O arcebispo dom José Cardoso Sobrinho é um prelado cioso de sua autoridade. À frente da Arquidiocese de Olinda e Recife desde 1985, ele já destituiu vários padres, fechou instituições fundadas pelo antecessor e chamou a polícia para proteger o palácio episcopal de fiéis.
Sucessor do venerando arcebispo dom Hélder Câmara, Dom Sobrinho chegou a pedir que a prefeita de Olinda, Luciana Santos, se retirasse da fila da comunhão por pertencer a um “partido ateu”, o PCdoB. Recentemente, depois de consultar o arcebispo, a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) condenou o padre Edwaldo Gomes a três meses de suspensão e a uma retratação pública por ele ter concelebrado uma missa com bispos anglicanos – o que é proibido pelo Direito Canônico.
Essas decisões do arcebispo são polêmicas e até impopulares, mas elas não podem ser contestadas. A Igreja Católica tem suas regras e uma hierarquia estabelecida e quem se filia a ela tem a obrigação de obedecê-las, goste ou não.
O problema começa quando o clero católico se acha no direito de impor seus pontos de vista à população como um todo, ignorando o caráter laico do Estado, consagrado desde a primeira Constituição republicana, de 1891.
Sobrinho ameaçou os fiéis de seu rebanho com excomunhão caso tomassem a pílula do dia seguinte que a Prefeitura do Recife vai distribuir durante o Carnaval. Na lógica escolástica do arcebispo, a pílula estimula a prática do sexo e até mesmo o aborto. “É um pecado grave. Quem pratica o aborto está matando, destruindo a vida de pessoas inocentes. A Igreja Católica pune essa prática com a excomunhão”, disse o prelado, como se vivesse nos tempos de Torquemada, o grande inquisidor espanhol do século XV.
A coisa pegou fogo quando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, criticou a decisão da Igreja de recorrer à Justiça para barrar a medida. “É uma questão de saúde pública, não religiosa. A Igreja cada vez mais se afasta dos jovens com esse tipo de postura.” “Estamos dando continuidade a uma política de prevenção da saúde sexual e reprodutiva da mulher”, disse à revista ISTOÉ Tereza Campos, secretária de Saúde do Recife.
O arcebispo não deixou por menos: “Eles é que estão corrompendo a juventude. Quem faz mal para os jovens é quem está difundindo o mal, induzindo os jovens a praticar sexo à vontade, gastando dinheiro para eles usarem camisinha, violando a lei de Deus.”
Na terça-feira 29 de janeiro, o Ministério Público Estadual deu parecer favorável à prefeitura. Assim, nem sequer haverá processo para julgar. O arcebispo pode agora, se quiser, excomungar seus fiéis, mas espera-se que se curve à lei. Sim, porque ele chegou a dizer que “a lei de Deus está acima de qualquer lei humana”. Só numa teocracia; num Estado laico, não. O prelado buscou a lei para defender as opiniões da Igreja – ou melhor, para tentar impô-las a todos. Melhor assim, mas é bom lembrar que é o mesmo expediente dos radicais islâmicos da Europa, que não aceitam os valores seculares das sociedades ocidentais, mas se valem deles para exigir tolerância com seus preconceitos. Procurado por ISTOÉ, dom Sobrinho, através de sua assessoria, não deu resposta.
Fonte: Revista Isto É