Entre os cinco maiores medos pesquisados pelo Datafolha desde 1983, problemas econômicos perderam liderança do ranking. Ter um jovem da família envolvido com drogas é um medo que dobrou nos últimos 25 anos, quando o Datafolha foi fundado.

Troque o horror da violência pelo fantasma da economia e está aí um retrato dos medos do paulistano há 25 anos. A mudança salta aos olhos na comparação entre a primeira pesquisa realizada pelo Datafolha, em 1983, e a mais recente, realizada há duas semanas.

Há um quarto de século, os paulistanos sentiam calafrios só de pensar na “alta do custo de vida”. Era, afinal, época de recessão. O PIB (Produto Interno Bruto) começava a ser negativo após uma década de “milagre econômico”. O desemprego crescia e a inflação marcou 164% só em 1983. Hoje, a violência tomou esse lugar (veja o primeiro quadro acima).

Ambos os levantamentos, de 1983 e de 2008, foram estimulados: o pesquisado escolheu, entre cinco situações apresentadas, a que lhe dava mais medo. “Essas situações mostravam as principais preocupações da época. Hoje, seriam outras. Refizemos para efeito de comparação”, diz Mauro Paulino, diretor do Datafolha.

Drogas

Assim, o medo de um “jovem da família se envolver com drogas” é hoje o maior pesadelo paulistano daqueles cinco possíveis. Dobrou neste quarto de século. E, claro, a mudança não é conseqüência apenas da estabilidade econômica.

No período, a violência teve um salto, mas agora reflui. Em 1980, aconteciam 12,8 homicídios por 100 mil habitantes do Estado de São Paulo. Em 1999, houve o recorde: 28,4 homicídios a cada 100 mil paulistas. No ano passado, foram 11,8 assassinatos por 100 mil.

“Há agora essa epidemia de crack, que contribuiu muito pra aumentar o medo da droga”, diz a antropóloga Alba Zaluar, especialista em pesquisas sobre violência.

Nos anos 80, a palavra crack era usada principalmente para se referir à quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O primeiro registro de crack do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) em São Paulo é de junho de 1990, quando foram apreendidos 220g com um barbeiro na zona leste. Após dois anos, a droga estava disseminada pela cidade.

“E é uma droga que arrebenta com a pessoa”, continua Zaluar. “Faz cometer loucuras e que é barata. A cocaína é muito mais temida que a maconha. Mas o crack é a mais temida de todas.” Para Zaluar, o medo da população não se restringe a ver um familiar consumindo: “Se envolver com cocaína e crack é se envolver com traficantes, com a criminalidade”.

O sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares é mais pessimista: “Se o medo é de que os filhos se envolvam com drogas, isso reflete não só as drogas, mas também a relação de pais e filhos. Nesses 25 anos, parece ter havido um afrouxamento dessas relações, de tal maneira que a sedução da droga é muito maior.”

“A problemática reflete a nova vulnerabilidade da família em relação a agentes externos”, afirma Soares, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

A morte

Para complementar a pesquisa que deu o pontapé inicial no instituto em 1983, o Datafolha de 2008 fez uma série de outras perguntas.

Uma delas foi qual o maior medo do paulistano, mas sem oferecer as cinco situações limitadoras. Dessa forma espontânea, a violência aparece de longe em primeiro lugar, seguida do temor de morrer e do medo da morte de pessoas próximas (segundo quadro acima).

Para Alba Zaluar, essas três respostas nada mais são do que uma só, “efeito da mesma situação, que o momento de violência contribui para acelerar”.

Outras questões feitas agora permitem comparação com diversas pesquisas sobre comportamento do paulistano em vários momentos dos anos 80 e dos 90, como hábito de fumar ou vontade de nascer no Brasil, caso essa fosse uma escolha possível (quadro acima).

Num levantamento realizado em 1996, por exemplo, 41% dos paulistanos declaravam sentir “muito medo” de seqüestro. Hoje, são 54%, um aumento de quase 30% do temor.

Uma curiosidade salta em uma pesquisa de 1984: os paulistanos relataram ser mais assaltados na época do que relatam hoje, apesar de o medo da violência ser maior agora.

“Isso aponta para a importância da comunicação do risco e da própria circulação das imagens da violência -não são responsabilidade só da mídia, mas fruto também do “diz-que-diz” da cidade, das pesquisas acadêmicas, entidades- na produção do medo”, analisa Eduardo Marandola Jr., geógrafo e pesquisador do Núcleo de Estudos de População da Unicamp.

“Não podemos ignorar, também, a indústria da violência, que é aquela que propala o medo para vender segurança, fazendo-nos crer que estamos inseguros e desprotegidos.”

Marandola, que acaba de produzir tese de doutorado sobre o assunto, conclui: “Vivemos em uma sociedade que tem se notabilizado por uma busca excessiva da segurança e que produz um terrível paradoxo: quanto mais se busca segurança, maior é o abismo que nos separa dela. Pois quando a violência se consuma, mesmo quando nos julgamos protegidos, para onde vamos correr?”

O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, une as pesquisas citadas num “brainstorm”: “Se o país está melhor para se viver, mas ao mesmo tempo está mais violento, aumenta o medo de morrer. É assim: o Brasil (e São Paulo em particular) tem se tornado melhor, mas a violência tem ameaçado. As pessoas estão mais otimistas e ao mesmo tempo receosas de perder o futuro mais promissor.”

Quem diria que algum dia alguém ia sentir saudades dos velhos tempos da inflação?

Fonte: Folha de São Paulo

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