Pela primeira vez na história, o número de americanos que acreditam que a Bíblia é apenas uma coleção de livros escritos por seres humanos comuns superou a dos que creem que ela é literalmente a palavra de Deus —embora a maior parte do público dos Estados Unidos continue acreditando em alguma ligação entre as Escrituras e a sabedoria divina.

Os resultados vêm da edição 2017 de uma pesquisa de opinião realizada há mais de 40 anos pelo instituto Gallup.

Desta vez, 26% dos entrevistados disseram que a Bíblia é só um conjunto de lendas, histórias e preceitos morais, enquanto 24% afirmaram que os textos do Antigo e Novo Testamento são a palavra de Deus e devem ser interpretados ao pé da letra (leia quadro nesta página).

Em 1976, os números eram 13% e 38%, respectivamente.

O grupo mais numeroso entre os entrevistados, porém, é o que escolheu o caminho do meio: 47% das pessoas dizem crer que a Bíblia foi inspirada por Deus, mas não acham que ela deva ser interpretada ao pé da letra.

Esse número quase não variou nas últimas quatro décadas (a proporção nos anos 1970 era de 45% e nunca passou dos 51% de lá para cá).

Realizado no começo deste mês por telefone, o levantamento do Gallup ouviu 1.011 pessoas com mais de 18 anos em todos os 50 Estados americanos. A margem de erro estimada é de quatro pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%.

[b]OS “NONES”
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É provável que o resultado tenha ligação com o fenômeno da ascensão dos “nones” (termo da língua inglesa para “nenhum”), segmento da população americana que declara não pertencer a nenhuma religião.

“Podemos dizer que se trata de outra manifestação dessa mesma tendência”, diz o jesuíta Thomas Reese, analista do jornal “National Catholic Reporter”.

Com efeito, os “nones” hoje correspondem a cerca de um quarto da população dos Estados Unidos e, se fossem uma denominação religiosa, seriam a maior do país, superando os adeptos do catolicismo (que correspondem a um quinto dos americanos).

Entre os chamados “millennials” (nascidos entre o começo dos anos 1980 e o começo dos anos 2000), os “nones” são especialmente numerosos, chegando a 35% da população nessa faixa etária.

Outros países das Américas, como o Brasil, têm observado o crescimento desse grupo, mas em níveis bem mais modestos (cerca de 10% da população brasileira seria “none” hoje).

A descrença na autoridade divina da Bíblia é mais forte entre os mais jovens e os que completaram um curso universitário —em torno de um terço desses grupos vê as Escrituras como obra puramente humana– e, é claro, entre aqueles que dizem não ter religião (68%).

[b]LITERALISMO
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O literalismo bíblico parece ser mais forte, por outro lado, entre grupos étnicos não brancos. “Isso pode estar ligado ao peso histórico das igrejas cristãs negras”, analisa Reese.

Essas comunidades, muitas delas fundadas antes da abolição da escravatura ou durante os anos de segregação racial nos Estados Unidos, são parte importante da identidade cultural negra no país e, em geral, adotam interpretações mais conservadoras da Bíblia.

“Outro ponto importante é a associação entre nível educacional mais elevado e a rejeição do literalismo bíblico. Negros e outras minorias não brancas têm menos acesso à educação superior e, portanto, tendem a adotar essa visão mais literal”, afirma o jesuíta.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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