Fiéis com alto grau de instrução doam 10% da renda para igrejas e atribuem a melhora na vida à Bíblia. Receita Federal afirma que R$ 39,1 milhões são entregues diariamente às igrejas.

Todos os dias, uma parcela expressiva de brasileiros tira parte do seu ganho para financiar as igrejas cristãs que frequenta. São os chamados dizimistas — aqueles que, segundo a “Bíblia”, devolvem a primeira das dez partes de todo seu ganho para Deus.

De acordo com números divulgados pela Receita Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação, R$ 39,1 milhões são entregues diariamente às igrejas (católicas e evangélicas), que, juntas, arrecadaram

R$ 20,6 bilhões em 2011, somando todas as fontes de recursos. Desse total, R$ 14,2 bilhões vieram exclusivamente das doações. Essa quantia equivale ao orçamento anual do estado do Amazonas.

Enganam-se aqueles que pensam que nesse rol de “colaboradores” figuram apenas fiéis sem instrução, mais vulneráveis aos poderes de sedução dos padres e pastores.

Na Sara Nossa Terra, a igreja evangélica que reúne a maior quantidade de seguidores com curso superior, fiéis como o médico Romeu Nunes explicam o que os move na direção do dízimo: “Dou porque dá resultado”, afirmou. “Posso dizer que prosperei e aumentei meu patrimônio em pelo menos seis vezes depois que passei a contribuir com a igreja.”

Os números da Receita indicam que, do total arrecadado pelas igrejas, R$ 3,47 bilhões vêm por meio do dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias — aquelas que o seguidor faz sem se preocupar que sejam 10% do seu ganho.

Esse tipo de doação aleatória é mais comum nas igrejas católicas do que nas evangélicas. Pelo último Censo, 64,6% da população brasileira é católica, enquanto 22,2% pertencem a religiões evangélicas. Falando em nome desse grande contingente de católicos, dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), explica: “A Igreja Católica não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência de cristão”.

O argumento pragmático do líder católico pretende derrubar a tese daqueles que acreditam que as doações servem apenas para enriquecer padres e pastores. Mas não faltam histórias que vão nesse sentido.

Uma delas ocorreu em junho deste ano, quando a polícia prendeu os líderes da Igreja Cristã Maranata, acusados de desvio do dinheiro do dízimo.

A investigação começou no ano passado. Segundo a denúncia, os líderes da igreja montaram um esquema para embolsar o dinheiro dos fiéis com o uso de notas superfaturadas. Na avaliação do Ministério Público, era uma forma de encobrir o desvio, que pode chegar a R$ 30 milhões

[b]Eles pagam e não reclamam
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[b]Juíza do trabalho
[/b]A advogada Vanessa de Almeida Vignoli entrou em 2005 para a Igreja Sara Nossa Terra e contribui todos os meses com 10% daquilo que recebe pelo seu trabalho. “O dízimo é um princípio bíblico”, diz ela. “Faço essa doação até como proteção da minha vida financeira.” E os resultados vieram rápido, segundo a advogada. “Depois que entrei na igreja, consegui passar no mestrado da USP, na primeira fase do concurso para juíza do trabalho e trabalhei nos melhores escritórios.”

[b]Tragédia pessoal
[/b]Carlos Eduardo Caporal é formado em odontologia, mas não exerce a profissão. Tornou-se empresário do ramo de seguros. Tem uma vida confortável. Mas nem sempre foi assim. Já teve dificuldades financeiras, inclusive no momento mais difícil da sua vida, quando perdeu a mulher. “Fiquei viúvo, com duas filhas e dificuldades financeiras”, conta. “Quem me ajudou em todos os sentidos foi a igreja. Naquele momento, entendi a importância do dizimo e nunca mais deixei de contribuir.”

[b]Igrejas usam recursos em obras sociais e assistenciais
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A maioria das igrejas que recebem dízimo de seus fiéis justifica os ganhos com a manutenção de suas paróquias e a realização de projetos sociais. A evangélica Sara Nossa Terra, por exemplo, abriu um site para arrecadar recursos, no endereço www.parceirosdedeus.com.br, e ali mesmo o contribuinte acompanha algumas dessas ações beneficentes.

Um dos projetos é o Lar Feliz, que atende em São Paulo, na Zona Sul, crianças e adolescentes. “Eles moram aqui, recebem todos os cuidados, como os de médico e dentista, além de incentivo para aprender um ofício e se profissionalizar”, diz o pastor Anderson Mário Quentino, que administra a casa. “Eles fazem cursos de informática, por exemplo, para estar aptos a entrar no mercado de trabalho.” No próprio site da igreja, são relatados casos de fiéis que contribuíram e receberam uma “bênção” em troca.

“Em 2011, Augusto Mergulhão se tornou parceiro de Deus e plantou durante todo o ano. Os milagres começaram a brotar em 2012, quando Deus proporcionou para ele colheitas sobrenaturais.” E aí é o próprio Mergulhão quem testemunha: “O inventário do meu falecido pai, que estava preso na Justiça havia 12 anos, foi liberado justamente quando eu já tinha 18 anos e poderia resgatar o que tinha direito.”

Em outro testemunho, Aline Diniz, que é casada e tem duas filhas, conta que ela e o marido estavam desempregados. “Morávamos de aluguel e ficamos em uma situação muito complicada. Antes mesmo que eu pagasse o que me comprometi com a igreja, um escritório grande de advocacia finalmente ligou para contratar o meu marido.”

[b]Análise: Silas Guerrieiro – cientista da religião da PUC[/b]
O problema é o estado laico financiar igrejas

Em vários países da Europa, as igrejas são patrocinadas pelo estado com recursos dos impostos. As igrejas têm um custo para se manter e alguém tem de pagar. No Brasil, que tem um estado laico, os fiéis financiam. O dízimo é uma instituição muito antiga, que vem desde o surgimento do cristianismo. O que me parece estranho é que, mesmo sendo o Brasil um estado laico, ainda ocorram incentivos fiscais para determinadas igrejas.

[b]Quanto arrecadam por ano as igrejas no Brasil[/b]

– Montante equivale à metade do orçamento anual da cidade de São Paulo
– Só doações e dízimos representam o orçamento do estado do Amazonas

R$ 20,6 bi em 2011

R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias

R$ 3,47 bilhões por dízimo

R$ 3 bilhões pela venda de bens e serviços

R$ 460 milhões com rendimentos de ações e aplicações

[b]Fonte: Diário de São Paulo[/b]

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