Pesquisas indicam que todos os anos ocorrem no Brasil de 750 mil a um milhão de abortos clandestinos, cujas complicações constituem a quarta causa de morte materna no país.
Segundo o Ministério da Saúde, o índice de abortos no Brasil é de 31%, com a ocorrência de 1,44 milhão de abortos provocados ou espontâneos por ano, o equivalente a uma média de 3,7 para cada 100 mulheres.
Ainda segundo dados oficiais, cerca de 250 mil mulheres são internadas anualmente em hospitais da rede pública de saúde para fazerem raspagem na região do útero (prática de curetagem) após um aborto inseguro. A maioria delas é jovem e pobre.
Portugal realizará um referendo sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez em fevereiro, e debates sobre o tema estão cada vez mais acirrados.
A legislação brasileira relativa ao aborto pode ser considerada bastante restritiva se comparada com a de outros países.
O Código Penal do país considera o procedimento crime, exceto em duas situações: gravidez resultante de estupro e risco de morte da mãe.
Uma terceira possibilidade diz respeito ao aborto terapêutico para casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida, isto é, quando o feto apresenta má-formação severa ou acefalia, situação que tem gerado um grande debate na sociedade.
O aborto, nestes casos, só poderá ser realizado, entretanto, com uma autorização judicial para que a mulher interrompa a gravidez.
Justiça
Sobre a questão, tribunais de todo o país têm decidido, ora permitindo, ora negando, autorização à interrupção voluntária da gravidez, e espera-se agora uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto.
A pena mínima para o aborto ilegal provocado pela mulher grávida (artigo 124 do Código Penal) e por terceiros (artigo 126) é de um ano de prisão, mas o réu primário e com bons antecedentes tem direito à suspensão condicional do processo.
Além disso, as mulheres atendidas na rede pública de saúde dificilmente são denunciadas pelos profissionais que as assistem.
As organizações feministas alegam que a criminalização do aborto não evita o procedimento em si, e que simplesmente obriga a mulher a realizá-lo de forma clandestina.
Projeto de lei
Um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados no segundo semestre de 2005 prevê a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação por livre vontade da mãe, até a 20ª semana nos casos de violência sexual e deixa a critério médico a recomendação sobre o aborto com relação a fetos com anomalias.
“Com este projeto, que prevê o atendimento às mulheres em hospitais públicos, pretende-se evitar mortes desnecessárias e infecções, já que muitas mães optam pelo aborto em condições inseguras. As mulheres têm o direito de exercer o controle de sua reprodução”, disse à Agência Lusa a psicóloga Rosângela Talib, da organização não-governamental feminista “Católicas pelo Direito de Decidir”.
De acordo com as estatísticas, o aborto clandestino é responsável por uma em cada quatro mortes evitáveis entre mulheres no Brasil.
Segundo Rosângela, é necessário também que a legalização do aborto venha acompanhada de medidas preventivas como a educação sexual e o acesso a meios de contracepção.
“O que a gente quer é que as mulheres não precisem abortar. Este é um problema de saúde pública e não religioso, simplesmente. No Brasil, a falta de informação ainda é grande. Temos que promover discussões sobre o tema, a exemplo do que está ocorrendo em Portugal, com campanhas muito esclarecedoras”, acrescentou.
Pesquisa
Uma pesquisa recente realizada pelo Ibope para a “Católicas pelo Direito de Decidir” mostrou que quase metade da população brasileira ainda desconhece o aborto legal e que 95% dos entrevistados não souberam citar nenhum hospital que pratique abortos permitidos por lei.
O Brasil conta com 40 centros hospitalares para atendimento de casos de interrupção voluntária da gravidez previstos na lei, mas este serviço ainda não existe em sete Estados.
Igreja Católica
Na outra ponta do debate sobre o tema, encontram-se organizações mais conservadoras e a Igreja Católica, contrárias ao aborto.
“A vida é sempre um dom de Deus e deve ser respeitada, do seu início até o fim natural. Não temos o direito de tirar a vida de ninguém”, diz a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), contrária, inclusive, à interrupção da gravidez nos casos de fetos com acefalia.
De cada dez mil nascimentos no Brasil, oito apresentam esse problema.
“Somos a favor da vida e da dignidade do ser humano, não importando o estágio de seu desenvolvimento ou a condição na qual ele se encontre”, justifica a CNBB.
Fonte: Lusa