Três anos atrás, S. Masih vivia em uma cidade no Estado de Punjab, no sudeste do Paquistão, onde era o principal pastor de uma igreja presbiteriana com 3 mil membros. Vestia-se bem, tinha 10 auxiliares e morava com os três filhos pequenos e a mulher.
Hoje, ele é pastor assistente em uma igreja na Penha, bairro da zona leste de São Paulo. Chegou ao Brasil sem a família, com visto de turismo, mas recebeu o status de refugiado — fugiu da perseguição religiosa em seu país, onde os cristãos representam 2,59% da população.
[img align=left width=300]http://s2.glbimg.com/5QB6nmAFqFF8fzYdaVvqwBDDWAE=/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2016/09/08/paquistanes3.jpg[/img]Nos últimos anos, a comunidade cristã paquistanesa foi alvo de diversos atentados terroristas. O maior deles, na Páscoa de 2015, deixou 17 mortos e dezenas de feridos. Dois anos antes, um atentado a uma igreja matou 80 pessoas.
No momento, o pastor aguarda por uma autorização para sair do país pela primeira vez desde que chegou. Quer voltar ao Paquistão para resgatar sua família e rever a mãe, que está doente. Para toda a operação, calcula que precisará de R$ 35 mil, quantia que ainda não conseguiu arrecadar.
Masih, 41 anos, pediu que não fosse identificado por medo de represálias a sua família. Contudo, revelar seu último nome não é um problema: no Paquistão a maior parte dos cristãos tem o mesmo sobrenome, que é conferido pelo Estado.
“Não escolhi o Brasil. Eu não conhecia nada daqui. Tinha pedido visto para a Tailândia, porque era mais perto e mais fácil, mas minha avó morreu na época e o visto venceu. Mas eu precisava sair”, disse o refugiado que já fala português, entrevistado pela BBC Brasil em uma tarde de agosto.
[b]Perseguição[/b]
Os problemas do pastor começaram em 2009, quando recebeu em seu escritório na igreja um homem que o convidou a se converter ao islã. Ele negou. “Fui educado, porque no Paquistão você não pode xingar”, disse Masih. A necessidade de polidez não era apenas por educação, era medo de ser acusado de blasfêmia, um crime para o qual a punição pode ser a morte.
“Ele voltou duas ou três semanas depois e falou a mesma coisa. Na terceira vez, ele me disse: ‘te ofereci o islã três vezes e você o desonrou três vezes. Agora, fique pronto para as consequências.”
A pressão veio rápido: duas semanas depois do último encontro, Masih recebeu uma carta do tribunal local no qual o ofendido exigia que o pastor lhe pagasse US$ 70 mil (cerca de R$ 220 mil) pela ofensa cometida. Ele teve dificuldades em conseguir um advogado, pois, segundo conta, ninguém queria defender um cristão.
O caso se arrastou no tribunal por quatro anos até que o juiz decidiu por um valor menor, algo dentro das possibilidades de Masih. O perseguidor, porém, não queria o dinheiro, mas a conversão. No começo de 2013, ele conta ter sido agredido.
“O meu acusador chamou um bando de fanáticos que me atacaram na minha casa. Me bateram na frente dos meus filhos e da minha esposa. Quando cansaram, disseram que iriam me acusar de blasfêmia”. O risco se tornara grande demais para ficar no Paquistão.
O relatório 2015/2016 da ONG Anistia Internacional diz que Punjab é o Estado paquistanês onde as leis sobre blasfêmia são empregadas com maior vigor, sendo “desproporcionalmente usadas contra as minorias religiosas”. O caso mais famoso é o de uma cristã chamada Asia Bibi, condenada à morte em 2010. O então governador de Punjab, Salman Taseer, a apoiou publicamente e acabou morto por um de seus seguranças, posteriomente condenado e executado. Bibi segue presa.
[b]Brasil[/b]
A ideia de sair do país partiu da esposa. A sugestão do lugar, o Brasil, veio um amigo padre. Era a época da Jornada Mundial da Juventude e da visita do papa Francisco, o que tornava mais fácil conseguir um visto de turista. Masih chegou ao Rio de Janeiro sem nem saber que língua os brasileiros falavam.
“Quando eu estava saindo do Paquistão, minha mãe me perguntou: ‘onde é o Brasil? Fica na Inglaterra? Na Arábia?’. Respondi que era longe. Ela me perguntou se eu conhecia alguém lá e eu respondi: ‘Sim, Jesus.'”
Masih saiu do aeroporto do Galeão com US$ 13 mil (cerca de R$ 41 mil) numa maleta, pegou um táxi e o motorista o levou até um hotel na Lapa. Cobrou R$ 80 pela corrida. Depois o levou a uma igreja presbiteriana no bairro Santíssimo ao custo de R$ 200.
“A igreja era pequena, mas eles me acolheram rapidamente sem me questionar. Me deram uma casa e, depois de seis meses, comecei a dar aulas de inglês. Também fui apresentado como missionário e recebi muitos convites de pregação em outras igrejas”.
Um desses convites o levou a Natal, no final de 2014, onde conheceu o pastor Amaury Costa de Oliveira, que há cinco anos acompanha as igrejas perseguidas na Ásia e Oriente Médio e que se interessou pela história de Masih. Ficaram amigos e o pastor brasileiro convidou o paquistanês para trabalhar em seu ministério, na Igreja Presbiteriana da Penha.
“Ele teve uma boa aceitação na igreja. Quando escutam a história dele, as pessoas o acolhem bem. Masih acaba conscientizando os fiéis sobre o que acontece com os cristãos em outros lugares do mundo”, disse Oliveira.
Agora, Amauri, em colaboração com a ONG Preparando o Caminho, é um dos responsáveis pela arrecadação de fundos para ajudar o refugiado paquistanês a voltar ao seu país, onde vai buscar sua família. Masih vai passar pelo menos um mês na sua terra natal e reencontrar a mãe. “Ela quer ficar lá, mas pediu para me ver uma última vez”.
O pai ele perdeu no ano passado. “O dia que ele faleceu me machucou muito. Você deixa seu pai, ele te dá um abraço e um beijo de despedida, com a promessa de um reencontro em breve. Mas ele não estará mais lá. A perseguição destrói tudo dentro de você.”
Quando retornar ao Brasil depois da visita ao Paquistão, Masih vai seguir pregando no templo da Penha e vai morar por um tempo com a família em uma casa de passagem que está sendo construída ao lado da igreja. Dois dos pedreiros são jovens cristãos paquistaneses e também pediram para que o nome não fosse revelado. O sobrenome de um deles pode ser divulgado sem risco — também é Masih.
[b]Fonte: G1[/b]