Muçulmanos irritados com as observações do Papa Bento 16 sobre o Islã não são os únicos falando sobre a possibilidade de um pedido de desculpas. “Por que deveria pedir desculpas?” perguntou Daniele Corbetta, 43, psicóloga em Roma. “Existe liberdade de expressão, e o que ele disse é objetivamente verdadeiro.”

Havia, sem dúvida, certa efervescência onde Corbetta estava, com milhares de peregrinos e turistas, provavelmente poucos muçulmanos, na praça de São Pedro na quarta-feira (20/9), quando o papa novamente falou do discurso no qual havia citado o imperador medieval que chamou o Islã de “diabólico e desumano”.

Três dias depois de dizer que “sentia muito” pela reação as suas observações feitas na semana passada na Alemanha, Bento procurou esclarecê-las mais uma vez.

“Essa citação, infelizmente, foi mal entendida”, disse ele, aludindo aos protestos e ataques a igrejas por muçulmanos ofendidos. “De forma alguma eu queria tornar minhas as palavras do imperador medieval.”

“Queria explicar que quem anda junto não é a religião e a violência, mas a religião e a razão”, disse ele, e acrescentou que esperava ter deixado claro seu “profundo respeito pelas religiões mundiais e pelos muçulmanos”.

Mas na multidão aqui, e em grande parte do mundo não muçulmano, havia vozes como a de Corbetta, dizendo que o papa não precisava ficar se explicando.

Talvez ele pudesse ter sido mais diplomático em sua escolha de citações em seu discurso em Regensburg, Alemanha, dizem alguns. Mas católicos e outros não muçulmanos dizem que Bento tinha se distinguido de outros líderes mundiais nesta época de tensão, falando sobre a violência e o Islã – e que a reação violenta às suas observações simplesmente provavam seu ponto.

“Já era hora de alguém das religiões judaico-cristãs do Ocidente finalmente falar que alguns dos ensinamentos de Maomé são usados de forma violenta”, disse Steven Gottesfeld, 40, judeu americano que participou com sua mulher católica romana da audiência semanal pública do papa.

Para alguns católicos, o discurso de Bento – com toda sua complexidade e tudo que continua obscuro sobre o que ele queria dizer – foi um ponto importante em seu pontificado e talvez um momento histórico de clareza. Eles dizem que assim como seu predecessor, João Paulo II, teve um papel importante no fim do comunismo, talvez o papel de Bento seja falar contra o islamismo militante.

Alguns defensores do papa dizem que ele não deveria fazer o pedido de desculpas que muitos muçulmanos estão exigindo. Para eles, o uso das palavras “sinto muito” no domingo já deu a impressão de recuo.

“Para mim pareceu que, ao pedir desculpas e recuar um pouco, ele estava estimulando mais da violência e revolta nas ruas”, disse Edward Morrissey, 43, que nesta semana divulgou uma “carta aberta” ao papa em seu blog Captain ‘s Quarters, instando-o a não pedir mais desculpas.

“É da natureza do radicalismo que se você der uma polegada, eles pegam uma milha. Por isso eu queria dizer: não passe disso”, disse ele em entrevista telefônica de Minnesota, onde trabalha como gerente de uma central de atendimento.

É difícil saber como católicos e outros não muçulmanos se dividem sobre as observações do papa. Certamente um grande número de fiéis acha que de fato escorregou em seu discurso.

“Ele devia pedir desculpas. Coloca-se muita ênfase nos fundamentalistas islâmicos, nos militantes, e não na fé. Nós adoramos o mesmo Deus. Eles têm respeito pela Virgem Maria”, disse Jennifer Ferreris, 20, estudante de teologia do Boston College, que veio ver o papa falar durante uma viagem a Roma.

Mesmo que Bento tenha sugerido algo que alguns acreditam ser verdade – sobre um elo entre a violência e o Islã, especialmente depois dos ataques de 11 de setembro – os críticos dizem que não é necessariamente o papel do papa dizê-lo. Isso poderia minar sua autoridade como figura acima dos conflitos, dizem eles, ou até alimentar um ódio contra muçulmanos contrário ao cristianismo.

“Perdi um pouco do respeito por ele”, acrescentou Ferreris. “Talvez tenha agido inadvertidamente, mas ele é chefe de nossa igreja; deveria ser o mais tolerante.”

Se a segurança da audiência geral semanal, aberta a todos, estava reforçada em resposta às ameaças de morte em sites militantes islâmicos, era difícil de perceber. Em um dia de outono perfeito, o papa chegou ao local como sempre em um “papamóvel” sem vidros blindados.

A raiva no mundo muçulmano parece estar esfriando. Na terça-feira, até o presidente Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, que fez declarações extremas sobre inúmeros assuntos, expressou “respeito” pelo papa e aprovação por ele ter “modificado” suas observações.

Ainda assim, o Vaticano parecia ansioso em reduzir tensões. As observações de Bento na quarta-feira foram a quarta vez que o Vaticano tentou esclarecer o assunto – incluindo a rara expressão papal de arrependimento no domingo.

Mas se suas palavras constituem um pedido de desculpas é uma das questões mais contenciosas, tanto entre católicos quanto entre muçulmanos.

“O papa expressou pesar pelas reações, mas não retirou um milímetro do que disse, pela simples razão que não tem intenção ou necessidade de fazê-lo”, disse o reverendo Thomas Berg, diretor executivo do Instituto Westchester de Ética e da Pessoa Humana, em Nova York. “O que ele disse em Regensburg foi cuidadosamente calculado, e a mensagem continua valendo. Ele estava chamando o mundo muçulmano a sentar-se na mesa da religião equilibrada.”

Para alguns dos defensores mais conservadores do papa, suas observações foram saudadas como uma afirmativa de sua abordagem geralmente mais dura ao Islã do que seu predecessor. Para eles, o discurso sugeriu o tipo de conversa honesta que pode produzir resultados, em vez de meras palavras sobre liberdade religiosa e “reciprocidade” – a idéia que cristãos devem apreciar a mesma liberdade em países muçulmanos quanto muçulmanos em países cristãos.

Rocco Buttiglione, ex-ministro da cultura italiano e intelectual católico conservador que conhece o papa pessoalmente, disse que o discurso era um exemplo da crença de Bento que o diálogo com outras fés começa com honestidade sobre si mesmo e o outro. Ele observou que grande parte do discurso do papa criticava o Ocidente.

“No começo é difícil”, disse ele. “Se você for amigo de uma pessoa e quiser falar a verdade com ela, a primeira reação provavelmente será ruim. Mas, com o tempo, ela vai entender.”

A questão, entretanto, é enturvada pelo fato de que o papa e o Vaticano parecem estar dizendo que ele não estava marcando uma posição específica sobre o Islã, que o discurso era uma condenação geral da violência em nome da religião.

Então continua a incerteza: se ele disse alguma coisa sobre o Islã, se de fato pediu desculpas ou se foi completamente direto, seja em suas observações originais ou em seus esclarecimentos subseqüentes. Para Buttiglione e outros partidários, o caso serve de um exemplo de como este novo papa funciona quando tem opiniões fortes sobre alguma coisa, mesmo que cause controvérsia.

“Acho que é apenas o começo”, disse ele. “Tenho certeza que Bento 16 tem muitas surpresas armazenadas. Ele não tem medo.”

Fonte: The New York Times

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