Papa Bento XVIO papa Bento 16 afirmou numa longa e rara entrevista a uma TV alemã e à Rádio Vaticano, que o catolicismo não deve ser visto como uma “coleção de proibições”, mas como uma Igreja com valores afirmativos. Ele também falou de si mesmo e disse que deseja visitar a Terra Santa, mas somente “em tempos de paz”.

Na entrevista, contou que não se sente solitário na sua função e que não tem a força suficiente para fazer muitas viagens longas, marca do seu antecessor, João Paulo 2o.

O papa se disse feliz pelo mundo notar agora outros aspectos da sua personalidade e, assim, corrigir a imagem de pessoa severa que muitos tinham dele. Antes de ser eleito papa em 2005, o cardeal Joseph Ratzinger tinha a responsabilidade de garantir a aplicação da doutrina da Igreja.

A entrevista, que será publicada no site do Vaticano, www.vatican.va, foi feita na semana passada, no sul de Roma, onde o papa passava parte do verão. Ela foi transmitida como parte dos preparativos para viagem do papa à Alemanha, seu país-natal, no mês que vem.

O papa Bento 16 declarou que, embora não fosse viajar o tanto que João Paulo 2o viajou, ele desejava visitar a Terra Santa, mas somente “em tempos de paz”.

“O cristianismo, o catolicismo não são uma coleção de proibições”, afirmou o papa, com 79 anos. “É uma opção afirmativa. Temos ouvido tanto a respeito do que não é permitido que agora é hora de dizer: temos uma idéia positiva a oferecer.”

O papa, ao responder a uma pergunta sobre as posições da Igreja contra aborto, métodos contraceptivos e casamento gay, disse:

“Primeiramente, é importante enfatizar o que queremos. Depois, também podemos ver por que não queremos algo. Acredito que precisamos ver que não é uma invenção católica o fato de o homem e a mulher terem sido feitos um para o outro para que a humanidade possa continuar existindo. Todas as culturas sabem disso”, afirmou.

Perguntado se a Igreja não deveria sair de algumas das suas posições defensivas, ele reconheceu que a instituição tinha que aprender melhor sobre como enfatizar o positivo.

“Precisamos fazer isso, acima de todas as coisas, num diálogo com culturas e religiões”, declarou, acrescentando que alguns africanos e asiáticos ficam “horrorizados com a frieza da nossa racionalidade (Ocidental)”.

Mulheres

Bento 16 também afirmou que a Igreja tem refletido muito sobre o papel das mulheres, mas repetiu que elas não podem se tornar padres, porque Jesus Cristo escolheu apenas homens como seus apóstolos.

Ele sugeriu, entretanto, que o direito canônico, que dá somente aos homens ordenados o poder das grandes decisões na Igreja, pode ser mudado um dia para que a mulher tenha mais influência.

“Vamos ter que ouvir Deus para que não fiquemos no caminho das mulheres”, disse.

O papa afirmou que chamaria mais encontros de cardeais de todo mundo para discutir temas da Igreja.

Sobre Aids, ele declarou que a opinião pública não tem tratado a Igreja, contrária ao uso de preservativos, de forma justa, principalmente na África.

“Em muitas áreas, a Igreja é a única estrutura que se mantém intacta. Oferecemos tratamentos, tratamentos para Aids também, e oferecemos educação”, afirmou o papa.

“Acho que devemos corrigir essa imagem da Igreja que espalha severos ‘nãos’.”

O papa conversou livremente sobre aspectos pessoais da sua função.

“Para falar a verdade, eu não sou tão solitário”, comentou quando questionado se às vezes sentia-se separado do mundo pelo rigor do seu trabalho. Ele, no entanto, declarou que esse trabalho “é realmente cansativo”.

Sobre futuras viagens, ele afirmou: “Preciso dizer, eu nunca me senti forte o suficiente para planejar muitas viagens longas.”

Além da Alemanha no mês que vem, o papa tem viagem marcada para a Turquia em novembro e para o Brasil no ano que vem.

OUTRA ENTREVISTA:

“A guerra é a pior solução para todos “, diz Bento 16

No sábado (05/08), o papa alemão recebeu representantes da imprensa em sua residência de verão em Castel Gandolfo. Durante 35 minutos, jornalistas das emissoras alemãs DW-TV, ARD, ZDF e da Rádio Vaticano conversaram sobre acontecimentos atuais da política, religião e sociedade com o papa, que visitará sua cidade natal na Baviera, entre 9 e 14 de setembro próximo. A entrevista foi transmitida pelas emissoras de tevê na noite deste domingo (13/08).

O objetivo da visita à Alemanha é o desejo de querer voltar a ver os lugares, as pessoas com as quais cresceu e que fizeram parte de sua vida, admitiu o papa, de 79 anos. Naturalmente que um papa sempre encara uma viagem como uma viagem pastoral, isto é, como uma tarefa missionária. Bento 16 vê acima de tudo na cooperação entre os povos, na busca conjunta por chances de reconciliação e de paz, a mensagem essencial da fé cristã.

Uma fé, no entanto, que na Alemanha – e de forma geral na Europa Ocidental, que se distancia cada vez mais do Cristianismo –, mal está sendo compreendida. O motivo disso é visto pelo papa da seguinte maneira:

“No mundo ocidental vivemos hoje uma onda de um novo iluminismo drástico ou laicidade, ou como queiram chamar. Crer tornou-se difícil porque o mundo em que nos encontramos é feito completamente por nós mesmos e Deus, por assim dizer, já não aparece mais diretamente nele. Os homens construíram seu próprio mundo e encontrá-Lo neste mundo tornou-se algo muito difícil.”

