Angela Boldrini
Folha de S. Paulo
Um racha na bancada evangélica, uma das principais bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro, aconteceu esta semana.
Na última terça-feira (26), enquanto Bolsonaro recebia bênção de um pastor na Assembleia de Deus de Manaus, aliados do presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), mudaram no Congresso o estatuto da bancada para possibilitar a sua reeleição, informa Angela Boldrini, da Folha de S. Paulo.
A mudança, feita em reunião esvaziada, causou rebuliço e escancarou uma disputa interna do grupo que é um dos principais aliados ideológicos de Bolsonaro no Congresso.
Deputados ligados a Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) acusam Silas Câmara e seus aliados de tentarem se perpetuar no poder e de mudar as regras do jogo no meio do caminho.
Já os deputados ligados ao atual presidente dizem que a reeleição é desejo quase unânime da bancada e citam a preocupação com a possibilidade de Sóstenes, ligado ao pastor Silas Malafaia, ascender ao comando da bancada como uma das razões para a mudança.
O estatuto registrado pela frente em 27 de março deste ano diz em seu artigo 9º que cabe à assembleia-geral da bancada “eleger o presidente, que indicará os membros da Mesa Diretora e do Conselho Fiscal, para o mandato de um ano vedada a reeleição para a mesma legislatura”.
Na terça, um grupo de deputados, sob a batuta de Cezinha de Madureira (PSD-SP), se reuniu no plenário 15 do corredor de comissões da Câmara dos Deputados, pouco depois das 17h.
A lista de presença assinada pelos parlamentares aponta a participação de apenas 6 membros (a frente tem 203 registros em 2019, entre deputados e senadores).
Estavam lá Márcio Marinho (Republicanos-BA), Gilberto Abramo (Republicanos-MG), Vavá Martins (Republicanos-PA), David Soares (DEM-SP), Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), além de Cezinha.
Em menos de meia hora, mudaram a redação do artigo para permitir a reeleição por uma vez na mesma legislatura.
De acordo também com o estatuto, é preciso a presença de um terço dos membros para abrir uma reunião.
Mas há um mecanismo que permitiu a manobra. Como muitos congressistas apenas se registram, mas não participam, seria praticamente impossível iniciar uma assembleia com número mínimo de 67 presentes. Por isso, o mesmo artigo do estatuto prevê que, após meia hora da primeira convocação, pode-se realizar a reunião com qualquer número de membros.
“Eles dizem que colocaram um aviso no grupo de WhatsApp da frente, mas não é assim que se convoca uma assembleia para mudança de estatuto. Da mesma forma que eu não fui, quase ninguém ficou sabendo”, afirmou Sóstenes à Folha de S. Paulo.
“Não poderia mudar no meio, deveria valer então só para o próximo”, disse Sóstenes.
O deputado do DEM afirma ter solicitado uma reunião com o presidente da frente para a próxima terça-feira (3).
“Eu quero acreditar que ele fez de boa-fé, então pedi uma reunião. Eu que fui o voto vencido quando propus o mandato de dois anos. Foi o Silas [Câmara] quem defendeu o mandato por um ano só, o que eu acho um erro”, disse.
É Silas Câmara quem assina o estatuto protocolado pela bancada neste ano —a cada nova legislatura, é preciso registrar novamente as frentes parlamentares, mesmo que elas não sejam dissolvidas de fato.
Procurado, ele disse não ter informações sobre a mudança do estatuto e disse que a iniciativa não partiu dele. Também se recusou a responder pergunta sobre se abriria mão de disputar um novo mandato para apaziguar os ânimos na bancada.
A presença majoritária de correligionários de Silas Câmara na reunião que mudou o estatuto também não passou despercebida. Integrantes da frente avaliam que a movimentação para manter o deputado está ligada à próxima eleição para presidente da Câmara.
O deputado é ligado ao presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP). Apesar de pouco atuante nas questões evangélicas, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus tem se colocado discretamente como candidato à vaga em 2021.
A cúpula do partido nega envolvimento na disputa da bancada.
Fonte: Folha de S. Paulo