Quando era criança na Carolina do Norte nos anos 60, Michael Mack queria ser padre, até que o padre da igreja que frequentava o molestou sexualmente.

Ele rezou para esquecer a experiência, mas, segundo ele, “a memória formigava como um membro amputado”.

À medida que crescia, ele revisitava o momento o tempo todo em sua mente. Ele não contou a ninguém sobre isso, este segredo que o obcecava, “vinculando-me a alguém com quem eu nunca havia conversado, nunca havia visto, mas que vivia e respirava na minha memória”.

Em 2002, o The Boston Globe começou a documentar o abuso sexual generalizado de crianças por parte de padres católicos. As matérias, que ganharam o Prêmio Pulitzer de Serviço Público, levaram Mack, que na época estava morando em Cambridge, a considerar encontrar o padre que havia abusado dele.

Em 2005, ele colocou o nome no Google e descobriu que o padre estava morando a menos de uma hora de distância. Eventualmente, ele chegou à porta da casa do padre.

O resultado foi “Conversas com Meu Molestador: Uma Jornada de Fé”, que teve sua estreia no ano passado no Teatro do Playwrights de Boston na Universidade de Boston para marcar o 10 º aniversário da série Globe.

Agora, Mack, 56, está revivendo o drama de não-ficção no Centro Paulista, um centro comunitário católico no centro de Boston que é dedicado à justiça social.
Na noite de sexta-feira (11), cerca de 50 pessoas participaram da estreia, que foi seguido por uma sessão de perguntas e respostas com Mack e o reverendo Rick Walsh do Centro Paulista. A peça e a discussão posterior mostraram como o escândalo dos padres, decorrente de eventos que ocorreram décadas atrás, continua a assombrar a vida das vítimas e a reverberar por toda a igreja.

A estreia da peça coincidiu com o anúncio da Arquidiocese de Boston, o epicentro do escândalo dos padres pedófilos, de que estava condensando ainda mais suas paróquias por conta da falta de participação contínua nas missas, escassez de padres e parco levantamento de fundos.

O anúncio foi apenas o sinal mais recente do custo do escândalo que, juntamente com várias mudanças demográficas, afetou a arquidiocese. Ela foi obrigada a vender propriedades valiosas e fechar paróquias, e pagou dezenas de milhões de dólares em acordos judiciais para vítimas de abuso sexual. E há também o custo em para as vítimas. E este é o foco do drama lírico de Mack, em que ele é o único ator num palco relativamente vazio por 90 minutos.

Um dos momentos mais perturbadores da performance é quando Mack revela que, como um conselheiro do acampamento quando ele estava no segundo grau, chegou perto de seduzir um vulnerável menino de 8 anos de idade no qual ele se reconheceu.

“Você se inclina mais perto, o cabelo dele com um cheiro de xampu de bebê”, disse Mack ao interpretar a cena. “Seu rosto tão perto do calor do rosto dele, você sente o cheiro do hálito dele, de maçãs.” Nesse ponto, as imagens de seu próprio molestador voltam correndo, e ele se detém antes que algo aconteça.

Esta admissão – de que ele havia quase reencenado o crime que havia sido cometido contra ele – foi especialmente elogiada pela plateia. E levou a uma discussão geral sobre um dos efeitos pouco reconhecidos do abuso sexual, de que algumas vítimas se tornam criminosos.

Outro efeito do abuso sexual mostrado na peça foi os sentimentos simultâneos de atração e repulsa que persistem na memória. Quando Mack tinha 11 anos e foi abusado por seu sacerdote, sentiu-se meio excitado e meio apavorado. Ele também se sentiu especial, mas a complexidade de sentimentos era demais para fazer sentido.

Ele se viu “fortemente atraído, e poderosamente repelido, encontrando no ódio a si mesmo o seu próprio êxtase deprimente”, como ele diz na peça.
Isso só aumentou seu sentimento de culpa. Só o fato de se lembrar da cena tantas vezes, disse ele, provava que ele era o responsável pelo crime, que ele tinha “desejado que isso acontecesse, convidado que acontecesse, feito que acontecesse, merecido.”

Após a apresentação, Mack foi questionado por que não tinha sido vingativo com o padre que havia abusado dele.

“Não era verdadeiro com a minha experiência”, Mack respondeu, em parte porque as vítimas culpam a si mesmas. Além disso, disse ele, a peça era a sua vingança.

“Ao contar minha história, estou fazendo disso a minha verdade”, disse ele. “Eu estou assumindo-a e me vingando.”
A peça é o segundo trabalho teatral de Mack, sendo que o primeiro foi uma narrativa sobre a esquizofrenia de sua mãe, chamado de “Ouvir Vozes, Falar Línguas”.

Ele já a representou para inúmeros grupos de saúde mental e está preparando um terceiro trabalho sobre o amplo tema da recuperação.
Mack foi aluno da Escola de Administração Sloan no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 1980, quando fez um curso optativo de poesia. Ele adorou e pediu transferência para o programa de escrita do MIT, onde estudou com a poeta Maxine Kumin.

Depois de se formar em 1988, ele se sustentou fazendo redação técnica para o MIT à medida que se desenvolvia como poeta, e agora sua arte o sustenta. Ele não quer mais ser padre. Mas voltou para a igreja e espera que seu “caminho de fé”, como descreve na peça, ajude outras vítimas a se curar e encontrar a reconciliação.

“Eu sinto que este é um tipo de chamado”, diz ele. “É aqui que sinto que estou servindo mais e crescendo mais. Isso é uma coisa muito regeneradora para mim.”
Walsh, no palco com Mack para a discussão após a peça, disse que apesar de tudo ele estava fazendo algo “típico de um padre”.

“Você está oferecendo um tipo de perdão. Você está ajudando as pessoas a enxergar”, disse Walsh. “Você pode, através deste meio, atingir pessoas que eu não posso alcançar.”

Isso pareceu evidente após a discussão e depois que a maioria das pessoas tinha ido embora. Era quase meia-noite, e os trabalhadores estavam montando mesas para o evento do dia seguinte. Mack se viu sentado no fundo da sala com um homem de 43 anos de idade que disse que seus pais haviam abusado sexualmente dele. Eles estavam discutindo admissão de Mack de ter sentido prazer no abuso.

“Uma das coisas mais difíceis é saber como perdoar a si mesmo por ter sentido prazer numa experiência que é uma experiência horrível”, disse Mack.
“É prazeroso, e é repulsivo”, disse o homem, que quis permanecer anônimo. “Isso faz alguma coisa no cérebro, e é por isso que muitos sobreviventes repetem o que aconteceu – as pessoas inconscientemente recriam a dinâmica de como foram abusadas.”

O homem disse que estava grato por ter visto a peça por causa de sua complexidade.

“É um presente incrível”, disse ele, “poder assistir à caminhada de outro sobrevivente que passou por isso e chegou a um lugar seguro.”

[b]Fonte: The New York Times via UOL[/b]

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