Em entrevista ao Congresso em Foco, a candidata do PV reclama de ser discriminada por sua opção religiosa. “Pela primeira vez, estou sentindo um grande peso por ser evangélica”, afirma Marina Silva.

A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, é mulher. É negra. Foi analfabeta até os 16 anos. Quando criança, vivia no meio da floresta amazônica. Foi empregada doméstica. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, ela garante que nenhuma dessas circunstâncias da sua vida a fizeram ser vítima de preconceito. Agora, na disputa pela sucessão do presidente Lula, Marina diz sentir pela primeira vez discriminação. Por nenhuma das razões descritas acima, mas por sua opção religiosa. Marina se diz discriminada pelo fato de ser evangélica, missionária da Assembleia de Deus.

Para Marina, isso tem sido usado para tentar imprimir nela a pecha de pessoa excessivamente conservadora do ponto de vista dos costumes. Num grau muito além do que corresponde à verdade. Marina é contra o aborto, mas outros candidatos também se declaram assim. “Quando os outros candidatos se declaram contra o aborto, o assunto morre ali. Comigo, vira sabatina”, reclama. “Você não imagina o mal-estar que isso me traz”. Longe dessa imagem de ultra-conservadora no campo da moral, Marina se diz favorável à união civil de homossexuais e, embora seja pessoalmente contrária à pesquisa com células-tronco embrionárias, lembra que a legislação brasileira possibilita investimentos para todos os tipos de pesquisa. “A minha relação com a pesquisa científica é de apoio e respeito total”.

Egressa do PT, partido no qual militava até o ano passado, Marina diz, na entrevista, que sua saída do partido de Lula e do seu governo deve-se ao fato de que ambos, o partido e o governo, não acordaram para os desafios do século 21, que seriam o problema ambiental, com o aquecimento global e outros fenômenos que já começam a ficar visíveis, e a crise do modelo econômico, que já teve seus efeitos nos Estados Unidos e agora afeta países da Europa. “Falta visão antecipatória. O desafio deste século é dar resposta às crises ambiental e econômica”, diz ela. Para ela, nem Dilma Rousseff, do PT, nem José Serra, do PSDB, têm percepção para isso.

“As outras candidaturas defendem que o país precisa de um gerente para administrar nosso futuro com os mesmos conceitos do passado. Achamos que isso não basta, penso que devemos ter uma perspectiva estratégica fundada no conceito da sustentabilidade para levar o país ao lugar que lhe compete no século 21 e garantir bem-estar sustentável às pessoas no futuro”, diz ela.

A candidata do PV respondeu por e-mail às perguntas do Congresso em Foco. Leia abaixo a entrevista:

Congresso em Foco – Na disputa presidencial, há quatro candidatos que já pertenceram ao PT: a senhora, Plínio de Arruda Sampaio, Zé Maria e Rui Costa Pimenta. A senhora e Plínio têm mais tempo de militância no PT que a própria candidata do partido, Dilma Rousseff. Qual o significado disso?

Marina Silva – Durante muitos anos, o PT era a opção preferencial de muitas pessoas que atuavam na sociedade através de sindicatos, associações, ONGs e movimentos sociais. Era um partido de esquerda que não se alinhava com as formas mais centralizadas de organização, típicas dos partidos comunistas e socialistas, e abriu suas portas para a participação da sociedade. Por isso, formou lideranças políticas importantes ao longo de seus 30 anos de existência. Hoje é um partido que possui ainda uma grande militância, mas organiza-se de forma mais tradicional e pragmática.Muitos saíram por vários motivos. No meu caso, saí do PT porque o partido, assim como os demais partidos , não soube incorporar a sustentabilidade como eixo estratégico de formulação de suas diretrizes e propostas. Acredito que precisamos hoje fazer um grande esforço de reelaboração de nossos conceitos de atuação político-programática, e senti que isso não era possível no PT.

Quem mudou mais: o PT ou a senhora?

Quando cheguei ao PT, o partido tinha uma visão progressista, mas não foi capaz de integrar a questão da sustentabilidade como uma bandeira estratégica, não foi capaz de atualizar a visão de mundo, enfim, não fez a transição para os temas do século 21. Falta visão antecipatória. O desafio deste século é dar resposta às crises ambiental e econômica. Como fomentar o desenvolvimento sem destruir a vida no planeta? Como assegurar qualidade de vida a todos e ao mesmo tempo preservar nosso patrimônio ambiental? O presidente Lula quebrou o paradigma de que se precisava crescer para depois distribuir o bolo. Mas isso não é suficiente para o Brasil assumir o papel que lhe cabe no cenário global. O PT não percebe isso. Não fui capaz de convencer o partido de que a questão do desenvolvimento sustentável é estratégica. Por isso entrei no PT pelo mesmo motivo que saí: para defender e propagar as causas ambientais.

