Atrás na corrida eleitoral pelo governo, direita ganha disputa no episcopado. É ainda incerto o grau de influência que a religião pode ter na política da Espanha, mas capacidade de mobilização é grande

Gaspar Llamazares, líder da IU (Esquerda Unida, na iniciais em espanhol), não tem a mais remota chance de ganhar as eleições deste domingo, mas nem por isso perdeu o bom humor e a capacidade de análise.

Ao comentar a eleição, na terça, do cardeal Antonio María Rouco Varela para presidente da Conferência Episcopal espanhola, Llamazares disparou: “A direita ganhou as únicas eleições que pode ganhar, as da Conferência Episcopal”.

Há um certo exagero aí: a direita política (o PP, Partido Popular) ainda tem chances no domingo, embora as pesquisas apontem vitória do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). E há também uma leve imprecisão: a direita ganhou no episcopado, mas não havia alternativa de outra corrente, posto que toda a cúpula da igreja espanhola é conservadora.

No mais, Llamazares tocou num ponto chave: à medida em que direita e esquerda se aproximam no campo econômico, transferem sua luta para o âmbito dos costumes. Na Espanha, a igreja desceu à arena de combate com inusitado vigor.

Tanto vigor que faz o especialista em religião do jornal “El País”, Juan G. Bedoya, suspeitar de uma conspiração mais ampla, determinada pelo Vaticano. “Há anos o Vaticano identificou a Espanha como território religioso em perigo. Roma teme que o modelo [do presidente do governo, José Luis Rodríguez] Zapatero contagie a Itália, onde o católico [Romano] Prodi cederá logo o poder, segundo tudo indica a um ex-comunista ateu, o prefeito de Roma, Walter Veltroni”. Na verdade, Veltroni está até agora atrás do direitista Silvio Berlusconi nas pesquisas.

O próprio Zapatero desconfia de que o alvo dos prelados, além dele próprio, está além-mar. “[Os bispos] estão obcecados com o que chamam de processo de secularização da vida social espanhola”, disse o presidente a Suso del Toro, para o livro “Madera de Zapatero – Retrato de un presidente”.
Se há na igreja o tipo de inquietações que Bedoya e Zapatero apontam, é questão em aberto. Mas que os prelados estão obcecados com o processo de secularização (e não só na Espanha) parece indiscutível.

É só recordar discurso do novo-velho presidente da Conferência Episcopal, o cardeal Rouco, que já a presidira entre 1999 e 2005: “Existe um ambiente em crescimento no qual se relativiza radicalmente a própria idéia de matrimônio e de família, e se fomentam desde as más tenras idades práticas e estilos de vida nas relações entre o varão e a mulher opostas ao valor do amor indissolúvel e ao respeito incondicional à vida desde sua concepção até a morte natural”.

Em uma frase, um ataque frontal às políticas socialistas de respaldo ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à facilitação do divórcio (a lei foi batizada de “divórcio-express”), a regras mais liberais para o aborto e à legislação sobre células-tronco. Natural, portanto, que a eleição de Rouco tenha sido recebida com ironia por um comunista reciclado como Llamazares, com aplausos pela direita e com crítica pelo PSOE.

A questão óbvia é saber que influência pode ter a descida da igreja ao campo de batalha político-eleitoral. Mesmo sendo o número de ateus declarados um dos maiores da Europa, é grande sua capacidade de mobilização: 20% dos eleitores socialistas se declaram católicos; 50%, católicos não-praticantes; e só 20% agnósticos.

Fonte: Folha de São Paulo

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