Uma agência da ONU recuou com relação ao conteúdo de um documento que sugere a seus países-membros que descriminalizem a posse e o uso de drogas, segundo informações obtidas pela BBC. O documento elaborado pelo escritório para drogas e crimes da organização (UNODC, na sigla em inglês) vazou antes de ser publicado e foi alvo de pressão de política de ao menos um país.

Assinado por Monica Beg, chefe da seção de HIV/Aids do UNODC, para uma conferência internacional sobre redução de danos a ser realizada no próximo mês em Kuala Lumpur, o texto diz que “deter e prender (usuários de drogas) são medidas excessivas”.

A posse de drogas é considerada um crime em diversos países-membros da ONU. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal está em processo de julgar se a posse e uso pessoal de drogas é crime, com base em uma ação envolvendo um mecânico de 55 anos condenado por porte de 3 gramas de maconha.

Os ministros do STF analisam a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343, de 2006, que diz ser crime adquirir, guardar ou portar drogas para consumo próprio. A Defensoria do Estado de São Paulo defende que isso viola o princípio da intimidade e da vida privada.

Fontes do UNODC, que supervisiona convenções internacionais sobre drogas, disseram à BBC que o documento nunca foi aprovado como política pela ONU. Um funcionário sênior da agência afirmou que Beg, uma “funcionária de médio escalão”, redigiu a proposta como um ponto de vista profissional.

O UNODC disse que houve um “mal-entendido” quanto à natureza e a intenção do documento, que “segue sob revisão”. Em comunicado, o porta-voz da instituição, David Dadge, disse que o texto tinha como objetivo levantar um debate sobre o tema durante a conferência na Malásia. Dadge negou que a entidade tenha sofrido pressão para revogar o documento e disse que este não era formal nem representava a política defendida pela entidade.

No entanto, o documento vazado afirma ser um “esclarecimento da posição do UNODC na qual países podem basear a promoção de direitos humanos e de saúde em suas abordagens da política de drogas”.

“Tratar o uso não-medicinal e a posse para consumo pessoal como crimes tem contribuído para problemas de saúde pública e levado a consequências negativas para a segurança e os direitos humanos”, afirma o texto.

O UNODC tem sido pressionado há algum tempo para tornar mais clara sua posição quanto à questão. Outras agências da ONU, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Programa das Nações Unidas para HIV e Aids (Unaids), já se manifestaram contra a aplicação de sanções criminais a usuários de drogas.

Defensores da descriminalização acreditam que o UNODC é um elemento-chave para que países mudem suas políticas governamentais antes da reunião da Assembleia Geral da ONU sobre drogas, prevista para abril.

O grupo lobista Transform disse hoje que o relatório é “uma crítica devastadora aos prejuízos causados pela criminalização”.

“A agência da ONU responsável pela guerra às drogas diz que a criminalização do uso é desnecessária, desproporcional e gera danos à saúde, violência e mortes, além de violar obrigações assumidas em prol da saúde e dos direitos humanos”, disse Danny Kushlick, do Transform.

O empresário britânico Richard Branson, que integra a Comissão Global de Política de Drogas, publicou um texto em seu blog sugerindo que todos os governos adotem as políticas apontadas pelo documento da ONU.

“É animador que a UNODC tenha dito claramente que a criminalização é danosa, desnecessária e desproporcional, ecoando preocupações sobre os enormes custos econômicos e humanos da atual política de drogas manifestadas anteriormente pela Unaids, a OMS, o Programa para Desenvolvimento, o Alto Comissariado de Direitos Humanos, a ONU Mulheres e o secretário-geral Ban Ki-moon”, escreveu Branson.

“Espero que essa notícia revolucionária dê poder e coragem aos governos para fazer a coisa certa e avaliar um curso diferente para a política de drogas.”

Além de recomendar a descriminalização do uso e da posse, o documento do UNODC sugere que o mesmo ocorre com o tráfico de pequenas quantidades.

“Crimes menores, como traficar para manter seu uso pessoal e sobreviver em um ambiente marginalizado, podem ser interpretados como de ‘natureza menor’, como dizem convenções internacionais de controle de drogas”, diz o relatório. “Estes casos devem ser alvo de reabilitação, apoio e cuidados, não punição.”

O futuro do documento ainda não está claro. Fontes do UNODC sugerem que seria necessária uma consulta e um acordo mais amplos antes de que suas recomendações se tornem políticas formais.

[b]Fonte: BBC Brasil[/b]

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