Especial da BBC Brasil mostra que para fazer frente ao que chamam de influência de grupos religiosos na política, organizações de ateus brasileiros aumentam cada vez mais seu alcance usando a mobilização pelas redes sociais e eventos temáticos em todo o país.
Os ateus ainda são uma minoria de cerca de 615 mil pessoas no Brasil, segundo dados do Censo de 2010. Na categoria “sem religião”, que também inclui agnósticos, o número ultrapassa os 15 milhões, segundo o IBGE.
Nos últimos anos, novas associações têm sido criadas para reunir os não crentes em torno de questões como o combate ao preconceito e a defesa da laicidade do Estado brasileiro.
No mês de fevereiro, o 2º Encontro Nacional de Ateus, organizado por parceria entre as principais associações do país, reuniu ateus e agnósticos simultaneamente em 28 cidades de 25 Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, com transmissões ao vivo de palestras e discussões. Em São Paulo, a edição de 2013 teve 750 pessoas, mais que o dobro do ano anterior.
Na capital paulista, o encontro teve palestras sobre assuntos como o ateísmo na filosofia francesa e sobre o Estado laico, este com o procurador regional dos direitos do cidadão de São Paulo, Jefferson Dias. Entre os palestrantes também estava um comediante que ganhou popularidade na internet satirizando pastores evangélicos.
Na página do evento no Facebook, cerca de 1.700 pessoas confirmavam a presença, mas o número menor de participantes reais não decepcionou os organizadores. “Quando a gente organiza eventos no Facebook, sabe que vem entre 40 e 60% (das pessoas). A gente ainda está anestesiado porque não pensava que poderia realizar isso e ter sucesso”, disse Washington Alan, diretor jurídico da Sociedade Racionalista, organizadora do encontro, à BBC Brasil.
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O presidente da Sociedade Racionalista, Diego Lakatos, diz que o encontro começou como uma tentativa de confraternização entre ateus de todo o país. “Num primeiro momento, não estávamos tão interessados em promover discussões mais profundas. Foi uma coisa bem mais informal, no Parque Ibirapuera.”
“Mas ao longo desse ano, alguns temas surgiram com mais força e se tornaram mais relevantes, como a defesa do Estado laico. Vemos a bancada evangélica tentando barrar discussões importantes na nossa sociedade de um ponto de vista religioso e achamos que isso é perigoso”, afirma.
O primeiro encontro deu um impulso no número de adesões à Sociedade Racionalista pelo site, de acordo com Lakatos. Agora, cerca de 60 pessoas se filiam a cada mês. Este mesmo número também era o máximo arrebanhado pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), a maior do país, até sua entrada no Facebook, em 2010.
De acordo com o engenheiro Daniel Sottomaior, fundador da Atea, a criação de uma página no site mais do que dobrou o número de adesões – que já chega a 200 novos membros por mês. A Atea já tem cerca de 7.800 membros filiados e 230 mil fãs no Facebook – cerca de um terço do que corresponderia ao número de ateus calculado pelo IBGE.
“Ganhamos um impulso nas associações com a chegada do Face. Eu sempre fui contra porque a nossa associação é de ativismo no mundo real. Na minha longa experiência de ativismo online percebi que especialmente entre ateus as discussões tendem a gerar mais calor do que luz”, diz Sottomaior.
Sottomaior diz que o objetivo da Atea é criar indignação em relação à discriminação de ateus e “fazer com que o Brasil, 120 anos depois da proclamação da República, se torne (de fato em) um Estado laico”.
Congregar os ateus em uma organização atuante, no entanto, não é fácil. De acordo com ele, o maior desafio é a “indiferença dos ateus”.
“Grande parte dos ateus tem uma independência intelectual tão forte que acaba sendo contraproducente a eles mesmos. Eu entendo que lutar contra o preconceito e a favor da laicidade deveriam ser causas caras não só aos ateus, mas a toda a sociedade”, diz.
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O proselitismo, segundo Sottomaior, também tem que ficar de fora para conseguir mais mobilização dos associados. “Se nós nos voltássemos para isso teríamos um público menor, porque muitos ateus são visceralmente contra o proselitismo.”
“Eu não entendo. Acho que todo grupo organizado tem não só o direito, mas é até esperado que ele pratique o proselitismo. O Greenpeace faz isso, os partidos políticos também”, defende.
A ênfase nas leis e na discriminação, no entanto, não é o suficiente para que religiosos apoiem a causa, segundo Sottomaior. “Algumas pessoas religiosas entram em contato com a associação, mas é um número pequeno, muito menor do que as pessoas que mandam e-mails de ódio.”
“Desde o começo venho tentando contactar minorias religiosas. Os maiores interessados nisso são os grupos religiosos afro-brasileiros, que também são afetados como nós pela discriminação e pela violação da laicidade. Que também é o caso dos homossexuais. Um dos grandes parceiros nossos sempre foi a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)”, diz.
Ao contrário da Atea, a Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), criada em 2010, tem cerca de 3% de religiosos entre seus membros, e pouco mais de 500 filiados que não se declaram ateus. “Temos até mesmo um pastor de uma igreja evangélica inclusiva (a homossexuais) no Rio de Janeiro, que é colaborador”, diz Åsa Dahlström Heuser, de 56 anos, atual presidente da associação.
A adesão de religiosos, segundo Heuser, tem a ver com o fato de que ateísmo é “secundário” na Liga. “Entendemos como benéfica a associação com pessoas religiosas de mente mais aberta. E existem muitas, na verdade. Combatemos as arbitrariedades cometidas por instituições religiosas”, diz ela.
Heuser cita “restrições a homossexuais ou mulheres” impostas por algumas religiões como justificativa para a parceria entre a Liga e o movimento LGBT. “As organizações LGBT são as que têm mais força atualmente para se opor a essa bancada teocrática no Congresso”, explica.
A LiHS tem cerca de 2.800 membros e mais de 17 mil fãs no Facebook, e é, segundo o seu site, voltada para “céticos, agnósticos, ateus, livres pensadores e secularistas”. O fundador da organização, Eli Vieira, é o geneticista que ganhou fama na internet ao responder, com um vídeo no YouTube, à argumentação do pastor evangélico Silas Malafaia contra o homossexualismo.
O aumento da adesão, segundo ela, aconteceu a partir de setembro de 2012, depois da realização do primeiro Congresso Humanista. “A internet ajudou muito, mas os encontros reforçam a ideia de ações sociais. Para que não tenhamos um dia um governo que nos obrigue a fingir que temos uma religião, se a bancada teocrática conseguir impor suas ideias. É isso o que queremos evitar.”
[b]Fonte: BBC Brasil[/b]
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