comitês e grupos de trabalho, “mas temos poucos mecanismos efetivos para proteger os direitos humanos”, segundo os analistas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi uma conseqüência direta dos horrores da Segunda Guerra Mundial e da era de ditadores que a precedeu.

Os pioneiros haviam se centrado na luta pela abolição da escravatura, pela mitigação dos sofrimentos da guerra e em defesa do voto feminino. O movimento sindical lutou, com êxito considerável, pelo reconhecimento dos direitos trabalhistas.

Com a divisão do mundo em dois blocos antagônicos durante a Guerra Fria, os direitos humanos foram sacrificados freqüentemente em território da “real-politik”.

No entanto, o movimento dos direitos humanos como expressão da sociedade civil obteve impulso na década de 70 com o surgimento de grupos na Ásia, América Latina e Europa do Leste.

A repressão desatada pelas ditaduras militares do Cone Sul da América Latina (1973 no Uruguai e Chile, 1976 na Argentina), com a aplicação sistemática da tortura e sua política de “desaparecimentos” de guerrilheiros e opositores, deu impulso decisivo ao movimento pelos direitos humanos nesta parte do mundo.

A Ata Final de Helsinque de 1975 estimulou os ativistas do bloco soviético, e o colapso do comunismo significava que o mundo se libertava em boa medida de ideologias que privilegiavam o coletivo sobre o individual.

Em poucos anos, a revolução nas telecomunicações -a difusão do fax, da televisão por satélite e da internet- destruiu para sempre o monopólio do Estado sobre a informação.

O surgimento de grupos como Anistia e Human Rights Watch significou igualmente que as práticas de um país em matéria de direitos humanos se converteram em assunto de domínio público: as clássicas respostas dos regimes repressivos, que vêem nas tentativas de pedir contas a eles uma “intromissão” em seus assuntos internos, foram perdendo força.

Na última década, foram registrados vários casos de alianças informais de pequenos e médios Estados com organizações não governamentais para lançar campanhas globais sobre temas específicos.

Essas coalizões manipularam o que o chamaríamos de “soft power”, que consiste numa forte mensagem moral combinada com apelos à boa vontade, para defender assuntos como a proibição das minas antipessoais, o fim da utilização de crianças como soldados ou a criação de uma corte penal internacional.

O resultado foi o crescimento de um movimento mundial genuíno em favor dos direitos humanos.

O acordo de Roma para estabelecer um Tribunal Penal Internacional, assim como a decisão da justiça britânica, num passado recente, de declarar passível de extradição para a Espanha o ex-ditador chileno Augusto Pinochet para responder por abusos cometidos durante a ditadura (1973-1990), foram interpretados como avanços na aplicação dos direitos humanos.

A impunidade é o principal fator nas violações aos direitos humanos, uma vez que “a história dos direitos humanos é a história da luta contra a impunidade.

Mas o movimento de defesa dos direitos humanos é criticado às vezes, por não atender fatores culturais.

O princípio da universalidade é questionado. Os muçulmanos, por exemplo, reivindicam o caráter divino do Alcorão; a China assegura que a adoção dos direitos ocidentais desestabilizaria o país mais povoado do mundo; Cingapura e Malásia acham necessário uma base autoritária para garantir sua prosperidade; africanos e asiáticos destacam que a livre escolha de um cônjuge acabaria com a família tradicional, considerada um pilar social.

No ocidente tampouco há lugar para a autocomplacência. Para muitos ativistas, entre os piores transgressores dos direitos humanos estão os Estados Unidos, que se mostraram lentos em incorporar os documentos de direito internacional a suas leis federais ao mesmo tempo em que continuam aplicando a pena capital, já derrubada em mais de 100 países.

Fonte: AFP

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