Uma reunião de três dias teve início nesta terça-feira no Vaticano entre uma delegação de clérigos muçulmanos e acadêmicos católicos para tentar encontrar pontos em comum entre as duas religiões.

A carta que a delegação leva ao Vaticano, chamada “Palavra em Comum”, cita passagens do Corão que, segundo os muçulmanos, mostra que o cristianismo e o Islã cultuam o mesmo Deus, e também pede que seus seguidores mostrem amizade uns para com os outros.

O documento examina a doutrina fundamental e destaca o que chama de semelhanças chave, como a crença em um único Deus e a necessidade de seus fiéis “amarem o próximo como a si mesmos”.

A carta admite que foram ditas ao profeta Maomé as mesmas verdades ditas a profetas judeus e cristãos, incluindo Jesus.

Em 2007, 138 clérigos e acadêmicos muçulmanos já tentavam estabelecer pontos em comum entre o Islã e o cristianismo, afirmando que a paz mundial dependia deste resultado.

Um ano depois a carta levada ao Vaticano se transformou em um “manifesto” e conta com o apoio de quase 300 líderes das tradições muçulmanas sunita, xiita, sufista, entre outras.

A iniciativa foi aprovada por muitos líderes cristãos, incluindo o Arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, líder da Igreja Anglicana. Mas o Vaticano foi mais cauteloso em relação a pontos em comum entre as duas religiões.

Medidas práticas

A delegação muçulmana no Vaticano inclui um aiatolá iraniano, um príncipe jordaniano, o Grande Mufti da Bósnia e britânicos convertidos ao islamismo.

Os representantes também visam estabelecer medidas práticas para resolver crises nas relações entre muçulmanos e cristãos, como a ocorrida em 2006 com a publicação das charges do profeta Maomé, na Dinamarca.

Ibrahim Kalin, acadêmico turco que faz parte da delegação que vai se reunir com o papa Bento 16, afirmou que a controvérsia e os protestos gerados pelas charges mostraram como é importante estabelecer o diálogo.

“As coisas se complicaram rapidamente. Uma linha de comunicação é necessária, para que possamos divulgar uma declaração e mobilizar recursos”, afirmou.

Representante central

O papa Bento 16 pode ser o porta-voz de cerca de 1 bilhão de católicos, quase a metade da população cristã do planeta. Mas os 1,3 bilhão de muçulmanos não têm uma autoridade central para representá-los.

Além dos mecanismos práticos para lidar com as diferenças, a delegação muçulmana no Vaticano espera uma medida de acordo em questões fundamentais de fé, e uma troca de listas de leitura – cada lado sugerindo títulos de livros que descrevam de forma mais precisa seus valores e tradições.

Eles também querem incluir o judaísmo nas negociações entre cristãos e muçulmanos.

O papa está buscando mais diálogo com muçulmanos e seria a favor de uma aproximação mais sincera e forte. Mas Bento 16 deverá ter suas prioridades, incluindo uma discussão sobre liberdade religiosa, na reunião desta semana.

É uma questão delicada, pois alguns países de maioria muçulmana proíbem a conversão ao cristianismo e oprimem as minorias cristãs.

Em setembro, depois de uma reunião formal de bispos católicos em Roma, foi declarado que as negociações com muçulmanos deveriam destacar a necessidade de direitos iguais para mulheres. Alguns países islâmicos – como a Arábia Saudita – impõem limites a estes direitos.

Outra questão delicada é a necessidade de democracia.

Trindade

Os dois lados discordam claramente em várias questões. Por exemplo: muçulmanos encaram Jesus como um profeta importante, mas não acreditam que ele tenha sido crucificado.

Outra grande diferença entre as religiões é a forma como Deus é compreendido.

Ibrahim Kalin afirma que a crença cristã de que Jesus é parte de uma trindade divina, com Deus Pai e o Espírito Santo, entra em conflito com a doutrina muçulmana.

“A Trindade atualmente não é aceita por muçulmanos como explicação da infinidade e da unidade de Deus”, afirmou.

“Não concordamos com isto, então não deveríamos tentar enterrar estas diferenças em uma teologia deturpada, mas conversar tendo como base o ‘concordar em discordar'”, acrescentou.

Fonte: BBC Brasil

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