Pesquisa realizada em março mostra que 47% dos brasileiros votariam a favor de lei para restabelecer a pena capital. Além disso, pesquisa também revela que 76% querem que uso de maconha siga proibido, 45% são contra a união civil de homossexuais, 68% defendem que aborto continue crime no Brasil.

Uma pesquisa Datafolha sobre a pena de morte revela o quanto o apoio a esse tipo de medida extrema pode ser circunstancial e emotivo. No ano passado, logo após o assassinato do garoto João Hélio, 6, no Rio, 55% dos brasileiros apoiavam a adoção da pena de morte no país. Era a maior taxa desde 1993, quando um índice idêntico ao de 2007 foi apurado.

Levantamento realizado entre 25 e 27 de março mostra que esse índice tinha algo de volátil: 47% dos brasileiros votariam agora a favor de uma lei para restabelecer a pena de morte no país. A última vez que o Brasil aplicou legalmente esse tipo de pena foi em 1855.

Os 47% representam uma queda de oito pontos percentuais em relação ao ano passado. Declararam-se contra esse tipo de medida 46% dos entrevistados. Em março de 2007, 40% se diziam contrários.

O Datafolha entrevistou 4.044 brasileiros com 16 anos ou mais em 159 municípios. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

A pesquisa de março último mostra o quanto o tema divide os brasileiros: a diferença entre os que apóiam e os que são contrários à pena de morte é de um ponto percentual -ou seja, está dentro da margem de erro, o que indica uma situação de empate. No ano passado, quando o garoto João Hélio foi arrastado por um carro nas ruas do Rio, essa diferença era de 15 pontos.

Essa divisão sobre a pena de morte não era registrada em pesquisas do Datafolha desde 2003. Naquele ano, 49% se declararam a favor e 47% contra. Nas quatro pesquisas seguintes, a parcela de brasileiros a favor sempre superou os que eram contra a pena de morte.

Uma das maiores quedas do apoio à pena de morte ocorreu no segmento mais rico da sociedade -os que têm renda familiar mensal acima de dez salários mínimos. Nesse segmento, o apoio caiu de 64% em 2007 para 47% agora. Os que recusam esse tipo de medida cresceram na mesma proporção, de 34% para 51%.

Entre os mais pobres, cuja renda familiar mensal não passa de dois salários mínimos, a aprovação à pena de morte recuou oito pontos percentuais -foi de 52% para 44%.

Os mais pobres estão entre os que mais rejeitam a medida. O índice de 44% é o segundo mais baixo de apoio à pena. Só entre as mulheres ele é menor -43%.

O maior repúdio à adoção da pena de morte ocorre entre os que têm curso superior. É um dos poucos segmentos em que taxa de reprovação ultrapassa os 50% -é de 51%.

Outra queda expressiva de apoio à pena capital foi registrada entre os moradores da região Sul do país. Foi de 16 pontos percentuais -de 66% no ano passado para 50% hoje.

A pesquisa flagra a diferença de mentalidades entre os moradores das cidades do Rio e de São Paulo. Entre os paulistanos, 52% dizem apoiar a pena de morte. Já entre os cariocas, esse índice é nove pontos percentuais inferior, 43%.

Mais racionalidade

Dois pesquisadores de violência ouvidos pela Folha, o sociólogo Claudio Beato e a antropóloga Paula Miraglia, afirmam que o resultado da pesquisa aponta uma volta da racionalidade no debate da pena de morte. Ambos são contrários a essa medida.

Beato, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que chamou sua atenção a baixa adesão dos mais pobres à pena de morte.

“A população mais pobre parece perceber que já existe a pena de morte informal no Brasil, praticada pela polícia e por grupos de extermínio, e que isso não funciona”, afirma.

Isso pode explicar, segundo Beato, porque os que têm renda familiar de até dois salários mínimos apóiam menos (44%) a pena de morte do que aqueles que ganham mais de dez salários mínimos (47%). Os mais pobres, de acordo com ele, convivem mais intimamente com a violência e sabem, empiricamente, que não há “soluções simplistas” para combatê-la.

Miraglia, diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), afirma que o resultado da pesquisa acompanha uma percepção que ela tem sobre o debate na área de segurança:

“As pessoas já não acreditam em soluções mágicas”, diz. Para ela, isso pode ajudar a entender por que os mais pobres e as mulheres estão entre os que mais rejeitam a pena de morte.

Sobre os mais pobres, ela tem uma hipótese para a rejeição da pena de morte: “Eles sabem que a Justiça se distribui de maneira desigual e os pobres iriam pagar o pato.”

Já as mulheres, diz ela, rejeitam a medida porque historicamente são as maiores vítimas de violência e conhecem a ineficácia desse tipo de resposta.

