Movimento ateísta cresce em todo o mundo e conquista adeptos até mesmo em países de forte tradição cristã. Nunca houve tantos ateus e com tanta força quanto na atualidade. A estratégia adotada pelos ateístas é fazer barulho, incomodar e desafiar. Professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Richard Dawkins (foto), autor do livro Deus, um delírio, é o mais popular e carismático ateu hoje.

Para justificar suas idéias, aqueles que não acreditam na existência de Deus costumam contar a história da vespa-escavadora e da lagarta-cinzenta. Este inseto tem um centro de inervação em cada um de seus segmentos. Detentora desse segredo anatômico da presa, a vespa perfura a lagarta sucessivas vezes, de uma extremidade a outra, gânglio por gânglio. Seu objetivo não é matá-la, mas paralisá-la, para que suas larvas, ali depositadas, possam se alimentar de carne fresca – e viva. Tão assustadora quanto essa historieta – sempre acompanhada da provocação “como um Deus bom pode ter criado algo tão cruel?” – tem sido o mais novo ataque de ateus e céticos à religião. Eles encontram no mundo de hoje, cheio de injustiça e violência, motivos de sobra para fustigar a fé alheia. Por meio de manifestações públicas, livros, programas de TV e sites na internet, o chamado movimento dos novos céticos, tenta tornar real a famosa frase do filósofo alemão Friederich Nietzsche (1844 – 1900): “Deus está morto! E nós o matamos”.

Longe de ser uma aventura, essa é uma guerra premeditada. Se por um lado aqueles que não crêem se desesperam com a nova efervescência da religiosidade neste começo de século, por outro, sabem que podem ter o apoio de um exército de 750 milhões de pessoas em todo o globo. Nunca houve tantos ateus e com tanta força quanto na atualidade. A estratégia adotada nessa guerra subterrânea é fazer barulho, incomodar e desafiar. “Se este livro funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem”, gaba-se o biólogo evolucionista Richard Dawkins em Deus, um delírio (Companhia das Letras), a mais polêmica e impactante dessas obras, não por causa de seus profundos ou populares argumentos, mas pelos ataques destemperados. Como, por exemplo, aquele que Dawkins usa para justificar o título do livro: “Quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama religião”, dispara.

Professor de compreensão pública da Ciência da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Dawkins é o mais popular e carismático ateu hoje. Ganhou fama em 1976, quando lançou O gene egoísta, seu primeiro best-seller, no qual afirma que tudo que a pessoa faz é movido pela lógica dos interesses de seus genes. Aliás, homens e demais animais de reprodução sexuada não passariam de máquinas para garantir a sobrevivência dos melhores genes. Apesar disso, esses seres seriam capazes de criar culturas, comportamentos, hábitos e manias que competem entre si e se multiplicam. Chamou-os de memes. Em Deus, um delírio, porém, Dawkins dá nome a seus memes. Principalmente ao da religião –para ele, um agente nocivo aos humanos, tal qual um vírus.

“Lógica equivocada”

O biólogo garante que está apenas reagindo a dois perigos que ameaçam o mundo moderno. O primeiro é a onda fundamentalista, puxada principalmente pelos atentados terroristas promovidos por radicais islâmicos. O outro seria o esforço de evangélicos, principalmente nos Estados Unidos, para ensinar o criacionismo nas escolas. Este último é especialmente caro para Dawkins, que fez carreira popularizando o evolucionismo de Darwin. Por causa disso, ele não mostra nenhum receio em apelar. No ano passado, o britânico foi convidado para estrelar um documentário em horário nobre sobre religião. Ainda mais provocativo que o título Raiz de todo o mal? foi a publicidade do programa. Abaixo de uma foto mais antiga da silhueta dos prédios de Manhattan, Nova York, ainda com as torres gêmeas do World Trade Center, havia a legenda: “Imagine um mundo sem religião”. “Argumentar assim é a mesma coisa que dizer que o avião é um mau invento porque é utilizado em guerras que matam pessoas”, critica o jornalista Michelson Borges, editor da Casa Publicadora Brasileira e autor de diversos livros sobre ciência e religião. “A religião bíblica pregada por Jesus e fundamentada nas Escrituras Sagradas nada tem a ver com aqueles que a usam para cometer atrocidades”, diz. Dawkins e seus pares costumam ignorar esse tipo de distinção. Pudera: a Inquisição e as Cruzadas da Idade Média são eventos usados exaustivamente para justificar suas posições. Só esquece que Adolf Hitler também usou a idéia darwinista da seleção natural para promover sua “limpeza étnica” na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Daniel Dennett, outra estrela do ateísmo moderno, ataca por outro flanco em seu livro Quebrando o encanto (Editora Globo). “Um dos motivos para a resistência da religião em se submeter a uma investigação científica irrestrita é o medo de ter seu encanto quebrado pelas luzes fortes do microscópio”, provoca. “A lógica dele é totalmente equivocada. Usar uma ferramenta humana e limitada para determinar a existência de Deus e sua ação, que estão em outra esfera, transcendente, é como tentar medir as distâncias cósmicas com uma fita métrica”, devolve Borges.