O Brasil forma, com países como a China e a Índia, um grupo de nações emergentes que começa agora a se desenvolver fora do tradicional eixo que sempre beneficiou o Norte. Muitos professam que o país precisa aproveitar ao máximo esse momento de economia para fazer maciços investimentos, especialmente em infraestrutura. É possível não perder esse atual momento, fazendo os investimentos necessários, sem agredir o ambiente?

No Brasil, a noção de avanço está associada à ideia de crescimento econômico sem limite, expressa no aumento do poder de consumo e na construção de obras, como estradas, escolas e hospitais que, em que pese suas inegáveis importâncias, é preciso reconhecer que as sociedades mais prósperas são e serão aquelas que escolherem investir nas pessoas e na valorização dos recursos naturais que dão sustentação à vida. Vejo a questão da infraestrutura como a base fundamental para a sustentação do crescimento econômico. A forma como é planejada e constituída tem enorme impacto na distribuição geográfica do desenvolvimento, na qualidade de vida da população e nos impactos ambientais. Na transição para uma economia de baixo carbono, o planejamento da infraestrutura deve ter foco em uma infraestrutura que seja eficiente e sustentável no uso dos recursos naturais.Dentre as minhas propostas, quero promover a eficiência na gestão a partir do planejamento e do desenvolvimento das cidades com a integração e articulação de políticas para urbanização, saneamento, mobilidade, adaptação às mudanças climáticas, proteção de mananciais, promoção do desenvolvimento e do bem-estar humano.

O que, basicamente, diferencia sua candidatura das candidaturas de Dilma e Serra? Como a senhora avalia seus adversários?

Temos propostas distintas para os desafios do Brasil. Enquanto as outras candidaturas defendem que o país precisa de um gerente para administrar nosso futuro com os mesmos conceitos do passado, achamos que isso não basta, penso que devemos ter uma perspectiva estratégica fundada no conceito da sustentabilidade para levar o país ao lugar que lhe compete no século 21 e garantir bem-estar sustentável às pessoas no futuro.Já tivemos como presidente um sociólogo e um operário. O Brasil está preparado para eleger uma mulher. E seria muito benéfico para todos se o olhar e a perspectiva feminina estivessem mais presentes na vida social e, especialmente, nos espaços públicos, que é onde se tomam as decisões de interesse coletivo. As mulheres têm facilidade para conduzir processos mais abertos, mais democráticos, pois apostam no consenso em vez da disputa. E isso, quando transferido para as empresas, sindicatos, associações e para o poder público tem uma força transformadora enorme. As mulheres são mais inclusivas, têm mais capacidade de negociação, tendem muito mais ao consenso do que à disputa. O Brasil precisa de um sucessor, e não de um continuador ou um opositor.

Em sua opinião, qual é o maior problema que precisa ser corrigido hoje no país?

Segurança, saúde, educação. Precisamos colocar em prática tudo aquilo que a sociedade aprendeu nas últimas décadas, experimentando a convivência na diversidade, a invenção de novas maneiras de resolver problemas solidariamente, indo à luta à margem do Estado para defender direitos, agindo em rede, expandindo e agregando conhecimento sobre novas formas de fazer, produzir, gerar riquezas sem privilégios e sem destruição do incomparável patrimônio natural brasileiro.

Seus adversários buscam colar na senhora a pecha de pessoa conservadora do ponto de vista dos costumes em razão da sua opção religiosa. Como a senhora responde a isso?

Posso dizer que nunca fui discriminada por ser mulher ou negra, mas agora, pela primeira vez, estou sentindo um grande peso por ser evangélica. Quando os outros políticos se dizem contrários ao aborto, o assunto morre ali. Comigo, vira sabatina. Colocam-me rótulos de ultraconservadora, de fundamentalista , que não me cabem, pois não vivo à margem da modernidade. Você não imagina o mal-estar que isso me traz. Mas não vou mexer uma vírgula em meu discurso. Sou a favor da democracia e reconheço o grau de complexidade dessas questões. Por isso, eu as submeteria a um plebiscito.

Nesse caso, além da questão do aborto, que a senhora já mencionou, como a senhora se posicionaria, como presidente, sobre questões como a união entre homossexuais e as pesquisas com célula-tronco?

Defendo a união civil de pessoas do mesmo sexo que vivem um relacionamento estável para que seja garantida uma série de direitos que hoje lhes são negados. Sou favorável ao direito à he rança, ao plano de saúde conjunto, ao acompanhamento em caso de deslocamento para outra cidade para cumprir função pública, ao acompanhamento em caso de internação, entre outros. Como presidente, trabalharei para que todas as pessoas tenham acesso a políticas públicas que assegurem condições de vida dignas, independente de credo, raça ou condição sexual.A respeito da célula-tronco, sou favorável à pesquisa com células-tronco adultas apenas. Há uma discussão no Congresso, na sociedade e também na comunidade científica, porque não há unanimidade de que seja preciso ter os mesmos resultados usando célula adulta. Agora, a legislação brasileira possibilita os investimentos para todos os tipos de pesquisa. A lei foi aprovada pelo Congresso, todos os órgãos de pesquisa já estão garantidos em relação a isso. A minha relação com a pesquisa científica é de apoio e de respeito total.

