[img align=left width=300]https://images.moviepilot.com/images/c_limit,q_auto:good,w_600/rwtovatowhvpwsleqb26/13-reasons-why-credit-netflix.jpg[/img]

Desde que a série “13 reasons why” estreou em 31 de março no serviço de streaming Netflix, pais, professores e especialistas em saúde mental se perguntam que efeito teria sobre os jovens um programa que disseca em seus 13 longos episódios os motivos que levaram Hannah Baker, uma adolescente de 16 anos, a tirar a própria vida.

A série virou caso de saúde pública diante da possibilidade de que a personagem influenciasse o comportamento de outros jovens. Havia a preocupação de que a narrativa em primeira pessoa, com a produção requintada de uma grande série, romantizasse a história trágica, atribuindo a culpa a outras pessoas, não a um problema psiquiátrico que poderia ser tratado. A cena de três minutos que mostra em detalhes o método que Hannah usou para se matar também poderia dar informações demais a quem já pensou em tirar a própria.

Agora, quatro meses após o lançamento, surgem as primeiras respostas. Um grupo de pesquisadores americanos revela os resultados de um estudo que avaliou o impacto real da obra sobre a vida dos espectadores. E as preocupações de saúde pública ganharam novo sentido. “13 reasons why é, infelizmente, um exemplo claro de como ignorar as recomendações de combate ao suicídio resulta em consequências não intencionais, mas terríveis”, afirmou a ÉPOCA o epidemiologista americano John Ayers, pesquisador da Universidade Estadual de San Diego e autor do novo estudo, divulgado nesta segunda-feira (31) em uma das publicações científicas da Associação Médica Americana.

[b]Qual é o efeito?
[/b]
A equipe de pesquisadores liderada por Ayers analisou as buscas feitas por americanos em um grande buscador da internet entre 31 de março, data do lançamento da série, e 18 de abril, véspera do suicídio do jogador de futebol americano Aaron Hernandez. A escolha teve como propósito não contaminar o motivo das buscas com o interesse despertado pela morte do atleta. Eles analisaram o volume de buscas de 20 termos ligados a suicídio, como a palavra em si e outras expressões associadas: “como se matar”, “ideação suicida”, “prevenção do suicídio”, “suicídio indolor”, “suicide hotline” (telefones de serviços de apoio psicológico). O resultado não causou muita surpresa: “O lançamento de 13 reasons why foi seguido rapidamente por um aumento nas buscas na internet relacionadas a suicídio, incluindo métodos para se matar”, afirma Ayers. No período estabelecido pelo estudo, a procura por temas relacionados a esse universo foi 19% do que era esperado, conforme projeções feitas com base em períodos anteriores. Foi 1,5 milhão a mais de buscas.

O estudo revelou que a maioria das pesquisas on-line se referia à ideação suicida, associada ao interesse e ao planejamento mental do suicídio. A expressão “como cometer suicídio” teve um aumento de 26% nas buscas, seguida por “pensamentos suicidas” e “citações sobre suicídio”. As expressões “cometer suicídio” e “como se matar” aumentaram 18% e 9%, respectivamente, no período. Por outro lado, a procura por termos ligados à prevenção, como telefones de centros de valorização da vida, também aumentou, cerca de 20%. O que significa que a série também pode ter dado sua contribuição para aumentar a discussão sobre o problema.

Os pesquisadores são pessimistas em sua análise. Para eles, o balanço entre a promoção da ideação do suicídio e da prevenção é delicado e pode pender para o primeiro. No artigo, afirmam que “13 reasons why” pode ter despertado a sociedade sobre a importância de falar sobre o assunto, mas, acidentalmente, também aumentou a ideação suicida. “Deveríamos estar muito preocupados”, afirma Ayer. “Quanto mais alguém contempla a ideia de suicídio, maior é a probabilidade de que a coloque em prática.” A equipe de Ayers não localizou nenhum caso concreto de suicídio motivado pelas buscas suscitadas pela série, mas outros trabalhos sugerem que esse tipo de pesquisa na internet está intimamente conectado a mortes. Pesquisadores chineses fizeram, em 2011, um estudo bastante localizado, na cidade de Taipé, em Taiwan, cruzando o número de suicídios locais com as buscas na internet por termos associados a suicídio. Perceberam uma clara relação. “A maior parte das buscas por termos médicos, familiares e socioeconômicos associados a causas de suicídio precedia às mortes, enquanto as buscas por termos psiquiátricos coincidiam com elas”, escreveram os autores.

