A Organização Não-Governamental (ONG) Restaurando Vidas, na Penha, acusa um grupo de vigilantes da SuperVia de cobrar propina para permitir que integrantes da ONG peçam contribuições nos trens — o que é proibido pela concessionária.

Seis guardas são apontados pela instituição como os envolvidos no esquema que permite a circulação de pedintes nos vagões.

Segundo o coordenador da ONG, Gilberto Reis, para burlar a proibição da empresa, vigias cobram R$ 50 por semana. Nos trens, integrantes do projeto arrecadam dinheiro em latas para manter um abrigo de ex-dependentes químicos e ex-moradores de rua. Pastor da Assembléia de Deus, Reis afirma que, depois de pagar a propina duas vezes, outros guardas passaram a lhe pedir dinheiro.

Os pedidos de propina começaram há um mês. Segundo Reis, os internos da casa já vinham arrecadando dinheiro nas estações nos últimos seis meses, sem qualquer cobrança. Depois de pagar a passagem, as duplas de ex-moradores de rua explicavam as razões do pedido de ajuda e recebiam as doações.

Após os primeiros pedidos de propina, o pastor tentou fazer o registro de ocorrência em quatro delegacias. Segundo Reis, os policiais alegaram que não poderiam registar a denúncia por falta de provas.

— Estávamos sem saída. A maneira de provar a verdade era aceitar e gravar a oferta — afirma Reis.

As conversas por telefone com os pedidos de propina de seis dos guardas da SuperVia foram gravadas em fitas cassete por Reis, criador do Projeto Restaurando Vidas. Nos telefonemas, vigilantes das estações de Madureira, Engenho de Dentro, Bento Ribeiro, Oswaldo Cruz e Japeri negociaram a propina. Segundo Gilberto Reis, o acerto semanal era de R$ 50 para cada um dos dois ramais (Deodoro e Japeri). Integrantes do projeto — quatro por ramal — pediam nos vagões duas vezes por semana, das 8h às 11h, conseguindo ao todo cerca de R$ 240.

Supervia diz que diretor de ONG acoberta corrupção

Reis conta que, com as gravações, retornou às delegacias e não conseguiu fazer o registro. Também procurou a SuperVia para denunciar.

— Já não agüentava mais. Os guardas passaram a ligar para minha casa. Eles também quebraram a lata para retirar as moedas dos internos — conta o pastor.

A SuperVia confirma que Reis esteve na concessionária há 15 dias para apresentar as denúncias. Ele foi recebido por um responsável pela segurança e um advogado da empresa. Os representantes da concessionária disseram que os guardas seriam punidos e afastados. Com medo, o pastor não aceitou apontar os envolvidos no esquema nem sob a condição de que eles seriam demitidos alguns meses depois, de forma que os vigilantes não associassem a punição à denúncia.

Para a concessionária, ao agir assim, Reis está acobertando a corrupção. A SuperVia também alegou que não poderia tomar providências sem identificar os acusados. Segundo a concessionária, há 580 vigilantes nas estações. De acordo com a empresa, nos vagões não são permitidos pedintes nem ambulantes.

— Não vendemos nada. Fazemos uma divulgação sobre o projeto além do uso abusivo do álcool e das drogas. O papel levado pelos internos para o trem é recolhido no fim da explicação — diz um missionário e voluntário da casa.

Localizada na Rua Frei Gaspar, na Penha, a casa de recuperação do Projeto Restaurando Vidas abriga 80 ex-moradores de rua. Segundo Reis, 65 dos internos foram encaminhados pela prefeitura ou por outros órgãos públicos. O abrigo sobrevive das doações de moedas feitas em sinais de trânsito, ônibus e trens. Apesar de não ter convênios com a prefeitura, assistentes sociais do município encaminham internos para o abrigo.

— O dinheiro da arrecadação é usado pelos internos para comprar pasta de dente, desodorante e comida para casa — diz o pastor.

Reis explica que resolveu fazer a denúncia para chamar a atenção das autoridades e mostrar os problemas da casa. Segundo ele, o dinheiro arrecadado pela entidade não é suficiente para comprar os 20 quilos de arroz e oito de feijão necessários para fazer o almoço diariamente:

— Pedimos apenas dinheiro para comprar comida para nossa obra, que trata pessoas que viveram nas ruas e eram dependentes químicos.

Sobre a denúncia de Reis de não ter conseguido registar o caso nas delegacias, a Polícia Civil informou que, nessas situações, as vítimas devem ir à Delegacia Superior do Dia, na Rua da Relação 42, no Centro.

Fonte: Globo Online

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