Alguns católicos da ala conservadora da igreja nos Estados Unidos dizem que Francisco os deixou se sentindo abandonados e profundamente perturbados.
Quando o papa Francisco foi eleito em março, Bridget Kurt recebeu um pequeno santinho de oração com a imagem dele na igreja dela e o colocou em seu refrigerador em casa, ao lado das fotos de seus amigos e imagens de seus santos favoritos.
Ela vai regularmente à missa, participa há muito tempo do movimento antiaborto e acredita que todas as doutrinas de sua igreja são verdadeiras, belas e devem ser obedecidas. Ela gostava muito dos dois últimos papas e mantém um livro de recortes com lembranças de sua viagem a Denver, em 1993, para ver o papa João Paulo 2º no Dia Mundial da Juventude.
Mas Kurt removeu recentemente o santinho do papa Francisco e o jogou fora.
“Parece que ele está se concentrando em trazer de volta a esquerda que tinha perdido espaço. Mas e quanto aos conservadores?” disse Kurt, uma educadora. “Mesmo quando era desencorajador trabalhar no pró-vida, você sempre sentia que a madre Teresa estava ao seu lado e que os papas estavam encorajando você. Agora me sinto jogada debaixo do ônibus.”
Nos oito meses desde que se tornou papa, Francisco conquistou afeição mundial por sua humildade e toque comum. Seus índices de aprovação estão nas alturas. Até mesmo ateus estão aplaudindo.
Mas nem todo mundo está tão encantado. Alguns católicos da ala conservadora da igreja nos Estados Unidos dizem que Francisco os deixou se sentindo abandonados e profundamente perturbados. Pela internet e em conversas entre eles, eles se desesperam que, após 35 anos nos quais os papas anteriores –João Paulo 2º e Bento 16– traçaram fronteiras claras entre certo e errado, Francisco está turvando a doutrina católica para ter apelo ao público mais amplo possível.
Eles ficaram particularmente alarmados quando ele disse a um proeminente ateísta italiano, em uma entrevista publicada em outubro e traduzida para o inglês, que “todo mundo tem sua própria ideia de bem e mal”, de modo que todo mundo deveria “seguir o bem e combater o mal como os percebe” –um comentário que muitos conservadores interpretaram como parecendo apoiar o relativismo. Ele chamou o proselitismo de “uma bobagem solene”.
Eles ficaram chocados quando viram que Francisco disse em uma entrevista que “os mais sérios dos males” atuais são “os jovens desempregados e a solidão dos idosos”. E o desgosto aumentou depois que ele disse em uma entrevista anterior que intencionalmente “não fala muito” sobre aborto, casamento de mesmo sexo ou contracepção porque a igreja não pode ficar “obcecada com a transmissão de um conjunto desarticulado de doutrinas”.
Steve Skojec, vice-presidente de uma imobiliária na Virgínia e um blogueiro que escreve para vários sites católicos conservadores, escreveu sobre as declarações de Francisco: “Elas são explicitamente hereges? Não. Estão perigosamente perto? Certamente. Que tipo de cristão diz a um ateísta que não tem intenção de convertê-lo? Isso por si só deveria perturbar os católicos em toda parte”.
Em uma entrevista recente, Skojec disse ter ficado impressionado com a resposta positiva ao seu blog por pessoas que disseram pensar o mesmo que ele, mas que não queriam dizê-lo em público. Ele disse que passou a suspeitar que Francisco é um “pretenso revolucionário” que deseja mudar a igreja fundamentalmente.
“Existiram papas ruins na história da igreja”, disse Skojec, “papas que assassinaram, papas que tinham amantes; eu não estou dizendo que o papa Francisco é terrível, mas não há proteção divina que o impeça de ser o tipo de sujeito que mina sutilmente os ensinamentos da igreja para promover uma visão diferente”.
Mas a maioria dos católicos americanos não compartilha as objeções dele. Uma pesquisa realizada após uma entrevista pela Universidade Quinnipiac apontou que 2 entre 3 concordam que a igreja está “obcecada” demais com algumas poucas questões.
