Atenção: o lançamento de O cordeiro, do escritor americano Christopher Moore, vai desagradar a algumas pessoas. Basta dar uma espiada na imagem da capa do livro e no seu subtítulo – O evangelho segundo Biff, o brother de infância de Cristo – para se ter uma vaga idéia do porquê.
Mas, apesar de fazer uma brincadeira com a vida de Jesus, a obra-piada de Moore não pretende, em momento algum, ferir o cristianismo.
O autor, conhecido nos Estados Unidos pelos livros despretensiosos de humor, passou três semanas em Israel em busca de vestígios históricos, e pesquisou em cerca de 100 livros de história, arqueologia, religião e sociologia – tudo para escrever a história “não contada pela Bíblia”.
O objetivo, afirma ele, era fazer os leitores rirem, e não mudarem de crença.
– Li tudo que continha informações sobre o período em que se passa o livro – garante Moore, em entrevista ao Jornal do Brasil.
– Penei para recontar a vida de Cristo, torná-la engraçada, mas sem fazer um ataque. No fim, deu certo. Pessoas do mundo inteiro gostaram do que escrevi.
Vácuo histórico
A idéia de O cordeiro veio depois que Moore descobriu, ao assistir a um documentário, que apenas parte da vida de Cristo foi retratado pela Bíblia. O Livro Sagrado traz informações detalhadas sobre o nascimento e a crucificação do Messias, mas quase nada sobre sua juventude.
O autor decidiu então criar o personagem Biff, amigo de infância fictício de Cristo, renascido dos mortos para jogar luz sobre o período obscuro do evangelho.
– Queria escrever sobre um messias – diz Moore.
– Já havia escrito sobre Coyote, o deus ameríndio, e também sobre um messias moderno adorado por um cargo culto na Micronésia. Achei que talvez fosse um desafio fazer algo mais universal. Quando vi o documentário achei que alguém deveria escrever essa história.
Ninguém sabe ao certo o que aconteceu entre o ano 1 e o 33. O vácuo histórico abre um terreno fértil para a imaginação. E para a comédia, claro, já que as indagações do autor são do tipo: o que Jesus faria se tivesse aprendido Kung Fu?
Biff encontra seu melhor amigo aos 6 anos, quando o filho de Deus ainda é uma criança que usa seus poderes divinos apenas para se divertir (uma de suas brincadeiras preferidas é ressuscitar lagartos).
Anos mais tarde, já adolescentes, Cristo e Biff resolvem descobrir o que há às margens de Jerusalém e partem para a aventura à procura dos três Reis Magos.
Moore, que em outros livros já satirizou de vampiros a tribos filipinas, sabe que brincar com Jesus Cristo é um outro departamento. O autor conta que escrever O cordeiro foi um pouco como pisar em ovos.
– É muito mais difícil satirizar vampiros, por exemplo, do que Jesus, porque posso maquiar e mudar as regras do jeito que quiser. Com Jesus, há elementos aceitos pela história, que não posso mudar sem perder parte dos meus leitores.
Num país em que uma candidata a vice-presidente foi acusada de tentar proibir livros “indecentes” nas bibliotecas públicas, imagina-se que o teor de O cordeiro iria enfurecer a direita evangélica, e receber acusações de blasfêmia e sacrilégio. Moore, porém, afirma que seu livro foi bem aceito.
– Não me lembro de pessoas que o tenham considerado blasfêmia. Mas, se tivesse que lidar com esse tipo de afirmação, responderia: “Você não precisa ler se isso vai te deixar aborrecido”.
Mente estreita
A velha frase do humorista francês Pierre Desproges – “pode-se rir de tudo, mas não com todo mundo” – também vale para Moore. Mas, em se tratando de Estados Unidos, ele acrescenta à máxima duas outras condições: tempo e lugar.
– Logo depois do 11 de Setembro ninguém escreveu algo engraçado sobre a tragédia. Houve uma sensibilização nacional por um momento.
Moore, que se considera uma pessoa não-religiosa, acredita que a imagem dos Estados Unidos ficou injustamente associada ao obscurantismo religioso.
– Nos Estados Unidos, há regiões em que fazer humor sobre religião pode não ser aceito, mas isso não acontece em todo o país – argumenta.
– Acho que, por causa dos oito anos de Bush, o mundo pensa que somos um bando de idiotas com mente estreita, mas não é verdade. Bush pode até ter mente estreita, mas a maioria dos americanos, especialmente os que conheço, não tem.
Fonte: JB Online