A morte do missionário brasileiro Edgard Gonçalves Brito (foto), voltou a expor a situação de crescente violência no Timor Leste. “Agora ficou patente que a questão da segurança está saindo de controle e que os atos de vandalismo estão ficando mais graves”, afirmou o embaixador do Brasil no país, Antônio Souza e Silva.

“A ONU está muito preocupada (com a violência). Dos cerca de 1.600 policiais previstos, mil já chegaram ao país”, disse Souza e Silva, por telefone, de Díli, a capital do Timor Leste.

Brito, que era missionário da Igreja Assembléia de Deus, foi o primeiro estrangeiro morto no país desde abril, quando a demissão de 600 soldados que reclamavam de discriminação étnica dentro das Forças Armadas provocou uma onda de violência que já matou mais de 30 pessoas.

“Não há nenhum indício de crime personalizado contra ele ou estrangeiros”, afirmou o embaixador.

Souza e Silva disse que o missionário foi atacado por gangues de jovens que cercaram o seu carro na noite de domingo.

Brito foi atingido por uma lança, que provocou um ferimento entre o pescoço e o ombro, e morreu a caminho do hospital. Ele estava acompanhado da irmã, que também é missionária no Timor Leste.

“A falta de policiamento na cidade está permitindo que grupos de jovens criem essa situação de vandalismo”, afirmou o embaixador. “Todos os dias há dois, três, quatro conflitos. Carros passam e são atingidos por pedras. Eles atacam os campos de refugiados.”

Missão da ONU

Os conflitos registrados no Timor Leste desde abril – os mais graves desde a luta pela independência da Indonésia, em 1999 – provocaram a renúncia do primeiro-ministro, Mari Alkatiri, que foi substituído em julho pelo ganhador do Nobel da Paz José Ramos-Horta. Os confrontos também motivaram o envio de uma nova força da paz das Nações Unidas para o país, formada por policiais.

Segundo o embaixador, os confrontos se dão principalmente entre gangues formadas por jovens, muitos deles ligados a grupos praticantes de lutas. “É resultado do vandalismo, da pobreza, da falta do que fazer.”

Milhares de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas fugindo da violência. Conforme Souza e Silva, há atualmente 25 mil pessoas vivendo em campos de refugiados. “Esse número já chegou a 80 mil”, afirmou.

De acordo com o embaixador, a missão da ONU terá um efetivo de 1608 policiais, sendo quatro brasileiros. Os dois principais objetivos dessa força de paz são tentar restabelecer o controle do sistema de segurança pública do país e reestruturar a polícia timorense, que “desapareceu quando começaram os primeiros incidentes”, segundo Souza e Silva.

Sepultamento no Brasil

Brito, 27 anos, era um dos cerca de cem missionários brasileiros que atuam no Timor Leste. Segundo o embaixador, a população total de brasileiros no país oscila entre 140 e 160 pessoas. Além de missionários, há funcionários da embaixada, da ONU, juristas e professores.

O primeiro-ministro, José Ramos-Horta, divulgou uma declaração oficial lamentando a morte do brasileiro, que vivia no país havia cerca de dois anos e trabalhava em uma escola de português para alfabetização de crianças no interior.

Conforme o comunicado do primeiro-ministro, as autoridades iniciaram uma investigação imediata para esclarecer o crime.

“A reação da comunidade brasileira é de perplexidade com a morte de um homem que dedicava sua vida a ajudar os outros e foi assassinado com essa brutalidade”, afirmou o embaixador.

Segundo ele, a família do missionário deseja que o sepultamento seja realizado no Brasil. “Estamos vendo a melhor maneira de transportar o corpo, se via Austrália ou Indonésia”, disse o embaixador.

Missionário recusou propostas para deixar Timor, diz irmã

O missionário evangélico brasileiro Aurélio Edgard Gonçalves de Brito, 27 anos, que neste sábado foi assassinado em Díli, capital de Timor Leste, recusou as propostas para deixar o país após o acirramento do conflito político-militar, em abril.