Frieza ocidental com relação a Deus

Ao mesmo tempo, o papa constata uma tendência de certa forma contrária: religião, sim; fé, não, obrigado. Pelo menos é assim que Bento 16 percebe a divisa no Ocidente. Como motivo para isso, ele cita a facilidade hoje existente de contatos entre diferentes culturas com fortes características religiosas. Possivelmente o papa refira-se aí a comunidades cristãs nos continentes africano e asiático, assim como ao mundo islâmico:

“Por outro lado, o Ocidente é hoje tocado fortemente por outras culturas onde a base religiosa é muito forte, e elas se horrorizam com a frieza que encontram no Ocidente com respeito a Deus. E esta presença do sagrado em outras culturas toca novamente o mundo ocidental, nos toca a nós, que nos encontramos no cruzamento de tantas culturas. E também do âmago do ser humano no Ocidente e na Alemanha volta a brotar a pergunta por algo maior.”

Experiência da Europa para a América Latina

O futuro da Igreja, no entanto, e nisso os estudiosos concordam, não está na Europa, mas em outros continentes. Bento 16 tenta ver algo de positivo nisso: com isso a Igreja se diversificaria. Segundo o papa, é bom que os temperamentos, os dons próprios da África, da Ásia e, em particular, da América Latina, possam se expressar. A Europa, entretanto, deve continuar repassando sua experiência aos demais continentes. Esta também seria, segundo Bento 16, a opinião dos bispos da Igreja universal:

“Todos os bispos de outros continentes afirmam: continuamos necessitando da Europa, ainda que a Europa seja apenas parte de um todo maior. Desta maneira, é importante que agora não capitulemos e digamos: «Tudo bem, somos apenas uma minoria, vamos tentar ao menos conservar nosso número reduzido’. Temos de conservar vivo o nosso dinamismo e iniciar relações de intercâmbio.”

A Igreja geralmente é vista no Ocidente como admoestadora, uma voz que repreende, que freia. Em questões importantes, como por exemplo decisões éticas, o Ocidente mal se orienta pelos valores cristãos. Neste aspecto, Bento 16 afirma que a Igreja tem que deixar mais claro o que quer. Segundo ele, ela teria de manifestar isso acima de tudo através do diálogo de culturas e de religiões. De forma recíproca, ele pede ao mundo secularizado que não interprete a fé cristã como um obstáculo, mas a veja como uma ponte para o diálogo:

“Não se pode pensar que a cultura puramente racional tenha, graças a sua tolerância, uma aproximação mais fácil das demais religiões. Falta-lhe em grande parte o órgão religioso e, com isso, o ponto ao qual os outros querem se reportar e a partir do qual querem entrar em relação. Por isso devemos e podemos mostrar que, justamente na nova interculturalidade em que vivemos, a pura racionalidade desvinculada de Deus não é suficiente, mas que é necessária uma racionalidade mais ampla, que veja Deus em harmonia com a razão.”

Neste ponto, Bento 16 formulou sua preocupação principal: fé e razão são, sim, conciliáveis entre si. Além disso, a Igreja deve, segundo ele, resistir ao espírito da época de forma produtiva.

Numa era de superpopulação e aids, acima de tudo no continente africano, a Igreja católica sob o comando de João Paulo 2º colheu muitas críticas ao proibir a contracepção. Também o papa Bento 16 foi confrontado com a pergunta sobre se para sua Igreja a moral é mais importante que o indivíduo.

Progresso para ajudar a crescer

O papa vê na educação e na formação a solução para a África – tanto no aspecto da moral sexual como para o problema da pobreza:

“Cada vez estou mais convencido – e isto se cristalizou também no diálogo com os bispos africanos – que a questão fundamental, se quisermos dar uma passo à frente neste sentido, é a educação, a formação. O progresso só será um progresso real se servir ao ser humano e se fizer o ser humano crescer, não só no seu poder técnico, mas também na capacidade moral. Mas se só difundirmos o know-how, se só ensinarmos como se constroem e se usam máquinas e como se usam os métodos de contracepção, então não devemos nos admirar de que ao final temos guerras e epidemias de aids. Nós precisamos de duas dimensões: é necessário ao mesmo tempo formar o coração, se posso me expressar deste modo, para que a pessoa adquira referências e possa aprender a usar corretamente sua técnica.”

É justamente isso que a Igreja católica estaria tentando através de uma grande rede de escolas que mantém na África e em muitos países asiáticos. Lá, segundo o papa alemão, pode-se “adquirir verdadeiro conhecimento, capacidade profissional, e com ela atingir autonomia e liberdade”.
Nestas escolas, também se ensina a importância da reconciliação. Em grande parte da África, as relações entre muçulmanos e cristãos são exemplares e os bispos já formaram comitês com os muçulmanos para interceder pela paz em situações de conflito, disse Bento 16.

A política atual não teve muito espaço na entrevista do Papa a jornalistas alemães. Questionado sobre a situação no Oriente Médio, Bento 16 lembrou que a Santa Sé não dispõe de possibilidades políticas, podendo apenas apelar:

“A guerra é a pior solução para todos. Ele não traz nada para ninguém, nem para os supostos vencedores. Na Europa sabemos muito bem disso, como conseqüência de duas guerras mundiais. Aquilo de que nós todos necessitamos é a paz.”

Fonte: Reuters e DW World

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