Ainda que essa opinião seja unânime entre os pesquisadores teístas – aqueles que crêem em Deus –, nem por isso eles se furtam ao debate travado também à luz da razão. Em seu livro Não tenho fé suficiente para ser ateu (Editora Vida), o pastor Norman Geisler e o apologeta Frank Turek garantem que há muito mais evidências científicas para se comprovar a existência de Deus do que para descartá-la. “Essas evidências confirmam que o universo passou a existir por meio de uma explosão surgida do nada. Ou alguém criou essa coisa do nada ou essa coisa simplesmente ‘surgiu’ do nada, o que não faz sentido. Qual dessas visões exige mais fé para ser crível? A ateísta”, frisam.

Ceticismo globalizado

Por mais vibrantes que sejam todos esses debates, nenhum se compara à polêmica entre criação e evolução. E se do lado darwinista seus representantes se consideram os únicos com credenciais científicas para tratar da origem da vida, é cada vez maior, entre os criacionistas e defensores do movimento conhecido como design inteligente, a insatisfação contra a mídia e a academia que, acusam eles, não permite um debate amplo e aberto sobre a questão. “Hoje há numerosos exemplos de teses que antes favoreciam a interpretação evolucionista da natureza e eram aceitas como ‘cientificamente comprovadas’, e agora estão sendo totalmente descartadas”, lembra o engenheiro Ruy Carlos de Camargo Vieira, presidente da Sociedade Criacionista Brasileira e professor aposentado da Universidade de São Paulo, a USP. “Já se sabe que os ‘órgãos vestigiais’ possuem funcionalidade. Vários ‘elos perdidos’ com supostos ancestrais já não são aceitos como fósseis de animais intermediários, especialmente entre o ser humano e os símios”, explica.

Marxista e ateu na adolescência, Vieira converteu-se ao Evangelho quando cursava o quarto ano da faculdade. “Fui convidado por uma colega para uma conferência evangelística e aceitei por educação. Mas lá fiquei impressionado com a precisão das profecias bíblicas e pela coerência do cristianismo”, conta. O caminho é muito parecido com aquele percorrido por Enézio Eugênio de Almeida Filho, coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente, sediado em Campinas (SP). Ex-ateu de carteirinha, ele acha salutar o ressurgimento do ceticismo – desde que contribua para o debate. “A discussão é boa até para aqueles que desejam fortalecer sua fé em Deus. O problema é que ela tem resvalado para o campo do fundamentalismo e da arrogância. Há uma campanha globalizada pelo ceticismo”, analisa.

A verdade é que, desde a Antigüidade, a humanidade acredita no sobrenatural. O Renascimento, porém, trouxe consigo as primeiras grandes descobertas no campo das ciências e abriu terreno para o crescimento do ceticismo – especialmente por causa da intolerância da Igreja em casos como o de Galileu Galilei, que após demonstrar que a Terra gira em torno do Sol – e não o contrário, como dizia o poder eclesiástico – foi forçado a se retratar. No século 19, as teorias contra a existência de Deus atingiram os segmentos mais intelectualizados da sociedade graças a movimentos como a Revolução Francesa de 1789. Sociólogos como Karl Marx (1818 – 1883) chegaram a condenar a religião como o “ópio do povo”, em alusão à droga do momento, que alienava e destruía vidas.

Impulsionado pela Revolução Industrial e pelo sistema capitalista, o humanismo substitui o racionalismo no século 20. O distanciamento da divindade deixa de ser coisa de acadêmicos e pensadores e invade correntes filosóficas, movimentos políticos e sociais, atingindo as ideologias como o liberalismo, o anarquismo e o socialismo. Torna-se popular. “O ateísmo, como crença ampla, é um fenômeno recente, de menos de 200 anos. No começo do século passado, chegaram a dizer que representaria o fim do misticismo e da religiosidade, o que não aconteceu. Pelo contrário – houve um florescimento da religião. Mas, nas últimas décadas, junto com ele, redobrados ataques e, agora, este ateísmo fundamentalista”, diz o sociólogo Gedeon de Alencar, diretor do Instituto Cristão de Ensino Contemporâeno.