[b]Overdose de ficção?
[/b]
O formato de 13 reasons why, cujos episódios são lançados todos ao mesmo tempo e podem ser vistos em sequência, o chamado “binge watching” (algo como “assistir compulsivamente), também causa preocupação. Ele poderia potencializar os efeitos da ideação suicida, ao submergir um espectador fragilizado nesse universo. “Essa imersão na história e nas imagens pode ter um efeito particularmente forte nos adolescentes, cujo cérebro ainda está desenvolvendo a habilidade de inibir certas emoções, desejos e ações”, afirma a psicóloga americana Kimberley O’Brien, que trabalha com prevenção de suicídio entre adolescentes no Hospital Infantil de Boston e é uma das autoras do editorial que acompanha a publicação do novo estudo. “Para os adolescentes que já pensaram ou estão pensando em suicídio, esse impacto pode ser ainda maior porque para eles a história é totalmente condizente com sua realidade”, disse Kimberley a ÉPOCA. A série, a despeito das preocupações, tornou-se instantaneamente um estrondoso sucesso, em parte por lidar com as angústias e os problemas que os adolescentes enfrentam: pressão para serem aceitos, bullying, difamação nas redes sociais, preconceito de gênero, violência sexual e falta de diálogos com os pais e educadores.

Uma pesquisa realizada nos 1990 pela epidemiologista psiquiátrica Madelyn Gould, uma das referências nesse tipo de estudo, sugere que os jovens são, de fato, mais vulneráveis ao efeito de contágio do suicídio. A pesquisadora da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, investigou as conexões entre diferentes casos de suicídio, concentrados em alguns períodos e regiões, e concluiu que adolescentes entre 15 e 19 anos que haviam sido expostos a relatos de suicídios tinham entre duas e quatro vezes mais chances de se matar do que pessoas de outras faixas etárias. A preocupação com a suscetibilidade dos jovens também tem outras razões. Nas últimas décadas, o suicídio entre os 15 anos e 29 anos se tornou a segunda causa de morte, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, em dez anos, aumentou quase 10%: passou de 5,1 suicídios a cada 100 mil habitantes em 2002 para 5,6 em 2014 – número 20% maior do que a média nacional.

[b]Será mesmo?
[/b]
A ideia de que falar sobre casos de suicídio no noticiário ou transformá-los em histórias da ficção possa ter um impacto real sobre tentativas de suicídio sempre desperta controvérsia. A primeira vez que o assunto ganhou destaque foi no século XVIII, quando o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe publicou, em 1774, o livro “Sofrimentos do jovem Werther”, inaugurando o romantismo na literatura. O sucesso da obra, que [spoiler alert!] contém um episódio de suicídio, deu origem ao que se chamou de “efeito Werther”: a suspeita de que o romance tenha aumentado o número de suicídios.

Décadas de estudos sobre o assunto mostraram que esse tipo de preocupação não é despropositado: hoje, há consenso no meio acadêmico de que o comportamento suicida pode ser contagioso, tanto que a OMS estabeleceu diretrizes, com base em evidências científicas, sobre como abordar o assunto em veículos de comunicação. Por muitos anos, os jornais adotaram como regra não noticiar casos desse tipo. Com o tempo, as pesquisas mostraram que é preciso falar sobre o assunto, mas de maneiras que levem as pessoas com pensamentos suicidas a procurar ajuda. Para isso, deve-se evitar uma linguagem sensacionalista ou que trate o suicídio como algo comum ou como solução para um problema. Imagens e descrições dos métodos usados devem ser evitadas e informações sobre como ou onde procurar ajuda precisam estar disponíveis. As principais críticas à série “13 reasons why” se referem justamente ao fato de que ela desrespeitou todas as recomendações. Apenas dois meses após o lançamento, o Netflix decidiu colocar em todos os episódios – e não apenas em três – avisos sobre o conteúdo explícito da série.

