Segundo os dados oficiais, 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema e 36 milhões ascenderam à “classe média” na última década.

Nem tudo está perdido. Em tempos de crise mundial, pessimismo generalizado e fomes galopantes, vale a pena lembrar e pôr em dia o exemplo de um país em crescimento, o Brasil, que já ganhou alguns “rounds” da miséria. Sua estratégia tem pontos frágeis e seu êxito é às vezes exagerado, mas os avanços são inegáveis e transformaram a experiência em um modelo para o mundo. Embora seja preciso vê-los com cautela, os grandes números desse avanço são notáveis.

Segundo os dados oficiais, 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema e 36 milhões ascenderam à “classe média” na última década, com a ajuda dos programas sociais ativados durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e continuados por sua sucessora, Dilma Rousseff. Um progresso apreciável para uma população de 194 milhões de habitantes, até há pouco tempo vista como paradigma da desigualdade.

Convém fazer distinções. No Brasil se rotula de “classe média” as famílias com rendas entre 720 e 2.400 euros por mês, ou melhor, os indivíduos cuja renda per capita oscila entre 132 e 575 euros (depende da classificação que se escolha). E lá quase tudo é mais caro que na Espanha, especialmente os produtos importados e a moradia nas grandes cidades.

Por outro lado, e apesar da evidente melhora, mais de 16 milhões de brasileiros ainda sobrevivem com rendas familiares inferiores a 31 euros por mês; destes, 10 milhões habitam em lares com uma renda de menos de 17,50 euros. A situação era muito pior antes de se implementar o programa principal de Lula e Rousseff, chamado Bolsa Família e baseado na transferência direta de ajudas aos menos favorecidos: entre 14 e 67 euros mensais, segundo as necessidades. O dinheiro é entregue às mães, mas com condições. Os filhos em idade escolar têm de ir ao colégio, os calendários de vacinação devem ser cumpridos à risca e as mulheres grávidas precisam se submeter a um estrito controle médico. As dotações chegam a 12 milhões de famílias e são acompanhadas de cursos de capacitação, tanto para os gestores do plano como para seus beneficiários.

A fim de reforçar e aumentar a eficácia das ajudas, a presidente aprovou em junho o plano Brasil Sem Miséria, que estenderá os subsídios a 800 mil famílias até agora excluídas. A ampliação afeta 1,3 milhão de menores de 15 anos. O orçamento anual é de 8,8 bilhões de euros. “Não vamos mais esperar que os pobres nos procurem; é o Estado quem deve sair em busca da miséria”, disse a presidente ao lançar o projeto.

As ajudas diretas serão complementadas com investimentos em saúde, educação, saneamento e formação profissional. Nenhum desses programas estaria funcionando como hoje sem uma boa coordenação entre as administrações envolvidas, mas tampouco sem contar com a sociedade. Para afinar a participação social, 62 organizações civis fundaram em maio o movimento Brasil Sem Pobreza, em cujo espectro entram advogados, médicos, educadores, religiosos e representantes dos indígenas, entre outros. “O governo não pode fazer isso sozinho”, diz o secretário executivo do coletivo, Ulisses Riedel.

Outro ponto essencial dos programas é o caráter imediato e direto das ajudas, distribuídas mediante um cartão pessoal de débito que também facilita o acesso a microcréditos. O fato de não haver intermediários não só economiza atrasos e custos burocráticos como evita chantagens e corrupção: um aspecto que se deve levar muito em conta em um país onde a “mordida” é pão de cada dia. Assim, por exemplo, o Ministério Público investiga o desvio de milhões de euros através de comissões ilegais de até 50% nos contratos das obras para reconstruir as cidades afetadas pelas chuvas de janeiro passado no Rio de Janeiro, que deixaram 900 mortos.

O modelo brasileiro de combate à miséria não é totalmente original, pois o conceito do Bolsa Família se baseou no plano Oportunidades do México. Entretanto, são as iniciativas de Lula e Rousseff que estão sendo tomadas como exemplo em outros 40 países – segundo o governo -, incluindo os EUA. A ONU, o Banco Mundial e o FMI, mas também muitas ONGs, elogiam os êxitos alcançados. A fórmula funciona bem porque existem recursos e um Estado forte que pode e quer administrá-los adequadamente, de modo que nem todos os países podem copiá-la facilmente.

Mas, na medida em que melhora a formação e favorece a independência econômica dos beneficiários, o sistema está promovendo por sua vez o crescimento econômico e o desenvolvimento humano do país. E esse é um círculo virtuoso que merece ser imitado em toda parte.

[b]Moradia, o mais difícil
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O governo brasileiro acaba de aprovar a segunda fase de seu programa de habitação social Minha Casa, Minha Vida, para o período 2012-2014. Trata-se de ampliar em 2 milhões de unidades o objetivo de 1 milhão traçado na etapa anterior, que começou em 2009 e deve acabar este ano. O plano subsidia as famílias mais necessitadas com o financiamento sem juros de apartamentos e casas de baixo preço. A cota para os mais desfavorecidos em áreas com solo barato pode ser inferior a 10 euros por mês. Mas há atrasos, problemas e queixas. Embora os contratos assinados para a primeira fase já superem a meta prevista, o volume de entregas beira os 25%.

Muitos beneficiários denunciaram problemas de qualidade na construção, distância dos serviços ou falta de transporte. O aumento dos preços imobiliários no Brasil está dificultando o projeto. O Executivo teve de elevar os tetos de custo das moradias, mas as construtoras continuam considerando-os pouco realistas. É o grande paradoxo: os programas sociais favoreceram o crescimento, mas este trouxe mais inflação (sobretudo na construção). E agora alguns programas saem caros demais.

[b]Fonte: La Vanguardia[/b]

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