Seguidores de religiões Afro dizem sofrer preconceito e lutam por igualdade de direitos no Brasil.

A revista Raça Brasil publicou uma extensa matéria em sua edição deste mês sobre o crescimento dos casamentos nos espaços sagrados das religiões de matriz africana. A reportagem chamou atenção para um fato pouco conhecido, a dificuldade de reconhecimento, pelas autoridades, de cerimônias de casamentos não cristãs. Embora não signifique que as religiões afro sejam praticadas apenas por descendentes de escravos, mas estatisticamente eles ainda são a maioria.

[img align=left width=300]http://noticias.gospelprime.com.br/files/2011/12/casamento-religioes-afro-231×155.jpg[/img]O babalorixá Jorge Kibanazambi explicou que na cultura ioruba, oriunda da África, a família é “a base fundamental da sociedade e o pilar que dá condição para a prosperidade do ser humano”.

Ele diz que mesmo sem o conhecimento da cerimônia pela sociedade em geral, “Existe todo um ritual para a o casamento, com preparativos até a consumação da união… Dentro da comunidade de terreiro… acreditamos que a benção dos pais, da família, dos amigos é importante para a felicidade dos noivos. Através de cerimônia/ritual, invoca- se a energia conhecida como Orixá Oxalá para contemplar o casal que constituirá a nova família de ‘coisa’ boa, filhos, enfim, riquezas que o ser humano não tem condições de conceder. Os familiares e amigos expressam por meio dos presentes oferecidos ao casal os desejos de felicidade, em que cada objeto tem seu significado específico.”

No Brasil, devido à miscigenação de raças, os costumes e hábitos dos escravos africanos foram modificados pela influência das muitas culturas que formam a população. Isso inclui as questões religiosas. O que sempre predominou foi o ensinamento da Igreja Católica Romana. Só deixou-se de considerar o catolicismo como a religião oficial do país depois da proclamação da República. Até então, todos os que ensinavam algo que diferente dos preceitos católicos não tinham o reconhecimento oficial de sua validade.

Jorge Kibanazambi lembra que desde o período colonial os sacramentos só eram aceitos se fossem oriundos do catolicismo. Isso ficou tão inserido na cultura das pessoas que, mesmo após a permissão e o reconhecimento da Constituição Federal de 1988, continua sendo hábito da maioria dos seguidores de religiões afro consumar os batizados e casamentos na igreja católica.

Isso ocorre por que “Muitos têm a percepção que é a única Instituição ainda em condições legais para realizar tais atos… Mas cada religião tem seus rituais e suas cerimônias para todas as necessidades de seus fiéis. E as de matriz africana incluíram-se nessa colocação”.

Marcio Marins, coordenador de articulação política do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana, entende que continua difícil separar a ligação do catolicismo com a religião afro. “Até mesmo babalorixás e yalorixás se casam fora dos terreiros. Essa ação nos ajuda a fortalecer a religião para que possamos reconhecer que somos de matriz africana com vários nomes, mas não precisamos recorrer a outras entidades religiosas para realizar a cerimônia de casamento”.
Para Marcio, a união matrimonial celebrada no candomblé aumenta a autoestima da população de terreiro e faz com que cada vez mais as pessoas busquem e reivindiquem seus direitos civis.

Isso nem sempre é fácil, em 2002, Gorete Dorneles Machado ficou viúva e tentou provar a validade de sua união com Renato Fernando Guedes, realizada num terreiro de Umbanda em 1983. Gorete solicitou a pensão pós-morte do marido ao INSS, mas ela foi negada. O motivo alegado foi que ela não tinha uma união estável.

Quando apresentou uma certidão de casamento emitida pela Federação de Cultos Afros, recebeu a informação de que ela não tinha validade. Foi preciso recorrer ao poder judiciário.

Com o apoio do babalorixá Dyba e da ONG CEERT (Centro de Estudos do Trabalho e Desigualdades), que luta pelos direitos da comunidade afro, a viúva percebeu que conseguira a ajuda necessária. O julgamento ocorreu na 8ª Vara Civil do TJ/RS e o resultado foi favorável à Gorete, por unanimidade.

“Daria um filme aquele julgamento, fiz a sustentação oral num tribunal repleto de pessoas de religião de matriz africana com atabaques, com as indumentárias, lutando por seus direitos. Pela primeira vez o judiciário brasileiro reconhecia a validade do casamento nas religiões de matriz africana, afirmando que o casamento no terreiro tem a mesma validade que o casamento na catedral, na mesquita, na sinagoga… ”, declara Hédio Silva Junior, diretor executivo da CEERT e advogado de Gorete na ocasião.

Embora não haja números oficiais, as associações que defendem os direitos das religiões afro-brasileiras acreditam que o número de casamentos cresce não só dentro dos terreiros, mas também dentro de igrejas católicas, que passaram a fazer referências ao candomblé.

Silvana Veríssimo integra o Conselho Nacional de Direitos da Mulher e é seguidora da religião afro. Em 2009, relembra, foi realizado no interior de São Paulo, um dos primeiros casamentos em um terreiro.
“Foi uma experiência maravilhosa, o terreiro encheu de gente, mesmo de não adeptos das religiões de matrizes africanas, que demonstraram o respeito pela religião e por seus adeptos. Compareceram tanto a família da noiva quanto do noivo. O casamento torna-se uma oportunidade para que as pessoas conheçam mais o funcionamento de um terreiro e isso faz com que quebre preconceitos por falta de conhecimento”, afirma.

A lei brasileira exige que alguns detalhes devam ser observados para que a cerimônia seja reconhecida:

● É válido o andamento da documentação antes ou depois da cerimônia. Quando posterior, o prazo é de 90 dias. Os documentos devem ser entregues no cartório que irá constituir a equiparação do casamento civil
● No lugar de um juiz de paz, a união é realizada por um sacerdote da religião. O templo deve estar regularizado, e o sacerdote constituído de poderes para exercer sua função.
● O terreiro deve ter o seu estatuto e atas, onde uma diretoria constituída reconhece o sacerdote como representante. A partir disso, nem o presidente da República pode dizer que não há a devida validade. O Estado não exige formação para o sacerdote religioso, mas tem que haver uma organização que o reconheça como autoridade.
● No terreiro também deve existir um livro de registros para a expedição de uma certidão, que posteriormente é levada pelos noivos ao cartório. Outro item é a presença de testemunhas na cerimônia
● A forma do ritual não é relevante na questão jurídica. O casamento tem as mesmas características que nas demais religiões e segue as mesmas questões de validade, ou seja, entre pessoas de sexos distintos e as que ainda não foram casadas.

[b]Fonte: Gospel Prime com informações Raça Brasil[/b]

Comentários