[b]O que a ciência diz
[/b]
A polêmica sobre o contágio do suicídio começou a ganhar respostas concretas nos anos 1970, com as pesquisas do americano David Phillips, que trabalhou nas universidades Johns Hopkins, Stony Brook e da Califórnia. Em trabalhos sistemáticos nas décadas de 1970 e 1980, Phillips mostrou que havia uma forte relação entre as notícias sobre suicídio, veiculadas em jornais impressos e na televisão, e aumentos subsequentes nas mortes por suicídio. Em um estudo de 2000, o sociólogo americano Steven Stack descobriu que esse efeito era ainda maior quando as notícias tratavam do suicídio de celebridades. As pesquisas que analisavam o efeito copycat (“imitação”) após a morte de famosos mostraram que era 14,3 vezes mais provável encontrar replicações do ato do que em estudos que mediam o impacto do relato de suicídio de pessoas comuns. O efeito copycat, por sua vez, era quatro vezes maior quando as notícias eram sobre casos reais do que quando se analisava a importância de obras ficcionais para influenciar as pessoas a tirar a própria vida.

Apesar de o efeito multiplicador ser menor quando a influência vem de romances, filmes e séries, em vez de casos reais e famosos, as obras de ficção também podem ser perigosas para pessoas fragilizadas. Em 1981, dois pesquisadores alemães estudaram o efeito de um suicídio mostrado em um episódio de uma série de TV exibida na Alemanha Ocidental. O número de jovens que tentaram se matar usando o mesmo método apresentado na ficção aumentou nos 70 dias seguintes à transmissão. Em 1999, um estudo na Inglaterra sugeriu o mesmo efeito. Depois que a novela Casualty exibiu um episódio em que um piloto da Força Aérea britânica tomava uma overdose de medicamentos para se livrar do fantasma da morte de um colega em um acidente, as tentativas de suicídio usando o mesmo método cresceram 17% em 49 serviços de emergência da Inglaterra. Na segunda semana, o efeito ainda era sentido: os casos foram 9% mais frequentes. Entre os sobreviventes, 20% relataram aos pesquisadores que a série influenciou sua decisão de tentar tirar a própria vida e 17% afirmaram ter escolhido o método por terem visto o episódio.

[b]O que fazer?
[/b]
Pais e educadores devem aproveitar a inevitabilidade da exposição dos adolescentes a polêmicas como a da série para discutir o assunto. É algo que a Associação Americana de Pediatria recomenda que os profissionais façam em consultório, nas consultas periódicas de seus jovens pacientes. Em janeiro de 2016, a entidade passou a orientar que os pediatras façam uma avaliação anual, por meio de perguntas, para detectar casos de depressão, um dos transtornos psiquiátricos que aumentam as chances de suicídio. A medida vale para jovens entre 11 e 21 anos.

A prática enfrenta certa resistência. Primeiro porque há o temor de que abordar o assunto influencie negativamente. Para a psicóloga Kimberley, do Hospital Infantil de Boston, esse medo é infundado. “Perguntar aos adolescentes se eles já pensaram em suicídio não os faz considerar isso uma opção”, diz Kimberley. “Na verdade, essa pergunta simples pode salvar vidas.” O segundo motivo de resistência esbarra no medo do excesso de diagnósticos e, consequentemente, de medicação. Identificar sinais de depressão em crianças e adolescentes que ainda não têm muita capacidade de elaborar e descrever as próprias emoções pode ser mais difícil, especialmente porque características da fase, como uma certa retração em seu próprio mundo, podem ser confundidas com sintomas. Por isso, pais e adultos que convivem com o jovem são boas fontes na investigação do médico sobre possíveis mudanças de comportamento. Falar sobre transtornos mentais sem tabu – em casa, no consultório, na sociedade – diminui estigmas e facilita que pessoas que passam por esses problemas sintam-se à vontade para pedir ajuda.

[b]Fonte: Site da Revista Época[/b]

Comentários