Se havia no Vaticano algum temor de que na visita que o papa Bento 16 faz ao Oriente Médio voltasse à tona algum tema de mal estar por polêmicas envolvendo a Igreja Católica e muçulmanos ou judeus, o Sumo Pontífice passou neste sábado pelo primeiro teste.

O papa Bento 16, chefe da Igreja Católica, respondeu em tom acadêmico a um discurso do príncipe jordaniano Ghazi bin Muhammad bin Talal, muçulmano, que resgatou uma polêmica causada no mundo islâmico por uma declaração que o papa fez em 2006. O papa criticou a manipulação ideológica da religião.

No segundo dia de sua visita à Terra Santa, iniciada na sexta na Jordânia, o papa visitou, em Amã, a mesquita Hussein bin Talal, onde se encontrou com líderes islâmicos, diplomatas de vários países e reitores de universidades jordanianas.

Autor do discurso de recepção ao papa, o príncipe Ghazi bin Muhammad bin Talal, pouco depois de ressaltar que era a terceira vez na história que um pontífice visitava uma mesquita “nova” e a primeira vez na história que um papa visitava uma mesquita “nova” (construída em 2003), lembrou de uma das polêmicas causadas por declarações de Bento 16: uma declaração feita por ele em 13 de setembro de 2006 que foi recebida pelos muçulmanos de todo o mundo como uma crítica indireta a Maomé.

Naquela data, o papa falou a uma plateia da Universidade de Regensburg, na Alemanha, sobre fé, e citou um livro sobre um imperador e um persa do século 14. “O imperador falou: ‘Mostre o que Maomé trouxe, e achará coisas más, como a ordem para espalhar a fé pela espada'”, disse, enfatizando que era uma citação, e afirmou que “a violência é incompatível com a natureza de Deus”. Na época, a declaração gerou uma onda de protestos islâmicos em vários países. O Vaticano negou que ele quisesse dizer que o Islã era “violento”. Dias depois, Bento 16 disse que foi mal interpretado.

No discurso deste sábado, o príncipe Ghazi agradeceu ao papa pelo “arrependimento” que expressou depois da mágoa que aquela fala causou aos muçulmanos. “É claro que os muçulmanos sabem que nada dito ou feito neste mundo pode atingir o profeta… Eles também estimaram especialmente o esclarecimento pelo Vaticano de que o que foi dito não refletia a opinião de Sua Santidade, mas era simplesmente uma citação em uma palestra acadêmica”, afirmou.

O príncipe prosseguiu, lembrando que mal-entendidos sobre muitas das palavras e ações de Maomé “infelizmente são responsáveis pela tensão histórica e cultura entre cristãos e muçulmanos”. Longo, o discurso não teve um tom duro, e bateu várias vezes na tecla da importância do papel do papa no diálogo entre as religiões e na pregação da paz.

Bento 16 discursou em seguida, em tom também ameno, e não tocou diretamente no assunto polêmico, embora não deixasse de “responder”. Começou agradecendo o príncipe por suas “gentis palavras de boas vindas”. Em seguida, afirmou que “as tensões e divisões entre os fiéis de diferentes tradições religiosas, tristemente, não podem ser negadas”. “Entretanto, não é também o caso de que com frequência a manipulação ideológica da religião, às vezes com fins políticos, é o verdadeiro catalisador de tensão e divisão, e também de violência na sociedade?”, perguntou.

“Muçulmanos e cristãos, precisamente por causa das dificuldades de nossa história em comum, tantas vezes marcada por mal-entendidos”, devem hoje buscar serem reconhecidos pela fé em Deus que marca a sua origem comum. “Eu acredito firmemente que cristãos e muçulmanos podem se abraçar”, disse, após citar iniciativas educacionais que a Igreja Católica mantém na Jordânia e que atendem também a população muçulmana (na Jordânia, 92% da população é formada por muçulmanos e 6% são cristãos, em sua maioria ortodoxos).

Aos que assistiram (em resumo, autoridades cristãs e muçulmanas locais, diplomatas, reitores de universidades e jornalistas, pois o evento não foi aberto ao público em geral), ficou a sensação, após os dois discursos, de uma aula sobre os desafios da convivência entre religiões diferentes, tema por onde passa a “peregrinação da paz” de Bento 16 nessa viagem.

“Respeito mútuo”

O padre Nabil Haddad, presidente do Royal Institute for Interfaith Dialogue (Instituto Real para o Diálogo Interreligioso) da Jordânia, que esteve na cerimônia na mesquita com o papa, disse, em conversa com os jornalistas antes da chegada de Bento 16 ao local, que questões polêmicas do passado não devem voltar à tona. “Devemos nos mover para o futuro, com grande esperança, e não ficar olhando para o passado”, disse. “Religião trata de perdão”, afirmou.

Haddad repetiu o que a maior parte dos líderes religiosos tem dito durante essa passagem do papa pela Terra Santa, e que parece ter virado um lema na Jordânia, que tenta servir de exemplo para os vizinhos da região de constantes conflitos: “A grande esperança que temos para o futuro é da construção de compreensão e respeito mútuo.”

Fonte: UOL

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