A seleção do reverendo Joseph Li Shan (foto ao lado), de 42 anos, como novo bispo católico de Pequim, nesta sexta-feira, 21 de setembro, não foi surpresa para os que seguem de perto os assuntos religiosos do país.

Li, 42, subiu paulatinamente pelo clérigo católico chinês, que foi dizimado pela Revolução Cultural e lentamente reconstruído, na medida em que o governo chinês reconheceu oficialmente algumas religiões organizadas. Há algum tempo Li vinha seguindo essa onda.

Menos clara, entretanto, ficou a questão de como Pequim e o Vaticano, cujas relações sofreram inúmeros altos e baixos, resolveram uma nomeação que para ambas as partes envolvia cessão de autoridade.

Nem em Pequim nem em Roma há uma sensação de que a elevação do novo bispo a chefe da paróquia mais proeminente da capital foi um avanço fundamental nas relações. Em vez disso, o que chamou atenção e gerou otimismo foi a forma discreta pela qual a nomeação foi administrada, sem brigas abertas.

“Isso é boa notícia e vai pavimentar o caminho para maior interação entre os dois lados no futuro”, disse Yan Kejia, pesquisador do Instituto de Religião da Academia de Xangai de Ciências Sociais. “A atitude do Vaticano em relação à nomeação de Li Shan mostra que a porta está aberta, apesar das relações não terem sido normalizadas”.

O reverendo Bernardo Cevellera, editor da Asia News, concordou, dizendo: “Este é um ótimo sinal de início de diálogo.” A Asia News cobre assuntos religiosos e mantém laços próximos com o Vaticano.

A nomeação de Li, que era diretor da Igreja Oriental de Pequim e é graduado do Seminário Católico de Pequim, foi o resultado de idas e vindas delicadas entre a China e o Vaticano, cujos detalhes nenhum lado está disposto a publicar ou a admitir. Historicamente, os dois alegam ter a autoridade de nomear bispos. Analistas que seguem os assuntos religiosos sugeriram que Roma listou uma série de católicos chineses com quem estaria confortável, e Pequim escolheu um novo bispo dentre eles, mas também existe a possibilidade de Pequim ter produzido a lista de candidatos, e o Vaticano assinalado sua aprovação de um candidato. Nenhum dos dois lados contou como foi.

“Eles estão lutando pelo poder de escolher bispos no futuro”, disse Agostino Giovagnoli, especialista em China de Saint Egidio, grupo laico católico em Roma com longa experiência em China. “Esse é o verdadeiro problema. No futuro, os bispos devem ser escolhidos pelo governo ou pelo Vaticano? Dessa forma, o problema ainda está em aberto”.

Tão recentemente quanto o dia 30 de junho, em uma carta às autoridades chinesas, o papa Bento disse que o Vaticano “desejaria estar completamente livre para nomear bispos”.

Recentemente, porém, o Vaticano assinalou silenciosamente que essa ordenação teria sua aprovação: notavelmente, a igreja não falou contra, como aconteceu em ordenações anteriores que não tiveram o consentimento do papa. De fato, em julho, o poderoso secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, disse aos repórteres que considerava Li um candidato “muito bom, adequado”.

Liu Bainian, vice-diretor da Associação Católica Patriótica da China, um grupo afiliado ao governo que supervisiona a Igreja Católica chinesa, disse apenas: “O Vaticano concordou com os resultados de nossa seleção de bispos antes, e achamos que essas foram medidas na direção certa. Como eles vêem Li Shan é problema deles, mas é nossa esperança que continuem caminhando na direção certa”.

A China tem um longo histórico de desconfiança de autoridades religiosas estrangeiras, alimentada em parte pelo que a maior parte dos chineses vê como a subjugação humilhante do país pelos poderes Ocidentais nos últimos dois séculos.

Desde a revolução comunista, em 1949, o Estado também manteve estrito controle sobre todos os direitos de associação, significando que cada grupo deve se organizar sob a égide do Partido Comunista. Restrições como essas foram usadas para manter controles rígidos sobre as atividades religiosas. Pequim freqüentemente persegue crentes de grupos religiosos não autorizados, inclusive igrejas católicas e protestantes underground.

O Estado, de fato, dirige todas as igrejas, assim como templos budistas, mesquitas e outros locais de adoração. A China também manteve controle político rígido sobre as nomeações clericais. Li, por exemplo, é representante do Congresso do Povo de Pequim, ou assembléia local, o que sem dúvida reforça suas credenciais aos olhos do governo.

Enquanto a sociedade chinesa foi gradualmente liberalizada, muitos dos 5 milhões de católicos oficiais da China, assim como talvez os 7 milhões de católicos undergournd, segundo algumas estimativas, desejavam relações normalizadas com o Vaticano e com os católicos romanos em todo o mundo.

O governo chinês, de sua parte, gostaria de ver Roma cortar suas relações formais com Taiwan. O Vaticano gostaria de promover maior liberdade de religião na China, flexibilizando, entre outras coisas, os limites rígidos sobre a educação religiosa.

Entretanto, a aproximação dos dois poderia ter ramificações mais amplas para outras religiões, tanto as reconhecidas oficialmente quanto as não oficiais. Protestantes, muçulmanos, budistas e outros talvez busquem obter as liberdades ou a autonomia dada aos católicos na China.

“A China disse abertamente que não tem uma data para estabelecer laços diplomáticos com o Vaticano, mas também disse que tais laços não são impossíveis”, disse Kung Lap Yan, professor de estudos religiosos e culturais da Universidade Chinesa de Hong Kong. “A China precisa do Vaticano para forçar o Taiwan, para isolá-lo por estabelecer relações. Mas também tem medo de se aproximar demais do Vaticano, dando a este mais poder e influência sobre a China”.

Fonte: The New York Times

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