Alegando ver “um conjunto de regras diabólicas” e lembrando que “a desgraça humana começou no Éden, por causa da mulher”, um juiz de Sete Lagoas (MG) considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha e rejeitou pedidos de medidas contra homens que agrediram e ameaçaram suas companheiras.

A lei é considerada um marco na defesa da mulher contra a violência doméstica.

“Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!”

A Folha teve acesso a uma das sentenças do juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues que chegou ao Conselho Nacional de Justiça. Em 12 de fevereiro, sugeriu que o controle sobre a violência contra a mulher tornará o homem um tolo.

“Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.”

Também demonstrou receio com o futuro da família. “A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado.” Ele chama a lei de “monstrengo tinhoso”.

Rodrigues criticou ainda a “mulher moderna, dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides”.

Segundo a Folha apurou, o juiz usou uma sentença-padrão, repetindo praticamente os mesmos argumentos nos pedidos de autorização para adoção de medidas de proteção contra mulheres sob risco de violência por parte do marido.

A Folha procurou ouvi-lo. A 1ª Vara Criminal e de Menores de Sete Lagoas informou que ele está de férias e que não havia como localizá-lo.

Sancionada em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (nº 11.340) aumentou o rigor nas penas para agressões contra a mulher no lar, além de fornecer instrumentos para ajudar a coibir esse tipo de violência.

Seu nome é uma homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia, agredida seguidamente pelo marido. Após duas tentativas de assassinato em 1983, ela ficou paraplégica. O marido, Marco Antonio Herredia, só foi preso após 19 anos de julgamento e passou apenas dois anos em regime fechado.

Em todos os casos em suas mãos, Rodrigues negou a vigência da lei em sua comarca, que abrange oito municípios da região metropolitana de Belo Horizonte, com cerca de 250 mil habitantes. O Ministério Público recorreu ao TJ (Tribunal de Justiça). Conseguiu reverter em um caso e ainda aguarda que os outros sejam julgados.

Órgão vai estudar medida legal contra posição de juiz de MG

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) vai decidir nos próximos dias se tomará alguma medida contra o juiz de Sete Lagoas (MG), Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que negou a aplicação da Lei Maria da Penha. A ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, enviou recentemente ao CNJ cópia da sentença.

Ela também encaminhou uma moção de repúdio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembléia Legislativa de Pernambuco, que havia tomado conhecimento da polêmica decisão.

Os conselheiros do CNJ disseram à Folha que buscam uma forma de adotar medida legal como abertura de processo disciplinar contra Rodrigues. É que o órgão administrativo não tem o poder de rever o teor de decisões judiciais.

No caso Richarlyson, a corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo abriu procedimento para apurar a conduta do juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, que disse ser o futebol “viril, varonil, não homossexual”, ao arquivar uma queixa-crime em que o jogador do São Paulo Richarlyson contra José Cyrillo Júnior, diretor do Palmeiras.

O CNJ também recebeu uma reclamação contra esse juiz, mas desistiu de tomar qualquer providência após a iniciativa do TJ-SP.

A moção de repúdio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da assembléia de Pernambuco afirma: “Ao recorrer a argumentos religiosos para justificar o arbítrio do homem sobre a mulher, o magistrado desconsidera o princípio da laicidade [direito do leigo] do Estado.”

Outro trecho, diz: “O juiz criminal tem como competência coibir a prática dos crimes a partir da condenação de seus autores, nunca fazer juízo de valor acerca da legislação, sobretudo quando tal juízo dissemina preconceito”.

Fonte: Folha de São Paulo

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