Um novo reality show televisivo na Turquia mostrará rabinos, padres, imãs e monges tentando converter ateus em fieis. O Vaticano enviará um padre, um monge budista foi recrutado, e os ateus que se converterem ganharão uma viagem para algum lugar sagrado. A autoridade religiosa muçulmana da Turquia não achou graça.

O Channel T não tem exatamente uma das maiores audiências da televisão turca. E esta estação de público segmentado, espremida numa área comercial de Istambul, ganhou as manchetes principalmente por causa da mulher que a comanda, Seyhan Soylu. Com frequência chamada apenas de “Sisi” pela imprensa, ela tem 36 anos, é uma jornalista, ex-policial, transsexual e enfant terrible da Turquia.

Aos 20, filho de um diplomata e graduado na academia de polícia, ele fez uma operação para trocar de sexo. Aos 22, Sisi apareceu na capa da Playboy, e desde então desenvolveu um interesse por política em grande escala. Como funcionária pública, Soylu tomou parte na derrubada do primeiro-ministro fundamentalista Necmettin Erbakan em 1997. Em setembro passado, a loira eloquente de braços tatuados foi até presa por suspeita de ser integrante da Ergenekon, uma organização ultranacionalista que Ankara acredita ter planejado um golpe para derrubar o governo.

Então talvez não seja nenhuma surpresa que Sisi também seja a força por trás do programa de televisão mais controverso do país. Durante semanas, o reality show criado pela chefe do Channel T e chamado “Tövbekarlar yarisiyor” (algo como “Competição dos Penitentes”) esteve no centro do debate público. O programa mostra 12 ateus e vários representantes religiosos, incluindo um padre católico e um ortodoxo, um imã muçulmano, um rabino judeu e um monge budista.

Autoridade religiosa: “Uma depreciação da religião”

Durante oito semanas, os clérigos, agindo de forma independente uns dos outros, tentarão converter os candidatos ateus às suas respectivas crenças. O programa incluirá conversas face-a-face, sessões de perguntas e respostas em grupo e visitas a mesquitas e igrejas. Se os religiosos conseguirem converter um participante, este ganhará uma viagem para o lugar sagrado da religião em questão. Um muçulmano recém-convertido fará uma peregrinação a Meca às custas do canal, um judeu irá para Jerusalém, um católico para o Vaticano e um budista para o Tibete.

Isso soa como uma piada, mas os criadores do programa no Channel T são muito sérios a respeito. “Selecionamos nossos 12 ateus entre mais de 200 inscritos. Já temos um compromisso do Vaticano, que planeja nos enviar um padre”, disse Soylu em seu escritório no bairro de Güngören em Istambul. Um rabino e um monge budista também foram recrutados. Inicialmente, o canal teve dificuldades em conseguir um representante do Islã, mas eventualmente encontrou um imã tunisiano disposto a aceitar o desafio.

Soylu diz que a autoridade religiosa hesitou em permitir a participação de um imã turco no programa, mas isso é um eufemismo. O Departamento de Assuntos Religiosos (Diyanet) de Ankara reagiu com irritação ao anúncio do Channel T sobre os planos para o programa. “Nenhum imã” participará desse programa “ordinário”, disse o presidente do Diyanet Ali Bardakoglu numa entrevista à TV. O programa, disse ele, não passa de um “erro fatal” e, mais do que isso, representa uma “depreciação da religião”.

Mustafa Çagrici, mufti supremo de Istambul, que, assim como Bardakoglu, está entre as vozes mais moderadas do Islã turco, teme a falência do mundo Oriental. Experimentar com Deus, diz ele acaloradamente, é prejudicial à harmonia pública.

“Queremos ajudar as pessoas a encontrar Deus”

Soylu, que vê a si mesma como uma “muçulmana devota com visões não dogmáticas” num país com uma população na qual 99% das pessoas pertencem à mesma religião, lançou um contra-ataque. “Onde está o problema? Nós não queremos incitar uma guerra religiosa”, diz ela. “Queremos ajudar as pessoas a encontrar Deus”.

Se o programa de fato acabar ofendendo as sensibilidades religiosas, o canal pode esperar receber uma multa da agência que regula a mídia turca. Na pior das hipóteses, ele poderá enfrentar a perda de sua concessão.

Ironicamente, os fiscais da mídia turca têm lidado com um número cada vez maior de programas absurdos há algum tempo. Na batalha por telespectadores, os canais turcos estão superando uns aos outros com programas de mau gosto como “Ver coskuyu” (algo como “Mostre do que é Capaz”), no qual os candidatos são cobertos de pequenos insetos ou recebem choques elétricos enquanto cantam uma música. Em outro programa, que foi acusado de sexismo, um homem enfrenta 50 mulheres loiras num teste de conhecimento – eventualmente ele ganha, mostrando que as loiras são intelectualmente inferiores.

O programa de Sisi sobre os ateus e a religião é relativamente inofensivo em comparação. A socióloga turca Nilüfer Narli sente até que ele preenche uma necessidade social: “a crescente curiosidade em relação às outras religiões”. Enquanto isso, ainda não está certo quando o programa “Competição de Penitentes” irá ao ar. O canal primeiro anunciou sua estreia para setembro, mas agora um conselheiro do Channel T disse que ele não será lançado antes de outubro – depois do Ramadã, o mês de jejum islâmico.

Ter esse tipo de consideração é extremamente necessário.

Fonte: Der Spiegel

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