76% querem que uso de maconha siga proibido

Três quartos dos brasileiros -ou exatos 76%- dizem querer que o consumo de maconha siga proibido por lei, segundo pesquisa Datafolha. Os que defendem que o uso não seja tratado como crime somam 20%.

Houve uma pequena oscilação em relação à última pesquisa sobre esse tema, realizada em agosto de 2006. À época, 18% defendiam a descriminalização, enquanto 79% queriam que a maconha continuasse a ser um caso de polícia.

A defesa de mudanças na legislação é maior entre os que têm escolaridade mais elevada. Entre os que possuem curso superior, 29% afirmam querer que o uso de maconha deixe de ser considerado crime.
A maior taxa de apoio à descriminalização da maconha foi encontrada no topo da pirâmide econômica: é de 33% entre aqueles com renda de mais de dez salários mínimos.

O maior apoio ao tratamento criminal da maconha ocorre entre os que têm 60 anos ou mais (83%), entre os que ganham até dois salários mínimos e entre as mulheres (82% nas duas categorias).

45% são contra a união civil de homossexuais

A união civil de pessoas do mesmo sexo tem a oposição de 45% dos brasileiros, segundo o Datafolha. Declaram-se a favor 39% e 14% dizem ser indiferentes. Não é possível comparar com pesquisas anteriores porque é a primeira vez que o Datafolha faz esse levantamento.

As mulheres se dividem: 42% são a favor à união e 41% contra. Entre os homens, 49% são contrários e 36% favoráveis.

Entre os mais jovens (16 a 24 anos), 53% são favoráveis; a partir dos 60 anos, 62% contra.

O apoio à legalização sobe conforme a escolaridade aumenta: entre os que só têm o ensino fundamental, 51% são contra e 32% a favor; entre quem tem ensino superior, 51% a favor e 34% contra.

Norte e Centro-Oeste destoam: 52% são contra. Em São Paulo, 43% a favor e 40% contra. No Rio, é semelhante: 43% a favor e 41% contra.

68% defendem que aborto continue crime no Brasil

Sete em cada dez brasileiros, praticamente, defendem que a lei de aborto continue como está. Segundo pesquisa Datafolha, 68% dos brasileiros querem que a lei não sofra qualquer mudança. Aborto é considerado crime pelo Código Penal, punido com pena de prisão de um a quatro anos para a mulher que consentiu a prática.

A taxa dos que querem que o aborto continue sendo tratado como crime está em ascensão. Em 2006, os que defendiam a lei somavam 63%; em 2007, eram 65%. A taxa dos que não querem flexibilizar a lei cresceu 14 pontos percentuais entre 1993 e 2008. Naquele ano, 54% defendiam a punição criminal ao aborto.

Quanto mais elevada a escolaridade, maior é o apoio a mudanças na lei. Entre os que concluíram curso superior, 30% defendem que o aborto seja permitido em mais situações do que é hoje: quando a mulher corre risco de morte, quando há má-formação no feto e quando a gravidez é resultado de crime.

Entre os que só cursaram o ensino fundamental, a taxa dos que são contrários a mudanças é a terceira mais alta: 71%. A segunda taxa mais elevada dos que defendem a manutenção da lei está na região Sul do país (72%). O percentual mais alto é encontrado entre os que têm 60 anos ou mais: 73%.

O grau de urbanização parece influenciar os que defendem mudanças. Um quinto dos moradores das capitais dizem que gostariam de uma lei que permitisse o aborto em mais situações -seis pontos percentuais acima da média nacional. Já nas cidades do interior, 70% querem que a lei siga sem mudanças -dois pontos acima da média. Cariocas e paulistanos têm visões diferentes sobre essa questão. No Rio, o tema é tratado com mais liberalidade -53% defendem que a lei continue a mesma (15 pontos abaixo da média). Já em São Paulo, essa taxa é de 59%.

Campanha

O aumento da taxa dos que são contrários a flexibilizar a lei de aborto pode ter alguma relação com a campanha que a Igreja Católica move contra esse tipo de prática no Brasil.

A campanha mais contundente foi feita pela Arquidiocese do Rio de Janeiro. Lá, no último mês, padres levaram às missas reproduções de fetos.

Foram produzidos 600 bonecos imitando fetos com três meses de gestação. Eles foram usados em procissões e nas 264 igrejas da cidade. Os bonecos de fetos fazem parte da campanha da fraternidade de 2008 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), cujo lema é “Escolhe, pois é vida”.
Em São Paulo, as manifestações da Igreja Católica tiveram um tom menos contundente: foi realizado um ato público contra o aborto na praça da Sé.

O alvo da CNBB é um projeto de lei que descriminaliza o aborto. Ele está parado há 16 anos na Câmara dos Deputados e havia a previsão de que poderia entrar na pauta neste mês.

Fonte: Folha de São Paulo

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