“Era o projeto de vida dele, o que escolheu. Ele tinha muita consciência do que estava fazendo. Esse era o momento que as pessoas mais precisavam dele”, relatou nesta segunda Eglais Gonçalves Brito dos Santos, 33 anos, irmã mais velha de Edgar.

Ela lembrou que naquela época a residência do irmão em Timor chegou a ser atacada. “Foi colocado para ele voltar para o Brasil. Mas quem está em um país para uma missão, como ele estava, não tinha lógica ir embora no momento em que o país mais precisa”.

Familiares do missionário da Assembléia de Deus, que moram em Belo Horizonte, aguardam a definição sobre a autópsia no corpo do jovem para que possam preparar o sepultamento. A intenção é que ele seja enterrado na capital mineira.

Edgar foi morto quando retornava de um encontro de orações acompanhado da irmã, Elizama Gonçalves Brito, de 31 anos, que também é missionária em Timor. Eles foram atacados por um grupo desconhecido dentro do carro que Edgar dirigia.

“Estava ele, a irmã e três crianças que eles cuidavam, que moravam com eles. A mais velha com 12 anos de idade. São crianças que perderam o pai e mãe na guerra”, relata o pastor Moisés Silvestre, vice-presidente da Assembléia de Deus em Minas Gerais. “Chegaram apedrejando carro… alguém introduziu uma arma branca, um chucho, uma espada, entre o ombro e o pescoço (do missionário)”.

Segundo o pastor, mesmo ferido, Edgar conseguiu dirigir até a casa de alguns brasileiros, que tentaram transportá-lo até um hospital. “Mas foram impedidos devido à confusão nessa parte da cidade”. O missionário foi levado para uma clínica, mas já chegou sem vida.

Apaixonado pela missão

Silvestre descreveu Edgar como um jovem carismático e apaixonado pela causa. Filho de um missionário pioneiro da Assembléia de Deus no norte de Minas, ele era formado em Teologia e morava em Timor Leste havia um ano e sete meses. Edgar trabalhava como voluntário na área de alfabetização de crianças, com cerca de 70 alunos. A irmã já está no país há três anos e meio e atua como enfermeira junto à Cruz Vermelha.

O pastor disse que Edgar já tinha uma passagem para o Brasil reservada para o dia 07 de janeiro de 2007. Ele e a irmã decidiriam quem viria visitar a família. “Ambos estavam apaixonados pelos projetos que estavam desenvolvendo lá”, reiterou.

No início de 2006, a igreja evangélica pensou em enviá-los para novos projetos na China ou Indonésia, mas os irmãos preferiram ficar em Timor.

Silvestre disse que o assassinato de Edgar não teve nenhuma relação com seu trabalho missionário. “A morte dele é fruto da violência que impera no país, que está em reconstrução. Há várias gangues de jovens que estão loteando áreas, tomando conta. Quem passar está sujeito a esse tipo de problema”, afirmou.

Missionários no exterior

Segundo o pastor, essa foi a primeira vez que um integrante da Assembléia de Deus morre em missão. Somente de Belo Horizonte, de acordo com ele, são 168 missionários no exterior.

A igreja evangélica prometeu dar toda assistência à família. A mãe, a aposentada Maria Antônia Gonçalves de Brito, 61 anos – que, muito abalada, estava sob efeitos de sedativos -, e outros dois irmãos de Edgar moram num prédio no bairro Nova Gameleira, região oeste da capital mineira.

O governo de Minas divulgou nota em que informa que encaminhou nesta segunda, ao Ministério das Relações Exteriores, pedido de apoio especial à família do missionário. Conforme a assessoria do Palácio da Liberdade, o governo mineiro recebeu garantias nesse sentido do embaixador Manoel Gomes Pereira, diretor da Comunidade de Brasileiros Residentes no Exterior e da Embaixada do Brasil em Díli.

Fonte: BBC Brasil e Estadão

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