Analisando as declarações de Francisco nas últimas semanas, outros conservadores católicos estão concluindo que ele não disse nada que contradiga o catecismo católico, com parte de sua linguagem até mesmo lembrando a de Bento 16. Mas, em entrevistas, as palavras que os conservadores usam com mais frequência para caracterizar Francisco foram “ingênuo” e “imprudente”, porque ele está dizendo coisas de forma que a mídia e os “inimigos” da igreja podem distorcer, e há consequências.
Alguns apontaram para a votação do casamento gay na semana passada em Illinois. Dois legisladores estaduais católicos que votaram pela aprovação do casamento de mesmo sexo citaram as palavras do papa Francisco: “Quem sou eu para julgar”.
O papa disse essas palavras em resposta a uma pergunta sobre os gays durante uma longa entrevista informal em um avião, em julho. Mas Francisco não mudou o ensinamento católico, que defende que o casamento é apenas entre um homem e uma mulher, e que o sexo gay é errado, mas que os gays são dignos de piedade e respeito.
Matt C. Abbott, um colunista católico de Chicago do “Renew America”, um site politicamente conservador, disse em uma entrevista na sexta-feira: “Eu preferiria que ele tivesse escolhido palavras diferentes, se expressado de um modo diferente, que não pudesse ser tão facilmente tirado de contexto”.
Abbott disse: “Para os católicos ortodoxos e conservadores, os últimos meses foram como um passeio em montanha-russa”. E acrescentou, por e-mail: “Eu não sou um grande fã de montanhas-russas”.
Alguns conservadores católicos estão compartilhando online profecias que falam das tribulações da igreja. Em uma, uma mulher irlandesa previu que Bento seria mantido como refém. Outras citam a mística alemã Anne Catherine Emmerich, que escreveu sobre uma “relação entre dois papas”, um que “vive em um palácio diferente do anterior”, que alguns agora veem como uma referência a Bento 16, que renunciou como papa neste ano, mas ainda vive na Cidade do Vaticano. Durante esse período surgiria uma “falsa igreja das trevas”.
Mas alguns católicos inicialmente alarmados com os comentários de Francisco agora estão tentando acalmar os outros.
Judi Brown, presidente e cofundadora da American Life League, um grupo católico antiaborto, disse: “Os membros do pró-vida estão incomodados por sentirem que o papa está traindo o movimento. Mas isso não é verdade. Se você ler tudo o que ele está dizendo, especialmente nos seus sermões de quarta-feira, não há dúvida de que ele permanece consistente com o que a igreja vem ensinando”.
Na Pregnancy Aid Clinic, de Hapeville, Geórgia, um centro católico sem fins lucrativos onde as mulheres que buscam exames de gravidez são orientadas contra o aborto, os funcionários se reuniram em torno da mesa da cozinha na semana passada e disseram cautelosamente que estão tentando assimilar a mensagem do papa.
Alexandra P. Shattuck, diretora da clínica, disse que estudou a primeira entrevista publicada do papa na aula de estudos da Bíblia em sua paróquia e concluiu que a mídia tirou de contexto o alerta de Francisco sobre a obsessão com o aborto. Ela disse que Francisco estava realmente tentando ensinar sobre misericórdia.
“Eu acho que ele está completamente certo”, acrescentou Katie Stacy, coordenadora de desenvolvimento da clínica, que se formou recentemente na faculdade. “O foco não deve ser apenas no amor e na misericórdia, mas em tratar as mulheres nessas situações de crise com amor e misericórdia.”
A sala estava lotada de cestas com embalagens vazias de alimentos para bebês, que seriam distribuídas pelas paróquias de Atlanta para serem enchidas com notas e moedas de doações. Os funcionários disseram que a maioria dos padres está longe de obcecada com o aborto e contracepção, pregando contra apenas durante o “Domingo de Respeito à Vida”.
“Quando o papa faz uma declaração de improviso ou em uma entrevista, ela não é uma declaração infalível”, disse Chris Baran, o presidente do conselho diretor da clínica. “O que ele diz em uma declaração não muda nenhum ensinamento da igreja existente há mais de 2.000 anos.”
[b]Fonte: The New York Times[/b]