Quando chegou a Berlim, em 1975, o pastor Manfred Fischer, hoje com 61 anos, já “ganhou” uma comunidade religiosa dividida. “Era uma cidade-metade, como quem tem uma perna cortada fora”, lembra o pastor. Após a unificação, Fischer fundou Centro de Documentação.

Com a construção do Muro de Berlim, 14 anos antes, a igreja luterana havia ficado do “lado oriental” da Bernauer Strasse (a Rua Bernauer), que foi cortada ao meio pela parede de concreto. Só quem morava naquela metade poderia pisar no templo.

“Cheguei aqui e tive de lidar com o muro”, lembra o pastor, que nunca conseguiu entrar e realizar qualquer celebração na chamada Capela da Reconciliação. Erguido em 1894, o templo acabou demolido em 1985 pela República Democrática da Alemanha (RDA), o governo comunista da Alemanha Oriental.

Apesar disso, Fischer garante que não ficou tão abalado. “A igreja estava lá, mas não podíamos ir até ela. (A demolição) Não foi uma mudança na nossa vida. Mesmo assim, destruíram a lembrança de que houve um outro tempo.”

Dez anos após a unificação, em 1999, Fischer fundou, na mesma Bernauer Strasse, o Centro de Documentação do Muro de Berlim. Ele fica no “lado oeste da calçada”, onde também funcionou a igreja luterana criada para aquela comunidade depois que a Capela da Reconciliação foi separada dos fiéis. O centro reúne exposições e histórias da parede que dividiu a cidade.

“A ideia do memorial é a de que não vamos esquecer as vítimas”, conta. No dia 9 de novembro de 2009, quando se comemoram os 20 anos da queda do muro, está prevista a inauguração ali perto de um centro de visitantes. “É para saudar o público, dar mais infra-estrutura, vai ter biblioteca, projeção de filmes”, adianta o religioso.

Tempos difíceis

Tristeza e desesperança. Foi isso que Fischer encontrou quando assumiu a comunidade religiosa da região. A Bernauer Strasse foi um dos símbolos claros da divisão. De acordo ele, famílias haviam sido separadas pelo muro, erguido diante da janela dos prédios daquela rua. Desesperados, muitos tentaram fugir para o oeste.

Foi o caso de Olga Segler, de 80 anos, que pulou do edifício onde morava para cruzar a fronteira. No livro “O Muro de Berlim – Monumento da Guerra Fria”, o autor Hans-Hermann Hertle relata que a idosa acabou morrendo em decorrência dos ferimentos. Alguns morreram a tiros, disparados pelos militares da RDA.

“O muro de Berlim era para manter pessoas isoladas e cortar esperanças de uma vida melhor”, afirma. “Lembro a história de uma mãe que morreu no Leste e os filhos (viviam no Oeste) não puderam ir ao funeral. Pessoas tentaram escapar e foram mortas, teve gente que perdeu tudo.”

Milagre

Fischer vê a queda do muro como um “milagre”. Na noite de 9 de novembro de 1989, quando o governo anunciou a abertura das fronteiras entre as duas Alemanhas, ele voltava para casa. Passava das dez horas da noite, e ele achou estranho que os carros cruzavam para o Oeste de Berlim sem serem revistados. “Foi totalmente inesperado, ninguém pensou que isso aconteceria”, diz o religioso.

Para ele, que veio de Frankfurt e conheceu Berlim já dividida, a unificação foi reveladora. “A pior coisa aqui eu não notei. Era uma cidade-metade, como quem tem uma perna cortada fora. Eu sentia isso, mas você convive, como se tivesse nascido com aquilo. Quando o muro caiu, eu vi o que era antes.”

Hoje, uma parte do muro continua erguida na Bernauer Strasse, bem em frente ao Centro de Documentação. O símbolo da guerra ideológica virou ponto turístico. Basta atravessar a calçada para tirar fotos. E agora isso é permitido.

Fonte: G1

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