Não há dúvidas de que muitos cristãos evangélicos e católicos romanos conservadores tenham ficado muito desencantados tanto com o programa político como com o que eles consideram o estilo estridente da direita religiosa organizada.

Em toda parte há obituários da direita religiosa para se ler. O novo livro de Jim Wallis, “The Great Awakening” (“O Grande Despertar, em tradução livre), traz o subtítulo “Recuperando a Fé e a Política em uma América Pós-Religiosa.” O livro de E.J.Dione Jr., “Souled Out” tem como subtítulo “Reabilitando a Fé e a Política Depois da Direita Religiosa.” O subtítulo do novo livro de David P. Gushee, “The Future of Faith in American Politics” (O Futuro da Fé na Política Norte-americana”), contrapõe “O Testemunho Público do Centro Evangélico” ao da direita religiosa.

Às vezes escancaradamente declarada e outras vezes subentendida, há a esperança de que o declínio da direita religiosa venha a atenuar o que os americanos vêem como a guerra das culturas.

Não há dúvidas de que muitos cristãos evangélicos e católicos romanos conservadores tenham ficado muito desencantados tanto com o programa político como com o que eles consideram o estilo estridente da direita religiosa organizada. Alguns foram convencidos de que pobreza, direitos humanos, genocídio, tráfico sexual e aquecimento global devem ser preocupações cristãs, tanto quanto aborto, homossexualidade e pesquisas com células-tronco de embriões. Outros reagiram ainda mais contra o fato de sua fé ser incluída na política partidária.

Mas o que esse recuo da direita religiosa significará para o futuro da guerra de culturas? A prudência está a postos. O combate pode declinar. Mas existem boas razões para se duvidar de uma trégua duradoura, sem se falar de uma verdadeira paz.

A guerra das culturas deve-se lembrar, é anterior à direita religiosa. Ela começou na década de 1960, quando a contracultura e o movimento contra a guerra foram lançados contra os cidadãos firmemente tradicionais.

Em 1960 o presidente Richard Nixon apelou à “maioria silenciosa” —sem qualquer referência religiosa explícita— uma década antes que o reverendo Jerry Falwell organizasse a Maioria Moral. Outros conservadores criticaram os “liberais de limusine” por atender aos pobres e negros à custa dos brancos da classe trabalhadora.

Quase na mesma época, a primeira geração de neoconservadores estava construindo uma elaborada teoria (naturalmente) sobre a crise cultural do país. Eles trouxeram consigo a concepção do critico literário Lionel Trilling de uma “cultura adversária” em literatura e arte que se havia oposto às sociedades burguesas durante todo o século 19.

Nos anos 1960, dizia-se que esse ponto de vista se tornara um fenômeno de massa, transmitido pelos níveis mais elevados de instrução a uma “nova classe” de trabalhadores dos setores da economia baseados no conhecimento. A nova classe, gerada no campus das universidades, segundo os neoconservadores, era uma guerra com o setor empresarial pelo controle da cultura. A religião era apenas um fator marginal nessa primeira rodada da guerra de culturas. Ela foi combatida nos campos do patriotismo, apoio a uma guerra no exterior (Vietnã), virtudes da classe média e indignação social contra as minorias raciais e as elites liberais.

Quatro décadas depois, questões desse tipo não desapareceram. A ameaça do terrorismo radical islâmico, a ainda distante saída do Iraque e as ansiedades culturais e econômicas agitadas pela imigração podem muito bem substituir qualquer abrandamento da capacidade da direita religiosa de mobilizar eleitores em torno do aborto ou do casamento gay.

Mas, na verdade, as áreas de conflito cultural como essas sobre direito ao aborto e casamento homossexual não desapareceram. Elas continuam e estão no ponto de se inflamar rapidamente à menor provocação. A legislação que poderá unir tanto os opositores como os defensores do aborto legal para reduzir o aborto continua enredada em uma teia de detalhes e suspeitas dividindo os dois grupos. O próximo presidente, republicano ou democrata pode muito bem relaxar as restrições do presidente Bush sobre o financiamento federal à pesquisa com células-tronco de embriões. E também há as indicações para a Corte Suprema.

Mas existem diferenças de opinião ainda mais profundas, como é inevitável em uma sociedade pluralista – por exemplo, a respeito das fontes de autoridade moral, a respeito da natureza do conhecimento e dos limites da racionalidade científica, sobre a melhor aceitação da sexualidade, sobre acaso ou intencionalidade no universo.

De muitas formas, estas não são questões direta ou propriamente políticas mas não obstante, públicas. São bastante abordadas no mercado, nas artes e no entretenimento popular, como seriados ou vídeo-games.

Existe uma terceira razão pela qual a guerra das culturas não só vai persistir como também reconquistar sua anterior intensidade. Os líderes do Partido Democrata deram o melhor de si para conter a impressão de que são hostis à religião e aos valores religiosos. O potencial de a postura religiosa do senador Barack Obama vir a sanar a guerra de culturas das gerações baby boom foi um tema subjacente da declaração de Andrew Sullivan para o senador de Illinois, no The Atlantic, em dezembro.

Mas ainda não está claro até que ponto vai essa sensibilidade na hierarquia de liberais e progressistas que estarão assumindo cargos em agências do Executivo, setores do Congresso e no Judiciário, caso os democratas vençam em novembro. As possibilidades de atrito são inúmeras, incluindo decisões sobre o financiamento de instituições beneficentes baseadas em religiões, legislação anti-discriminação e regulamentações de muitos tipos.

Depois de anos de persistentes ataques da parte da direita religiosa, alguns poucos poderão saborear a oportunidade de dar o troco. Muitos outros simplesmente poderão ter pouca paciência para as objeções religiosas ao pressionar pela aprovação de medidas que lhe são profundamente caras. E não serão poucos os que poderão concordar mais com a máxima de Christopher Hitchens de que “a religião envenena tudo” do que com as declarações públicas de fé da senadora Hillary Rodham Clinton ou de Obama.

Quando se trata de religião e política, a cultura fica em uma conjuntura estranha. Assim como aumentou o número de livros defendendo um programa religioso mais amplo, mais generoso, mais tolerante, eles se encontraram com uma série de livros alegando que a religião é totalmente imprópria, não somente para a vida pública, mas também para a vida pessoal.

Se a última onda encontrar um público receptivo, é bem mais provável que esteja entre os democratas liberais que entre os republicanos. Se um governo democrata não tomar muito cuidado, poderá criar outra das reações exageradas à reações exageradas que infligiram danos à política americana…

Fonte: The New York Times

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