Esfriamento da fé

Agora, o mundo presencia um crescimento do ceticismo como nunca houve. A prosperidade das nações desenvolvidas e o esfriamento da fé em continentes inteiros, como a Europa, o berço do cristianismo, ressuscitam a premissa marxista de que o sofrimento leva à religião, mas a fartura, ao afastamento de Deus. Hoje, o número de descrentes no mundo só fica atrás das três grandes religiões mundiais: o cristianismo, com 2 bilhões de fiéis; o islamismo, com 1,2 bilhão de adeptos; e o hinduísmo, com seus 900 milhões de praticantes. Entre as cinco nações com maior porcentagem de pessoas que se declaram ateus ou agnósticos – aqueles que não sabem se Deus existe ou não e não se interessam por isso –, em apenas uma as crenças foram impostas de maneira compulsória, o Vietnã comunista. Nas outras quatro – todas européias – há liberdade religiosa. No topo desse ranking está a Suécia, onde 85% dos habitantes rejeitam a religião institucional

Outra característica da falta de fé em Deus dos tempos atuais é a beligerância com que tem sido travado o debate. E, nesse campo, ninguém supera Richard Dawkins. “A fé não passa da grande enrolação, a grande desculpa para fugir da necessidade de pensar e avaliar as evidências. Por se tratar de uma crença que não se baseia em evidências, é o vício da religião”, ataca ele. Como seus pares, seu grande argumento é de que religião e ciência são incompatíveis. E chega a dizer que nenhum cientista respeitado e que se preze pode ser crente.

Outrora admirador confesso de Dawkins, o biofísico molecular e também acadêmico de Oxford, Alister McGrath, conta que se sentia extremamente alegre diante dos prognósticos daqueles tempos, de que a religião iria acabar. Também ele era ateu – pelo menos, até conhecer de fato a religião cristã. “Percebi que o cristianismo é muito mais complexo e intelectualmente desafiador do que supunha. O tempo passou e a religiosidade está mais viva do que nunca. Isso fez com que os principais defensores do ateísmo partissem para um ataque desesperado, um tudo ou nada”, diz ele em seu livro O delírio de Dawkins (Editora Mundo Cristão).

Agora teólogo, McGrath considera Deus, um delírio e outras obras dos profetas do ateísmo como Sam Harris, Daniel Dennett e Christopher Hichens, peças tipicamente panfletárias e de conteúdo questionável.“Dawkins oferece o equivalente ateu da pregação do fogo do inferno, substituindo o pensamento cuidadoso, baseado em evidências, pela retórica turbinada, uma especulação que apenas parece ciência e por críticas culturais. É como se ele fosse um evangelista, pregando sem parar em sua igreja e mandando todos erguerem as mãos, mesmo sem concordar”, critica.

Outra questão condenada por McGrath como falácia é a de que os verdadeiros cientistas rejeitam a fé em Deus. Segundo ele, vários dos mais brilhantes cientistas da atualidade são religiosos. E, como exemplo, cita Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano, responsável pelo primeiro mapeamento da cadeia do DNA do homem. Ateu na juventude, Collins se converteu depois que, mesmo já doutorado, voltou a estudar medicina e conviveu com pacientes em hospitais que, diante das mais diversas dificuldades, mantinham a serenidade e a espiritualidade. Em seu livro A linguagem de Deus (Editora Gente), Collins não apenas conta sua experiência como garante que cerca de 40% dos mais destacados cientistas no mundo são religiosos. “Quando o então presidente americano Bill Clinton anunciou na Casa Branca o mapeamento do DNA humano e agradeceu a Deus por isso, para mim não houve qualquer constrangimento. Aliás, eu até ajudei a escrever seu discurso. Sei que ciência e fé não são contraditórias e que o homem só conseguirá ser completo conciliando as duas. Só a fé pode responder perguntas como por quê o universo existe, qual é o sentido da vida e o que acontece após a morte”, diz ele.

Considerado um dos mais importantes neurocirurgiões do Brasil, Raul Marino Jr vai na mesma. “Loucura é essa campanha promovida por Dawkins”, disse a ECLÉSIA. Mesmo com uma agenda profissional concorrida, na qual ainda constam a USP e o National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, instituições em que leciona, Marino sempre arruma tempo para Deus – seja escrevendo um livro sobre os Dez Mandamentos, seja indo aos cultos da Igreja Batista Paulistana, da qual é membro. Autor de A religião do cérebro (Editora Gente), ele explica que novas pesquisas em neurociência descobriram as áreas do cérebro onde a fé tem seu espaço. “São tipos de estruturas, antenas, que estabelecem a ligação com Deus e o sobrenatural, permitindo que o físico viva também o espiritual. Se Deus não existisse, por que a tal evolução produziria uma região da anatomia com essa finalidade?”, questiona.

