que ocorreu com Joe Eszterhas ocupa “Crossbearer: A Memory of Faith”, que chega às livrarias norte-americanas nesta terça, dia 2. O livro assinala a transformação de um roteirista em memorialista. “Foi parte de um acordo com Deus”, afirma Eszterhas em entrevista.
Para o público, a cruzada de pernas de Sharon Stone sem calcinhas e o uso alternativo de furadores de gelo foram alguns dos elementos que fizeram de “Instinto Selvagem” (1992), o quatro longa-metragem em inglês dirigido pelo holandês Paul Verhoeven (“Robocop”, “A Espiã”), um sucesso de bilheteria – mais de US$ 350 milhões em todo o mundo.
Mas, nos bastidores de Hollywood, o filme já era comentado muito antes das filmagens por causa de seu roteirista, Joe Eszterhas, que teria recebido pelo trabalho uma quantia então recorde para a função – a bolada alcançaria a cifra de US$ 3 milhões. Nada mal: pelo seu primeiro roteiro filmado, que deu origem a “Flashdance” (1983), o cachê teria sido de US$ 250 mil. Eszterhas ainda conseguiu manter o padrão salarial de “Instinto Selvagem” em “Invasão de Privacidade” (1993), também com Sharon Stone, baseado em romance de Ira Levin e dirigido por Philip Noyce, mas não emplacou nenhum outro êxito. Nos anos 2000, sumiu do mapa.
O que ocorreu com ele na subida, na descida e na retomada ocupa “Crossbearer: A Memory of Faith” (St. Martin’s Press), que chega às livrarias norte-americanas nesta terça, dia 2. De acordo com a revista “Publishers Weekly”, o livro assinala a transformação de um roteirista em memorialista. “Foi parte de um acordo com Deus”, afirma Eszterhas em entrevista a Dick Donahue. “Eu era alcoólatra e fumava quatro maços de cigarro por dia. Depois de uma cirurgia na garganta (por causa de um câncer), me disseram que eu precisava parar de beber e de fumar imediatamente se quisesse ter uma chance de sobreviver. Cerca de um mês nesse regime, e eu já estava ficando maluco.”
Eszterhas conta que foi sendo tomado pelo desespero até que, em um dia de muito calor, quando mosquitos e abelhas decidiram atacar o aparelho que lhe permitia respirar, ele se sentou na calçada, durante uma caminhada, e começou a chorar. “Ali, eu me ouvi – dentro da minha cabeça, claro, porque não tinha condições de falar – rezando e dizendo: ‘Por favor, Deus, me ajude’. Não rezava desde que era criança; Deus tinha sido irrelevante em toda a minha vida. Depois de ficar sentado por cinco ou dez minutos, me levantei e me senti melhor, mais forte do que havia me sentido desde a cirurgia.”
Lidar com a abstinência, garante ele, se tornou mais fácil desde então. “Pela primeira vez, eu pensei que de fato conseguiria me livrar do álcool e do cigarro, e agradeço a Deus por isso. Durante os meses seguintes, uma vez que não tinha mantido nenhuma espécie de relacionamento com Deus em tantos anos, eu estava relutante em pedir a ajuda de Deus para viver. Mas, finalmente, disse que se Deus me ajudasse a viver eu contaria ao mundo o que aconteceu comigo, e como aconteceu.”
O que Hollywood pensa da conversão? “Poucas pessoas viram o livro, mas todas elas sabem que tenho uma fé profunda e que isso representa um grande aspecto da minha vida. E, sim, penso que certamente existem muitos que olham para mim e pensam: ‘Bem, ele agora perdeu todos os miolos, não apenas alguns’. Sinto essa reação, mas devem existir muitos outros – cuja espiritualidade é mais ‘new age’ – que respeitam minha fé.”
Eszterhas conta que esteve com seu antigo agente, Guy McElwaine, cerca de quatro horas antes que ele morresse. Sentou-se ao seu lado, rezou, deu-lhe um beijo e notou que as pessoas no quarto ficaram muito tocadas. Algumas lhe disseram depois: “Você então renasceu, hein?”. Ele acredita que não. “Passei por uma espécie de conversão íntima que me levou para mais perto de Deus, mas que também me levou de volta para uma grande dimensão de minha infância católica”, explica.
Nada de trabalhos como “Instinto Selvagem” daqui para a frente, acredita ele. “Estou seguro de que vou usar essas experiências em meu trabalho, porque eu gostaria de expressar de outras maneiras o que está nesse livro – talvez como ficção, talvez em outros gêneros. Se estou certo de uma coisa, é de que os meus escritos, seja lá qual for a sua forma, jamais serão tão sombrios quanto algumas coisas que escrevi no passado. Não é que eu queira fazer proselitismo e ser um missionário, converter as pessoas, mas penso que vi um lado mais iluminado da vida, da realidade cotidiana e das pessoas do que eu havia visto antes, e gostaria que ele viesse a aparecer em meus escritos.”
Fonte: Blog da Folha