Religiosos interessados em concorrer na disputa de outubro se rebelaram contra documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que condena entrada dos sacerdotes no pleito

A fé, misturada à política, move muito mais do que montanhas, gera votos. Mas a combinação colocou em lados opostos setores da principal religião praticada no Brasil. Padres católicos, interessados em concorrer nas eleições municipais de outubro, se rebelaram contra carta do arcebispo de Mariana, dom Geraldo Lyrio Rocha – também presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) –, retaliando a entrada dos sacerdotes na briga pelas prefeituras e câmaras municipais.

À frente dos clérigos, a Associação Nacional de Presbíteros do Brasil (ANPB) destacou um representante para rodar o Brasil, selecionando e preparando candidatos para a disputa.

O encarregado da catequização política é o vice-presidente da associação, Alírio Bervian, da paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Altamira, no Pará. O sacerdote justifica a tarefa que desempenha e a participação dos padres na política: “Mostra-me tua fé sem obras que te mostro minha fé com obras”, afirma, citando trecho da Bíblia que faz parte do livro Epístola de São Tiago.

A carta refratária ao lançamento de candidatos clérigos foi lida pelo próprio dom Geraldo Lyrio, no XVIII Encontro de Presbíteros e Diáconos da Arquidiocese de Mariana, realizado entre 22 e 25 de abril. O texto, conforme padres que participaram da reunião, afirma que os clérigos candidatos terão as atividades sacerdotais restringidas. Não poderão realizar missa, casamentos ou batizados durante a campanha. Na hipótese de vencerem as eleições, o impedimento segue ao longo de todo o mandato. A reportagem do Estado de Minas não conseguiu falar com o presidente da CNBB.

Documento

O posicionamento do arcebispo é a mais nova investida da Igreja Católica contra candidatos padres. Em 2001, a cúpula da CNBB, em Brasília, publicou o Documento 67 que, com base no Código de Direito Canônico, de 1983, pregava contra a participação de sacerdotes da religião nas eleições. Um dos trechos afirmava que “os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no poder civil”.

A publicação afirmava ainda haver restrições quanto à atuação político-partidária dos padres e que a filiação a legendas estava condicionada “a juízo da competente autoridade eclesiástica” (bispos e arcebispos) desde que para defesa dos direitos da Igreja ou para promoção do bem comum.

O texto tinha em vista o pleito de 2002, quando foram eleitos deputados estaduais, federais, senadores, governadores e presidente da República. Dois anos depois, a CNBB editou nova publicação contrária à participação dos padres na política, desta vez, para as eleições municipais de 2004. A pressão não impediu que sete padres fossem eleitos prefeitos somente em Minas Gerais: venceram em Ouro Branco e Rio Manso (região Central), Bom Jesus do Galho (Vale do Rio Doce), Manhumirim e Guiricema (Zona da Mata), São Francisco (Norte) e Bonfinópolis de Minas (região Noroeste do estado). “Uma coisa é o que a Igreja tem que declarar oficialmente. Outra é a posição individualizada de cada padre”, afirma o sacerdote Alírio Bervian.

Argumento

O vice-presidente da ANPB já prepara a argumentação para rebater o posicionamento da Regional Leste da CNBB. “Vamos questionar os bispos, dizendo que não podem agir dessa forma. O padre, além de cristão, é cidadão. Aqueles que criticam os clérigos na política deveriam ser contra também os sacerdotes católicos professores e fazendeiros, já que estão se beneficiando pessoalmente (recebendo salários e retirando lucros dos negócios) e não estão colaborando tanto com a sociedade.”

Segundo ele, o ideal é que os padres não consultem a CNBB para se lançarem candidato. “Se perguntar, recebe um não. Então, é melhor seguir a consciência, a convicção”, diz. Alírio, de 60 anos, ordenado há 25 anos, é um antigo conhecido da CNBB para assuntos polêmicos. “Um dia, comentei com o bispo que iria a um encontro de padres casados. A resposta foi que ele iria me repreender. Afirmei que não queria licença para participar, mas que já estava indo para a reunião”, diz o clérigo, que não é casado. Alírio afirma não se lembrar do nome do bispo, mas ressalta que foi ameaçado de retaliação, que nunca ocorreu.

A dificuldade da CNBB em inibir a participação de padres em eleições, em parte, ocorre porque parcela dos próprios bispos não são contra clérigos assumirem mandatos. Um exemplo é o ex-presidente da CNBB, dom Luciano Mendes de Almeida, morto em 2006.

Apesar de toda a vontade política, o vice-presidente da ANPB afirma não ter um levantamento sobre o número de padres que deverão se candidatar em outubro. A associação tem cerca de 1,4 mil filiados em todo o país. “Ainda estamos vendo. Minas é um estado que surpreendeu, por exemplo. Para mim, era um estado tradicional, mas vemos aí sete municípios com prefeitos padres”, diz.

Fonte: UAI

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