Há hoje uma discussão no país que coloca em lados opostos o agrobusiness e a agricultura familiar. A Confederação Nacional da Agricultura diz que o atual governo reforça um discurso que coloca os empresários rurais como vilões, do ponto de vista ambiental, e considera ser um grande erro dividir a agricultura em dois ministérios, o da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário, o que, na visão deles, só reforçaria preconceitos e equívocos. Qual sua posição sobre isso?

Em nosso imenso território, de oito milhões de quilômetros quadrados, temos diversidades social, cultural, de ecossistemas e, claro, econômica – a qual deve dialogar e aprender com as diversidades cultural e biológica. Nesse contexto, há espaço para o agronegócio e para a agricultura familiar. Em meu programa de governo, proponho integrar numa única política para a agricultura brasileira o agronegócio e a agricultura familiar. Essa política busca superar a dicotomia ainda existente entre produção e preservação. Precisamos produzir mais com menos recursos, de forma sustentável social e ambientalmente. E quanto antes fizermos isso, melhor será para o Brasil economicamente. Nossos produtos precisam ser associados à sustentabilidade e à responsabilidade social. Podemos ser líderes de uma nova economia. A disponibilidade de recursos ambientais será cada vez mais um fator estratégico para nossa inserção na economia global.

Depois da malograda discussão de uma eventual aliança da senhora com o Psol, os partidos de esquerda agora repetem que a sua candidatura mantém os vícios dos partidos conservadores. E cita o fato de a senhora ter como companheiro de chapa um grande empresário, Guilherme Leal, dono da Natura. Ele seria seu José Alencar, dizem. Como a senhora responde a isso?

O Guilherme Leal está nesse projeto pelo que ele representa. Ele é um empresário que, fazendo a coisa certa dos pontos de vista social e ambiental, conseguiu os resultados certos do ponto de vista econômico. Obviamente, ele agrega mobilizando aqueles que têm uma visão de vanguarda para investir nesse projeto.

Projeto discutido desde o século XIX, a transposição das águas do rio São Francisco retornou no governo Lula. Muitos consideram que o impacto ambiental não justifica a obra. Qual a sua opinião sobre a transposição?

Posso afirmar com segurança que a transposição do São Francisco é viável ambientalmente, pois a Licença Prévia foi dada em minha gestão. A transposição do Rio São Francisco é um projeto de alta complexidade, discutido à exaustão, com resultados concretos e readequação do projeto durante o seu licenciamento. Fizemos um grande esforço para chegar a esse resultado. Antes de conceder a licença, elaboramos o Plano de Gestão da bacia, propusemos que a vazão média no canal fosse reduzida e que só houvesse retirada de água do rio se a barragem de Sobradinho estivesse vertendo. Construímos um amplo programa de revitalização da bacia, com ações de saneamento, recomposição de matas ciliares, repovoamento do rio com espécies nativas de peixes e outras ações voltadas à melhoria das condições da bacia. Um bom exemplo de atuação na promoção do desenvolvimento com responsabilidade.Mas é necessário que as ações do programa de revitalização sejam efetivamente implementadas e que as condicionantes da licença prévia e de instalação sejam cumpridas para que tenhamos água disponível para o semi-árido e para a bacia doadora.

As mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global já começam a ficar evidentes. As cheias em São Paulo, Santa Catarina, Alagoas e Pernambuco são exemplos disso. Que ações o governo federal pode fazer para minorar esse problema?

Temos várias propostas para dar respostas mais eficazes aos desastres e implantar uma política de prevenção. Para isso, vamos implantar um Sistema Nacional de Alerta de Desastres Naturais que seja capaz de antecipar e prever os chamados eventos extremos (tempestades, secas, geadas); regulamentar a Lei de Mudanças Climáticas; criar a Agência Nacional de Clima. Também pretendemos reestruturar e fortalecer o Sistema Nacional de Defesa Civil, com a criação da carreira de agente da Defesa Civil. É importante também reativar o Fundo Nacional de Defesa Civil. A participação democrática é fundamental para a resposta e prevenção a esse grave problema. Por isso, apoiamos a criação de Conselhos de Defesa Civil, além de colocar em prática tudo que foi definido na 1ª Conferência Nacional de Defesa Civil.Queremos também garantir transparência e isonomia nesse processo. Verificamos que 57% dos recursos do Ministério da Integração Nacional para prevenção de desastres foram para o Estado da Bahia, e desses recursos, 88% foram para cidades governadas pelo partido do Ministro à época. Não é aceitável esse tipo de ingerência ou disputa política em situações como essas.

Fonte: Congresso em Foco

Comentários