Estima-se que existam cerca de 90 mil edificações religiosas na França, 17 mil das quais protegidas pelo governo por seu valor histórico ou arquitetônico, destas, cerca de 10% estão em condição perigosa. Em outros países, especialmente Inglaterra e Itália, edificações religiosas abandonadas foram convertidas em casas, lojas ou museus.
O elevado campanário, o teto anguloso e arcobotante gracioso da igreja construída no século XIX que domina a paisagem de Gesté, uma cidade no oeste da França, estão a caminho da demolição – um problema que também aflige outras igrejas francesas, que estão caindo vítimas de seu tamanho, de sua condição precária de manutenção e, em última análise, do aperto nas finanças municipais.
Ainda que a igreja, dedicada a São Pedro, seja possivelmente a única joia arquitetônica nesta cidadezinha de 2,4 mil habitantes, a prefeitura decidiu demoli-la e substitui-la por uma capela de manutenção bem mais simples.
Construída em etapas e com capacidade para 900 fieis, a formidável igreja de pedra está fechada e vazia desde 2006. Para agravar o quadro de abandono e tristeza, ela está isolada por uma cerca de arame, cujo objetivo é proteger os visitantes contra as pedras que caem da fachada, uma ameaça muito real.
“Devido ao seu tamanho e complexidade, a manutenção da igreja sempre será difícil”, disse Jean-Pierre Leger, 61 anos, engenheiro aposentado que trabalha em tempo parcial como prefeito de Gesté. “Ela foi vítima de seu tamanho considerável. É grande demais”.
O prefeito e o legislativo municipal votaram por 17 a 16, dois anos atrás, demolir a igreja, alegando que uma reforma custaria US$ 4,4 milhões e que demolir a edificação atual e construir uma nova custaria US$ 1,9 milhão.
Mas muitos dos munícipes de Gesté discordam ferozmente, e argumentam que a prefeitura superestimou o custo das obras de restauração.
“Rejeitamos suas estimativas de custo”, disse Alain Durand, 50 anos, pedreiro e metalúrgico que serve como tesoureiro de um movimento pela preservação da igreja. “Trata-se de algo muito político; se eles demolirem e reconstruírem, poderão fazer alguma coisa que reduza o desemprego”.
Não é uma luta exclusiva de Gesté. Em toda França, aldeias estão se vendo forçadas a responder perguntas difíceis sobre suas igrejas, muitas das quais deterioradas, em meio a uma queda no número de fieis e de padres, e a uma alta nos custos de manutenção.
Beatrice de Andia, fundadora e presidente do Observatório da Herança Religiosa, em Paris, estima que existam cerca de 90 mil edificações religiosas na França, cerca de 17 mil das quais protegidas pelo governo por seu valor histórico ou arquitetônico, o que dá à França a maior densidade de edificações religiosas na Europa. Cerca de 10% das igrejas protegidas pelo governo estão em condição perigosa, ela diz, devido à falta de verbas públicas para preservação; o mesmo se aplica a boa proporção das demais igrejas.
“A Igreja pode ser eterna, mas não as igrejas”, diz Andia, funcionária aposentada da ala cultural do governo que decidiu fundar o observatório, em 2006, para conscientizar os franceses quanto ao estado lastimável da herança religiosa de seu país. “No passado, eram edificações sacras, mas hoje em dia não existe esse senso do sagrado”.
Em St. Georges des Gardes, não muito longe de Gesté, a igreja de São José, construída no século XIX, foi demolida em 2006; em Le Fief-Sauvin, outra cidadezinha da região, a igreja também foi demolida e substituída, ainda mais cedo.
Ocasionalmente, os moradores locais que se opõem às demolições conseguiram triunfar: em Arc sur Tille, perto de Dijon, no leste da França, a igreja do século XIX escapou à demolição depois de protestos ferozes.
A luta quanto ao futuro das igrejas de aldeia coincide com um debate nacional sobre a questão da identidade francesa, que está sendo travado diante de um cenário de forte imigração muçulmana. O assunto também é complicado por uma lei de 1907, um período em que um governo francês laico lutava por conter a forte influência da Igreja Católica na França, sob a qual a propriedade das igrejas e catedrais do país cabe aos governos dos municípios que as abrigam.
Em outros países, especialmente Inglaterra e Itália, edificações religiosas abandonadas foram convertidas em casas, lojas ou museus. Na França, porém, existe resistência emocional a essa prática, ainda que em Dijon uma igreja abandonada tenha sido transformada em teatro e na Alsácia, no leste, antigas sinagogas hoje sirvam como museus.
A igreja neogótica de Gesté foi concluída em 1870, sobre as ruínas de uma igreja do século 16 que havia sido destruída durante a Revolução Francesa. A região de Anjou, onde fica Gesté, é profundamente católica e havia resistido à revolução, o que levou à destruição de muitas edificações religiosas quando essa resistência foi derrotada.
À medida que a identidade francesa se torna mais laica, muita gente considera que a decadências das igrejas de aldeia simboliza a decadência da fé.
O reverendo Pierre Pouplard, 69 anos, titular da paróquia de Gesté, discorda. “Não vejo a conexão”, afirma. “As pessoas continuam leais à sua igreja, aqui. O comparecimento vem sendo forte”.
Mas ele estava falando na sacristia de uma cidade vizinha, que também é parte de sua paróquia. Já há 12 anos, ele responde por quatro igrejas de aldeia, além de Gesté, devido à queda no número de padres. A França conta com apenas nove mil padres hoje, ante 40 mil em 1940. Pouplard apoia a demolição e substituição da igreja de Gesté.
“Existe um apego emocional; todos os moradores de Gesté sentem apego à sua igreja”, disse. “A maioria teria preferido mantê-la”. Mas ele aceita a aritmética orçamentária do prefeito e menciona o exemplo de Fief-Sauvin, que 15 anos atrás substituiu sua decadente igreja do século XIX por uma construção moderna.
O debate sobre o futuro da igreja dividiu a cidade. Se Pouplard tivesse apoiado a restauração, afirma Durand, a maioria o teria acompanhado. “É questão de gosto”, diz. Mas nas mais recentes eleições locais, em 2008, quando o futuro da igreja foi o tema principal, uma pequena maioria dos eleitores apoiou Leger e seus aliados no Legislativo municipal.
Durand me mostrou a planta de uma igreja contemporânea construída perto de Gesté – uma estrutura circular que segundo ele será reproduzido na nova igreja de Gesté. “Isso é para entretenimento; é um teatro musical”, afirmou, com desdém. “Se você colocar uma placa dizendo ‘armazém’, ninguém estranharia”.
Fonte: The New York Times