“Ei, juiz, vai se converter!”, gritava no Engenhão um dos torcedores da Fogospel, a organizada evangélica do Botafogo.

Nas arquibancadas do Engenhão, uma torcida organizada se destaca das outras.

Suas bandeiras não trazem imagens de monstros ou animais ferozes e seus gritos não são de guerra. Seus membros não xingam o técnico, nem os jogadores. E se recusam a proferir um palavrão sequer.

Em suas bocas, nem a mãe do juiz é maltratada. Ao contrário, eles se dizem preocupados com o bem-estar e com a paz espiritual dos árbitros.

“Ei, juiz, vai se converter!”, gritava no Engenhão um dos torcedores da Fogospel, a organizada evangélica do Botafogo. Era assim que ele demonstrava seu descontentamento com a arbitragem de Fabrício Neves Correa.

Era quarta-feira, e o Botafogo empatava com o Guarani pela Copa do Brasil. Quinze torcedores faziam ali uma extensão de suas igrejas.

Eles balançavam bandeiras e camisetas com imagens de cruzes e bíblias. Seu slogan é um versículo do evangelho de João: “Jesus te ama”.

As canções que dirigem ao time têm o ritmo de hinos de louvores do pop gospel.

“Se eu pudesse reconstruir as músicas do Botafogo, faria tudo sem palavrão”, afirma o pastor Hércules Martins, 41, fundador da torcida.

Em seguida, ele entoa uma versão light da canção que o Engenhão canta ao goleiro Jeferson, evangélico fervoroso.

A original traz um palavrão logo no primeiro verso.

Líder de uma pequena igreja em Olaria, o pastor reuniu seu rebanho botafoguense para apoiar o time e, de quebra, levar torcedores violentos ao caminho da paz.

Ele diz que financia a torcida por doações próprias e não com os dízimos à igreja.

Hércules, barba escanhoada, comanda antes de todos os jogos uma roda de oração sob a estátua de Mané Garrincha na entrada do Engenhão.

Com fervor típico das pregações evangélicas, ele pede proteção divina aos torcedores e ao time alvinegro. “Quero criar um ministério para amparar o Botafogo espiritualmente”, diz o pastor. “Dar uma Bíblia para cada atleta”

Em tempos de violência entre as organizadas, a Fogospel transmite uma mensagem de paz a suas congêneres.

Nos intervalos dos jogos, distribui panfletos com testemunhos de fé e convida os torcedores a encontrar Jesus.

A organizada diz estar incentivando outros torcedores a criar facções evangélicas. O filho do pastor, por exemplo, se engajou na fundação da Gospel Fla, para o Flamengo.

A organizada do Botafogo se orgulha de apoiar o “Glorioso”, apelido imortalizado pelo hino composto por Lamartine Babo. “Servimos ao Glorioso, Deus dos céus e da terra, e torcemos pelo Glorioso, time da Estrela Solitária.”

A Fogospel prova que torcer pelo Botafogo é mesmo um ato de fé. O alvinegro levantou só dois títulos estaduais na última década. E, em breve, fará 15 anos seu último caneco de relevância nacional, o Rio-São Paulo de 1998.

“O Botafogo tem uns estigmas de azar, e os evangélicos acreditam muito nessas coisas”, afirma o pastor. “Quem sabe não conseguimos quebrar isso, abençoar o time.”

Quando o alvinegro pegar o Bangu hoje, às 18h30, pela semifinal da Taça Rio, a Fogospel promete estar em maior número. A direção diz ter 200 pessoas na torcida.

Mas se a equipe chegar à final, a torcida cristã quase não será vista no Engenhão.

Isso porque o jogo será no domingo, dia em que os fiéis se dedicam só ao Senhor.

Como estão no culto, eles não vão ao estádio. No máximo, nomeiam representantes que pedem autorização ao seu pastor para levar ao menos uma faixa ao Engenhão.

“Somos apaixonados pelo time, mas amamos a Deus”, resume o pastor Hércules.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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