A Alemanha deseja usar a sua presidência da União Européia para implementar uma legislação que faria com que a negação do Holocausto fosse punida com rigorosas penas de prisão em todos os 27 Estados membros da organização.

A ministra da Justiça do país, Brigitte Zypries, disse na noite da última quinta-feira que o compromisso alemão de combater o racismo e a xenofobia – e de manter viva a memória do Holocausto – é ao mesmo tempo uma obrigação histórica permanente e uma necessidade política atual.
“Sempre dissemos que não se pode mais aceitar que se diga na Europa que o Holocausto nunca existiu e que seis milhões de judeus jamais foram assassinados”, declarou a ministra.

Zypries anunciou que, segundo a proposta alemã, aqueles que negarem o aniquilamento de judeus por parte dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial poderão ser condenados a até três anos de prisão.

Zypries afirmou que a proposta, que será debatida pelos ministros da Justiça dos países integrantes da União Européia nos próximos seis meses, também procurará fazer com que as declarações racistas que se constituem em incitação à violência contra uma pessoa ou um grupo específico sejam consideradas crimes.

Segundo ela, o objetivo da proposta é harmonizar os sistemas legais nacionais no que se refere ao combate ao racismo e à xenofobia. De acordo com os analistas, unificar as regras referentes aos crimes motivados por ódio racial ou religioso será uma tarefa difícil. Os líderes europeus têm sido unânimes em condenar aqueles que negam o Holocausto, e criticaram duramente o governo iraniano por ter organizado recentemente uma conferência que lança dúvidas sobre a veracidade do massacre que vitimou os judeus.

Mas a proposta de criminalizar tais atos tem dividido a Europa entre países como a Alemanha, que vêem uma lei comum a toda a União Européia, referente a esta questão, como um imperativo moral, e outras nações, como o Reino Unido, a Itália e a Dinamarca, que resistem a regras comuns a todos os membros, por entenderem que isso infringiria as liberdades civis e de livre expressão.

Dois anos atrás, Luxemburgo tentou usar a sua presidência da União Européia para implementar uma legislação com o objetivo de unificar as medidas a serem tomadas quanto à negação do Holocausto, mas esbarrou no bloqueio por parte da Itália, sob a alegação de que tal lei infringiria a liberdade de discurso. À época, vários países rejeitaram tentativas de banimento de símbolos nazistas, que ganharam força após a divulgação de fotos do príncipe Harry, do Reino Unido, usando uma tarja com uma suástica no braço durante uma festa a fantasia.

Zypries disse estar confiante em que a Alemanha poderá agora conseguir contornar tal resistência já que a Itália, sob o governo de centro-esquerda do primeiro-ministro Romano Prodi, deixou de se opor ao plano. Mas ela advertiu que a legislação necessitaria de objetivos bem focados para conquistar apoio.

A proposta de Luxemburgo, que a Alemanha está estudando com a idéia de reproduzi-la, afirma que declarações racistas ou a negação do Holocausto não serão motivos de punição caso não incitem o ódio contra um indivíduo ou um grupo.

Leis contra a negação do Holocausto já existem na Áustria, na Bélgica, na França, na Alemanha e na Espanha. Em um caso recente e bastante divulgado, o historiador britânico David Irving passou 13 meses em uma prisão na Áustria por negar a existência do Holocausto, tendo sido libertado no mês passado.

O debate sobre como conciliar liberdade de expressão com a luta contra o racismo ganhou um novo ímpeto recentemente, quando a Assembléia Nacional Francesa aprovou uma lei que torna crime negar que o massacre dos armênios pelos turcos durante a Primeira Guerra Mundial foi um caso de genocídio. Embora a comunidade armênia tenha aplaudido a lei, a Turquia acusou a França de restringir a liberdade de expressão e de reescrever a história com objetivos políticos.

A publicação no ano passado de charges dinamarquesas satirizando o profeta Maomé, que provocou a fúria no mundo islâmico, fez com que alguns muçulmanos acusassem a União Européia de adotar dois pesos e duas medidas na sua luta contra o racismo.

Abdullah Gul, o ministro das Relações Exteriores da Turquia, pediu em março do ano passado que as nações européias revisassem as leis para garantir que a difamação de outras religiões fosse considerada crime. Ele disse durante uma reunião dos ministros das Relações Exteriores dos países membros da União Européia que muitos muçulmanos acreditam que as leis européias protegem as religiões cristãs tradicionais e proíbem o anti-semitismo, embora nada façam para defender os muçulmanos que se sintam ofendidos.

Emine Bozkurt –uma socialista holandesa descendente de turcos, e que é a presidente de um grupo de trabalho do Parlamento Europeu cuja função é combater o racismo– disse que a amplitude da proposta alemã deveria ser maior. Mas ela reconhece que tal tarefa poderá ser difícil.

“Temos presenciado xenofobia e racismo crescentes na Europa, de forma que a proposta alemã é uma boa idéia”, disse ela. “Mas os Estados membros têm culturas legais e leis diferentes, e esta é uma questão difícil de ser superada.”

Fonte: International Herald Tribune

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