Ateus práticos

Pesquisa recente do instituto Datafolha mostrou que no Brasil 97% das pessoas crêem em Deus. O que não quer dizer que por aqui a polêmica não exista. Pelo contrário: a guerra já foi deflagrada no país seja nas universidades, onde há verdadeira militância ateísta, como na sociedade em geral. De 1950 para cá, os sem-religião são o grupo que mais cresce no Brasil, passando de pífios 0,5% para 7,8% da população. É bem verdade que a grande maioria destes expressa algum tipo de religiosidade, mas independente das igrejas ou de qualquer outro grupo organizado. São os chamados “ateus práticos”: gente secularizada que pode até dizer que crê, mas não vive a fé.

“É algo duro de aceitar, mas real. As igrejas brasileiras perderam seu conteúdo, trocaram a pregação pelo entretenimento, e o refletir, pelo sentir. Sem falar nos sucessivos escândalos, que têm feito com que um número grande de crentes não apenas abandonem a igreja, mas a própria fé”, lamenta o professor Paulo Romeiro, do Departamento de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, em São Paulo.

Não há dúvidas de que a secularização e a beligerância ateísta são poderosas aliadas. Também por aqui, os grupos de ateus crescem e se multiplicam desde 1998, quando foi fundado o primeiro e mais representativo deles, a Sociedade da Terra Redonda (STR), que mantém um movimentado portal na internet e publica uma revista de discussão de suas idéias. “Hoje, os ateus até podem ser combatidos, mas jamais ignorados”, afirma o engenheiro Daniel Sottomaior, da STR.

Esse “evangelismo às avessas” tem levantado debates e causado preocupação entre as igrejas brasileiras, mas são poucas as que têm se mobilizado diante do assunto. “Encontramos grupos de evangelização para judeus, muçulmanos, prostitutas e os mais diversos segmentos. Mas e os intelectuais?”, preocupa-se o professor Rodrigo Pereira Silva, da Universidade Adventista em Engenheiro Coelho (SP). “A descrença cresce muito por meio da mídia e aqueles que não concordam são taxados como ignorantes, mas as igrejas não despertaram para essa situação”, analisa. Em recente viagem à Alemanha, ele ficou chocado quando descobriu que há professores de teologia em universidades de lá que são ateus. “Quer saber o futuro daqui? Olhe para lá. A história mostra que os movimentos e tendências religiosas nascem na Europa, vão para os Estados Unidos e vêm para o Brasil. Estamos enfrentando uma guerra intelectual para a qual não estamos preparados”, sentencia.

Especialista em arqueologia e um dos poucos palestrantes com visão não-liberal convidado para palestrar no 1º. Fórum sobre o Jesus Histórico, promovido em outubro no Rio de Janeiro, Rodrigo Silva acredita que para mudar esse quadro é preciso vencer os preconceitos. Dos descrentes e também dos crentes. “Primeiro, temos que arrumar a própria cozinha. É necessário repensar as universidades evangélicas, que vêm sofrendo uma progressiva secularização. Disciplinas como apologética, a verdadeira defesa da fé, foram jogadas para escanteio e perderam a importância. Depois, precisamos nos conscientizar de que nossos jovens não estão preparados para o debate e para o ambiente secular universitário. Esse é o ambiente mais atacado pelos sem-religião e ateus”, explica.

De olho nisso, o professor trabalha também para mostrar a coerência e profundidade do cristianismo. Aos domingos pela manhã, apresenta o programa Evidências, na Rede Bandeirantes e na Rede Novo Tempo de televisão. Nele, fala sobre arqueologia e história e como as ciências estão comprovando a veracidade das Escrituras. Junto com alunos escolhidos a dedo que estão preparando seus trabalhos de conclusão de curso, ele está montando estudos bíblicos que servirão de base para publicações impressas e novos programas de rádio e TV. Com linguagem e temas diferenciados, seu objetivo é alcançar os sem-religião e, principalmente, aqueles que não crêem em Deus, discutindo a hipótese – isso mesmo, até as palavras são medidas – da existência de um ser sobrenatural. Até cientistas de renome estão sendo convidados para o projeto.

“O importante é estimular o debate. Às vezes, precisamos provocar o ceticismo e a dúvida para estimular a fé”, comenta Rodrigo, um tanto enigmático. Ou talvez não, pois de certa forma Dawkins está correto ao propor que a pessoa não embase a sua vida em delírios. Todos, inclusive ele mesmo, podem até dizer que não crêem, mas têm fortes crenças. Mas dessa vez, será a posição da Igreja que responderá quem, de fato, está delirando.

Fonte: Revista Eclésia

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